| Introdução
Árida: Backland’s Awakening é um jogo de aventura e sobrevivência em regiões áridas do Brasil. A empresa que o desenvolveu é a Aoca Game Lab, um estúdio da Bahia, e o lançamento ocorreu no dia 15 de agosto de 2019 no Microsoft Windows, Linux, Mac OS Classic. Até hoje vem recebendo críticas muito positivas na Steam. No momento esta com 91% de aprovação dos usuários, além disso, recebeu vários prêmios indies:
Essa entrevista foi realizada com o objetivo de criar oportunidade de outras pessoas conhecerem mais sobre esse jogo brasileiro e também para ajudar quem tem como sonho ser desenvolvedor de jogos no Brasil.
Agradeço ao Filipe Pereira por responder nossas perguntas, e com isso permitir que este post fosse realizado.
| Entrevista
Garota no Controle: O que veio primeiro, a mecânica ou temática?
Filipe Pereira: A temática veio primeiro. Antes mesmo da Aoca existir, já havia o conceito de um jogo sobre a história da guerra de Canudos. Com a formação da empresa e do time, as pesquisas foram aprofundadas, e decidimos abraçar o sertão de forma mais ampla. Essa natural contribuição de cada pessoa envolvida fez nascer a franquia ÁRIDA.
Inclusive, antes mesmo de definir o gênero, ainda não sabíamos se o jogo seria 2D ou 3D. Durante a pré-produção, essas decisões criativas foram tomadas aos poucos, e a escolha de fazer um jogo tridimensional soou mais conectada com o nosso desejo de ter narrativa e ambientação como pontos fortes da experiência. A escolha pelo survival veio como uma metáfora, relacionada com a escassez de recursos no sertão durante uma seca. Esse conceito permitia a customização desse tipo de sistema com os elementos regionais do setting.
Garota no Controle: Que jogos inspiraram Árida?
Filipe Pereira: Fomos primeiro para os principais jogos de survival, que nos influenciaram bastante. Depois, focamos mais no The Flame in the Flood, que também mescla essa pegada de ser um survival com bastante influência de narrativa.
Depois, durante a fase de testes, as pessoas que jogavam citavam muito o quanto a experiência lembrava os jogos de aventura do Nintendo 64, em especial a série Zelda. E essa foi uma influência bastante inconsciente para nós, que com a percepção trazida pelos feedbacks foi virando algo mais consciente.
Garota no Controle: Qual o diferencial do jogo Árida?
Filipe Pereira: Acreditamos que o principal diferencial é o setting. Não apenas pelo fato da história e da cultura do sertão ser algo pouco visto na indústria até então, mas também por conta de, conscientemente, a gente focar mais nesses aspectos de narrativa e ambientação.
As mecânicas são de certa forma bem básicas, e a gente sempre tenta colocar mais presença na contação de história, no regionalismo e nos aspectos visuais para ter destaque. Nosso desejo é proporcionar uma experiência derivada de um olhar local, através de uma linguagem internacional. E isso ainda está sendo uma grande jornada de aprendizado para nós, pois a forma como as pessoas de fora do Brasil se conectam tende a ser diferente, e isso é algo que queremos aperfeiçoar nos próximos jogos.
Garota no Controle: Qual o tamanho da equipe de vocês?
Filipe Pereira: Já tivemos algumas mudanças na equipe desde o começo da Aoca, mas a quantidade, na média, é de 5 a 6 pessoas, não mais que isso.
Garota no Controle: Quais as principais dificuldades encontradas para desenvolvimento e para conseguir que o jogo fosse publicado?
Filipe Pereira: A primeira dificuldade foi de ordem técnica. Uma parte do time já tinha uma experiência prévia no setor. Mas a outra metade estava fazendo o primeiro jogo da vida. Fora isso, o ÁRIDA foi o primeiro jogo em 3D de todos nós. Então a parte do criar foi uma grande dificuldade, talvez seja até a maior!
Depois, podemos citar a parte de negócios e o marketing. O ÁRIDA foi também o primeiro jogo comercial de todos. Em uma indústria como essa, não conhecer os detalhes pesa muito. Especialmente no nosso caso, com um conteúdo regional e com raros cases de referência.
Garota no Controle: Quanto tempo o jogo demorou para ser desenvolvido?
Filipe Pereira: Aproximadamente dois anos, dos primeiro conceitos até o lançamento.
Garota no Controle: Pretendem lançar outros jogos?
Filipe Pereira: Sim! O ÁRIDA nasceu para ser uma franquia transmidiática, uma série de jogos que mais adiante estará também em outros suportes que não apenas os games.
No momento estamos desenvolvendo o ÁRIDA: Rise of the Brave, o jogo que continua a história da Cícera, a nossa protagonista. Ainda sem data de lançamento.
Garota no Controle: É possível viver de jogos no Brasil?
Filipe Pereira: Não sabemos se há uma resposta objetiva, pois a ideia do que significa “viver de jogos” é bastante ampla e complexa. Cada pessoa que desenvolve, cada empresa, dentro dos seus recortes e interesses, vivem realidades bastante específicas nessa indústria.
Podemos falar mais por nós, como uma empresa que ainda está no começo de uma jornada baseada nos valores que a gente acredita e nas nossas metas, e até então seguimos fortes no nosso propósito.
Essa jornada vem exigindo muito estudo do mercado e de como nossa visão se comunica com ele. Um esforço diário para entender como transformar essa visão em comunicação, alcance e produtos que o nosso público possa se identificar e se conectar.
Garota no Controle: Qual foi o maior aprendizado que você gostaria de passar para outras pessoas, sobre produzir o próprio jogo?
Filipe Pereira: Ainda estamos com uma indústria bem no início aqui no Brasil, e muitos caminhos são trilhados na base da tentativa e erro, o que é até natural. Mas, infelizmente, nem todas as pessoas possuem a condição e a oportunidade de continuar nessa jornada de aprendizagem por muito tempo, pois a margem de erro não é igual para todo mundo. Fora que, como já foi mencionado, cada jornada é uma jornada.
Com base no que estamos vivendo, acreditamos que é bastante importante fazer análises constantes dos riscos e estudos de planejamento. Tanto no dia a dia do desenvolvimento, nas tarefas, como nas metas e estratégias que vão guiar as escolhas a médio e longo prazo.
Estar em conexão com outros desenvolvedores que compartilham de visões parecidas sobre o desenvolvimento e a indústria também ajuda bastante, pois a troca de informações pode acelerar alguns desses aprendizados.
Garota no Controle: A reação dos jogadores e da crítica foi como vocês esperavam?
Filipe Pereira: Durante a criação, toda essa expectativa foi de muita insegurança. Não dá pra antecipar muita coisa, especialmente sendo o nosso primeiro jogo. Mas, no geral, a recepção dos jogadores e da crítica foi muito positiva.
No Brasil, a primeira camada é a da identificação. O sertão está fortemente presente no ideário nacional, e mesmo para quem não tem nenhuma relação direta com a região Nordeste, há um sentimento de familiaridade. E esse sentimento ainda é algo pouco comum para brasileiros, afinal a grande maioria dos games são de origem e conteúdos estrangeiros, o que torna esse sentimento algo ainda bastante novo.
Entre as pessoas do Nordeste (ou naqueles que possuem alguma relação com o Nordeste), a identificação atinge um outro nível, que possivelmente se conecta com a memória afetiva. Recebemos muitos feedbacks de pessoas que se emocionam lembrando das origens, lembrando de parentes e histórias pessoais. E é claro que isso nos emociona muito também!
Fora do país, a conexão é feita muitas vezes pelo fato do jogo soar como algo autêntico, algo novo. Mesmo que ele contenha alguns elementos visuais semelhantes a outros contextos, como os desertos de outros países, por exemplo. Ainda assim há uma sensação de que tem um tempero novo ali, que eles ainda não conhecem. E aí alguns se sentem motivados a experimentar.
Garota no Controle: Sobre mulheres na área de desenvolvimento de jogos, o que você tem a comentar sobre isso?
Filipe Pereira: Já é sabido que a presença de mulheres na tecnologia carece de muito mais representatividade, infelizmente. E alterar esse panorama é uma responsabilidade de geral, principalmente das empresas.
A diversidade em múltiplas questões é algo muito valorizado na Aoca desde o começo de tudo, não apenas na equipe, como na forma que criamos os conteúdos para os jogos. Entendemos que a diversidade é necessária não apenas por uma questão de princípios e valores, mas também por uma questão criativa e artística, pois quanto mais vozes diversas temos nessa indústria, mais conteúdos fora do padrão teremos.
No nosso primeiro jogo, o ARIDA: Backland’s Awakening, tivemos a honra de contar com a Laiza Camurugy (que agora trabalha numa empresa de jogos na Alemanha) como programadora, o que não é muito comum. Com a saída dela, ainda estamos falhando nesse aspecto, mas esperando corrigir essa isso ainda esse ano, com a integração de mais mulheres no time.
Garota no Controle: Que mensagem você gostaria de passar para aqueles que querem desenvolver jogos no Brasil?
Filipe Pereira: Como mencionado, acreditamos que é bem importante se conectar com uma rede de desenvolvedores que compartilhe de visões e interesses, isso faz muita diferença! E também entender qual o objetivo da jornada. Qual expectativa que se tem e os recursos (não apenas os financeiros) disponíveis, para daí pensar nas estratégias. Por fim, nos colocamos disponíveis para trocar ideias e experiências, compartilhar informação, dar feedbacks e etc. Basta nos procurar nas nossas redes! Muitas pessoas foram e são importantes na jornada da Aoca, e a gente não perde a oportunidade de continuar alimentando a rede.