| Introdução
Alchemist Adventure é um jogo de ação e aventura, desenvolvido pela Bad Minions, um estúdio de Brasília. Este jogo está em acesso antecipado desde o dia 30 de junho de 2020 para o Microsoft Windows. Até hoje vem recebendo críticas muito positivas na Steam, estando, no momento, com 92% de aprovação dos usuários. Além disso, recebeu vários prêmios indies:
Essa entrevista foi realizada com o objetivo de criar oportunidade de outras pessoas conhecerem mais sobre esse jogo brasileiro, e também para ajudar quem tem como sonho ser desenvolvedor de jogos no Brasil.
Agradeço ao Leo Batelli por responder nossas perguntas, e com isso permitir que este post fosse realizado.
| Entrevista
Garota no Controle: O que veio primeiro, a mecânica ou temática?
Leo Batelli: Quando a gente pensa em um alquimista, vem aquela ideia de um cientista maluco, que faz vários experimentos e testa diferentes ingredientes e possibilidades. Então, a gente escolheu a alquimia como tema, e ela acabou permeando todos os aspectos do jogo, como as mecânicas e a narrativa. Na verdade, a ideia nasceu em um jogo antigo que fizemos, cujo protagonista era um kobold alquimista.
Garota no Controle: Que jogos inspiraram Alchemist Adventure?
Leo Batelli: Esse sentimento de experimentar e explorar remete muito aos jogos de aventura e RPG. Eu acredito que o jogo tenha uma enorme influência de Zelda e outros jogos similares. Magicka é um jogo muito interessante também. A ideia era misturar essas 2 IPs com uma cadência diferente explorando um novo universo de fantasia, voltado para ciências fantásticas.
Garota no Controle: Qual o diferencial do jogo Alchemist Adventure?
Leo Batelli: Acho que para toda a equipe o diferencial é o sistema de alquimia. Por meio dele, o jogador é capaz de atacar inimigos, se proteger, se curar, interagir com o cenário, resolver desafios e tantas outras possibilidades. Imagine, você pode aumentar o nível d’água de um lago e fazer uma ponte de gelo para atravessar só usando as poções. Então, o sistema de alquimia é o ponto central do jogo e eu acredito que ele tenha um certo charme. Pessoalmente, eu sou apaixonado pela história, e gostaria muito de trabalhar em continuações.
Garota no Controle: Qual o tamanho da equipe de vocês?
Leo Batelli: O Alchemist Adventure começou a ser feito por mim e pelo meu sócio, ou seja, duas pessoas. Hoje, a Bad Minions tem 16 minions. No Alchemist Adventure, foram mais de 25 pessoas trabalhando. Sou muito grato a todos os que passaram e contribuíram com o projeto, mesmo que momentaneamente.
Garota no Controle: Quais as principais dificuldades encontradas para desenvolvimento e para conseguir que o jogo fosse publicado?
Leo Batelli: A maior dificuldade é o conhecimento necessário em todas as áreas. Tanto na parte técnica, como programação e arte, quanto no lado de negócio (business), e como gerenciar equipe, como organizar os processos. Fazer um jogo é um desafio hercúleo em todos os aspectos.
Garota no Controle: Quanto tempo o jogo demorou para ser desenvolvido?
Leo Batelli: A gente alternou diversos momentos, inclusive trabalhando em projetos de clientes para conseguir seguir em frente. Mas no total, foram 6 anos.
Garota no Controle: Pretendem lançar outros jogos?
Leo Batelli: Pretendemos sim. Estamos trabalhando em outros 2 projetos, mas em ritmo diferente. Um deve ser lançado em algum momento do ano que vem. O outro é um pouco maior e vai levar alguns anos. Quem curtir Alchemist Adventure vai se interessar muito por esses novos jogos.
Garota no Controle: É possível viver de jogos no Brasil?
Leo Batelli: Viver de jogos não é tão simples como as pessoas imaginam. A gente vê várias notícias de pessoas que ficaram ricas nesse meio, mas a verdade é que para cada caso desses, tem outros 999 que falharam, desistiram ou conseguem apenas sobreviver. A indústria de jogos, especialmente em países que não têm tradição, como o Brasil, demanda muita disciplina e vontade. Inteligência e criatividade ajudam a amenizar um pouco, mas é uma saga épica atuar nesse meio. É como ir até Mordor para destruir o anel de novo, de novo e de novo.
E tem diversos motivos para isso, a dificuldade técnica de criar um jogo é muito elevada, especialmente um projeto grande. Não basta vontade, precisa de conhecimento. E tem coisas que você só aprende quando passa por certas situações. O que ocorre é que a maioria dos que tentam ser profissionais se perdem nesse ponto. Não terminam o projeto, insistem nos erros, não sabem trabalhar em equipe, não têm compromisso com o projeto.
E se você consegue chegar ao final desse processo com um jogo, você só chegou na metade do caminho. Tem toda a questão de como distribuir o jogo. O marketing, relações públicas com a imprensa e streamers, gerenciar comunidade, aplicar o preço certo, promover o jogo. É um mundo desconhecido. E o que acontece é que aqueles que lançam um jogo, chegando ao final do projeto, muitas vezes sentem que não valeu a pena todos os anos de dedicação. E desistem.
Mas existem alguns segredos. Cada dia que você permanece um profissional de jogos, mais conhecimento você acumula, mais fácil as coisas vão se tornando. E você começa a ver que é um aventureiro mais experiente, que não cai mais nas mesmas armadilhas. Enquanto a maioria sucumbiu aos perigos da masmorra, você ainda está vivo e mais forte. Mais maduro. E eventualmente você aprende a tornar o estúdio viável financeiramente. Para mim, um desenvolvedor de jogos brasileiro ou de países sem tradição são extremamente valiosos e inspiradores.
Garota no Controle: Qual foi o maior aprendizado que você gostaria de passar para outras pessoas, sobre produzir o próprio jogo?
Leo Batelli: Para quem quer ser desenvolvedor, eu diria para conversar bastante com outros desenvolvedores. Não vá apenas pelo que um diz, mas reúna o máximo de informação para minimizar os riscos. Existem diversos eventos nacionais exclusivo de desenvolvimento. Vale a pena ir e conversar. Mas muito cuidado com certos discursos. Eles são lindos e parecem fazer sentido, mas podem arruinar seu estúdio. Vou dar um exemplo. Conheço um grupo de rapazes que fez um protótipo fenomenal de jogo. E então começaram a receber a mentoria de um estúdio maior. Disseram que deveriam se preocupar com as redes sociais, em criar comunidade e coisas do tipo. Em geral, é um bom conselho, mas tem que entender o momento certo para aplicar. O time de rapazes não conseguia trabalhar no jogo e manter a comunidade engajada. Eles focaram na comunidade e nas redes sociais, e nunca terminaram o jogo. Às vezes, até conselhos com boas intenções podem ser nocivos. Então, é legal conversar com muito dev para não cair nessas armadilhas. Esse é o principal conselho. Mas tenho outros. Tenha metas, inclusive na sua vida. Se você não sabe onde e quando quer chegar, a probabilidade é que você nem se mova. Saiba ouvir. Saiba expressar a sua opinião sem ofender os outros. Faça elogios verdadeiros. Faça primeiro o jogo, depois se preocupe com a parte burocrática, como registrar marca, abrir empresa, etc. A verdade é que a motivação oscila muito e se você gasta com as atividades erradas, há uma chance grande de não chegar ao final do projeto. E para quem quer ter sua própria empresa, planeje seu estúdio, não foque unicamente no seu jogo, porque se ele der errado ou não vender vai acabar tudo. E se ele der certo, as pessoas vão querer recompensas pelo que fizeram e você vai sofrer os mesmos problemas no futuro.
Garota no Controle: A reação dos jogadores e da crítica foi como vocês esperavam?
Leo Batelli: Nós lançamos apenas o Early Access, e o resultado tem sido ótimo até agora. Vários jogadores mandaram mensagem falando que estão muito surpresos e felizes com o jogo. Então, estamos muito otimistas com o futuro lançamento.
Garota no Controle: Sobre mulheres na área de desenvolvimento de jogos, o que você tem a comentar sobre isso?
Leo Batelli: Pessoalmente, eu acredito que as pessoas devem ser avaliadas de acordo com suas habilidades e méritos. O dia que o mundo for justo não teremos necessidade de discutir se alguém é homem, mulher, gay, branco, preto, católico, espírita, etc. São características nossas. Infelizmente, no mundo atual, essas propriedades são utilizadas para aumentar e diminuir o nosso valor, e pautam as relações de poder que temos e, possivelmente, determinam nosso futuro. Isso é muito triste.
Em termos de Bad Minions, a ideia é manter um time por sua capacidade técnica com igualdade de salário para as mesmas posições. Sem discriminação. Hoje, 30% são mulheres. Muitas das que já trabalharam conosco foram para estúdios maiores e se destacam bastante.
A diversidade é a chave do progresso. As maiores empresas e universidades procuram contratar pessoas de todo o mundo, de diferentes origens, porque isso resulta em múltiplos pontos de vista e abordagens, proporcionando melhores resultados.
Eu sou contra certos selos de diversidade, porque sou a favor de tratar pessoas como pessoas e nao como troféus. Não quero que elas sintam que estão em um lugar porque são de uma minoria, mas sim porque são competentes e dedicadas. Mas sei que é uma questão complexa, com muitos pontos de vista.
Em relação à indústria, as mulheres têm maior interesse e mais oportunidades hoje. Mas ainda há um problema cultural, que afasta meninas da área de exatas, e sem a formação adequada, dificilmente uma mulher consegue ingressar como programadora, por exemplo. Por isso, a maioria trabalha em arte. Espero que esse quadro mude em breve.
Eu vejo que os estúdios são extremamente abertos a dar oportunidades às mulheres. A indústria, assim como o mundo, está mudando e evoluindo, mas há muitas denúncias de assédio sexual e de discriminação, especialmente nas grandes empresas internacionais. Mas há um forte crescimento da participação em todos os setores, o que é extremamente benéfico.
Garota no Controle: Que mensagem você gostaria de passar para aqueles que querem desenvolver jogos no Brasil?
Leo Batelli: Não é fácil fazer jogos no Brasil, mas se você tiver paciência e determinação, você vai chegar onde quer. Não deixe ninguém dizer que você não é capaz. Vá em frente, porque é muito gratificante trabalhar com aquilo que gostamos e que desperta sentimentos fortes em tantas pessoas.