| Introdução
Spiritfarer, lançado no dia 18 de agosto de 2020 para PC, PS4, XBox One e Switch, é um jogo de gerenciamento bem diferente do normal. Esta análise foi realizada com uma cópia do jogo para PC, via Steam, cedida pela Thunder Lotus Games.
Em primeiro lugar, você estará gerenciando um navio que viaja o mundo, equipado com uma fazenda completa, contando com plantações de frutas e verduras, uma cozinha para combinar ingredientes e descobrir receitas, uma forja para criar itens a partir de metais, animais como ovelhas, vacas e galinhas. Em segundo lugar, você levará passageiros nesse navio e deve cuidar deles.

O curioso desses passageiros, é que eles são espíritos de pessoas falecidas, que você deve guiar para o além-vida, pois este é o seu principal trabalho como a nova Barqueira das Almas.
| Jogabilidade
Neste jogo, controlamos Stella, uma garota que acabou de receber a tarefa de se tornar a nova barqueira dos espíritos, função esta que lhe é dada por Caronte, o barqueiro da mitologia grega que guiava os espíritos dos mortos pelo rio Estige em direção ao além, e que agora está fazendo a própria passagem, deixando seu trabalho para Stella. Para cumprir esta tarefa, ela recebe um navio que usará para singrar os mares desse mundo, em busca dos espíritos que devem ser guiados.
Este navio irá servir como nossa base de operações, que devemos equipar com diversas construções para criar alimentos e materiais para evoluir no jogo. Ele funciona como sua fazenda, em outros jogos de gerenciamento, como Stardew Valley, onde podemos construir pomares, para plantar árvores frutíferas. Hortas e roçado, para plantar legumes e grãos.
A cozinha para testar receitas, currais e galinheiros, para conseguir leite e ovos. Além de também construir moinho, forja, serralherias, tudo para ajudar a evoluir seu navio.
Cada uma dessas construções têm uma forma diferente de se usar. Na forja, é preciso regular a temperatura para que o metal seja produzido, sem deixar que ela esfrie ou aqueça demais.
Na serralheria, é preciso cortar as toras de madeira na marcação correta para conseguir tábuas. Para as plantas, é preciso regá-las todo dia, e ainda é possível tocar uma música com seu violão, ao estilo Guitar Hero, para que elas cresçam mais rápido. Todo esse equipamento serve para cuidar de seus passageiros, os espíritos.

| Navegar é preciso
O melhor uso para um belo navio, é navegar. O mundo de Spiritfarer consiste de um grande oceano, com diversas ilhas que podem ser exploradas. Algumas ilhas têm apenas recursos, como madeira, minério e sementes.
Outras contêm cidades, com prédios e moradores e espíritos que vivem nesse mundo. Dentre esses espíritos, encontraremos os nossos passageiros, que devemos convencer a se juntar à tripulação.
Existem certas áreas do mar que contêm eventos para conseguir materiais especiais. Entrando nessas áreas, é apresentada uma opção para iniciar um mini-game, em que você tem poucos minutos para coletar o máximo desses materiais, que incluem raios na garrafa, em que você deve ser atingido por um raio durante uma tempestade, pedaços de cometa que devem ser pegos enquanto estrelas cadentes caem do céu atingindo o seu navio, e mais alguns outros.

Há muitos tesouros escondidos pelo mar, que você pode encontrar na exploração, com certa sorte, ou adquirindo mapas de tesouro com as coordenadas exatas. Esses mapas vêm em garrafas que você pode acabar pescando, ou ganhando como recompensa de alguma tarefa concluída para algum personagem.
Durante essas explorações, você conseguirá Centelhas, a moeda do jogo, que pode ser usada para comprar materiais e sementes para usar no seu navio, ou para utilizar no estaleiro do tubarão Albert, um marinheiro que adora contar piadas com trocadilhos ruins, que lhe oferece diversas melhorias para o navio, como aumentar o tamanho, acrescentar opções de construção, e reforçar a calha para atravessar mares mais bravios.
| Os Espíritos

Construir tudo isso no navio serve para um objetivo maior, devemos cuidar para que os espíritos estejam bem alimentados, satisfeitos com uma casa, e cuidar de seu humor dando muitos abraços, para que eles possam fazer a passagem para o além. Cada espírito que se junta à tripulação tem uma personalidade e uma história própria.
Sua personalidade reflete no tipo de alimento que cada um gosta. A Cobra, Summer, é uma pessoa com grande contato com a natureza, e se recusa a consumir carne. A Leoa, Astrid, se considera uma pessoa de gostos simples e não come nada muito sofisticado.
Já o sapo, Tio Atul, adora comer e não negará nada que você oferecer. Falando em Tio Atul, logo o jogo revela que os espíritos que você levará no navio têm alguma ligação com a Stella. Resta você cuidar deles e conversar para descobrir essa ligação.

| Arte
A arte de Spiritfarer é linda, com traços cartunescos, e uma animação com movimentos extremamente fluídos, especialmente da personagem principal, a Stella. Este é um mundo vibrante e cheio de cores, tanto nos personagens de diferentes estilos, quando em seu mar azul e límpido, passando pelo seu pôr-do-sol carmesim e suas noites estreladas.
Suas ilhas são belas de se explorar, com diferentes ambientes e uma flora diversa. Temos até ilhas com temática japonesa para os que se apaixonaram por Ghost of Tsushima como eu. Um de meus cenários favoritos, porém, está na área de estrelas cadentes. É incrível observá-las caindo no navio, cada uma de uma cor diferente.
Estrelas amarelas, azuis, verdes, vermelhas e rosa, caindo a sua volta, é uma bela imagem. Os espíritos são animais antropomórficos que transbordam carisma. Gwen é uma gazela elegante, Gustav é uma coruja artista e pomposa, enquanto Mickey é um touro grande e caladão, que é inseparável de seu irmão Bruce, um beija-flor tagarela e marrento.

| Música
A trilha sonora desse jogo é linda. Durante o gameplay normal temos uma música bastante calma e relaxante, que se torna mais agitada durante os eventos especiais no mar. Cada espírito recebe um tema que toca enquanto conversamos, que varia com a personalidade de cada um.
Com Buck, por exemplo, um espírito viciado em Dungeons & Dragons, que te leva em uma grande campanha como GameMaster, tem uma música épica no melhor estilo Senhor dos Anéis. Essa trilha sonora brilha mesmo nos momentos mais emotivos, dos quais teremos muitos ao longo de suas 30 horas de gameplay.
| Inovação
Conforme os dias passam, você acaba desenvolvendo uma rotina, de cuidar das suas plantações, preparar os pratos, e alimentar e conversar com seus amigos espíritos, para então partir explorar e realizar as tarefas dadas por cada um.
Todos eles precisam que você realize uma série de missões, que têm ligação com suas vidas passadas, e são uma forma de aceitação para o que vêm depois. Pois, depois de passar tantos dias convivendo com eles, compartilhando histórias, abraços e cuidados, inevitavelmente chega o momento da despedida, e é aqui, nessa área, que o jogo inova, passando de um bom game de gerenciamento para um dos jogos mais tocantes e sensíveis que eu já vi.
Spiritfarer trata de temas muito mais profundos do que sua arte fofinha passa a impressão, e é assim que ele se destaca de outros jogos do gênero. Muito mais do que cuidar de um navio, você está cuidando de pessoas em seus momentos finais, e isso adiciona uma dose de sensibilidade e emoção que raramente é vista em jogos desse tipo, ou em jogos em geral.
Com o passar do tempo, você acaba até esquecendo o propósito de toda essa aventura. Por trás da arte fofa e o gerenciamento do seu navio, a temática principal do jogo revolve em torno da morte, e aceitação de que tudo tem um fim.
Ao realizar as tarefas necessárias, e ajudar os espíritos a abraçar o seu destino, devemos acompanhá-los até a Porta Eterna, a mesma por qual Caronte atravessou no início do jogo. Essa Porta é a passagem para o verdadeiro além, pois o mar que singramos representa apenas um estágio intermediário.

| A Porta Eterna e a morte
Estamos mais que acostumados a lidar com a morte em video-games, seja matando inimigos ou morrendo, mas este é algo que raramente carrega algum peso maior do que te atrasar alguns segundos, não passando de uma pequena irritação. Quando ela não é ignorada, geralmente é tratada como um acontecimento dramático e grandioso.
Spiritfarer decide seguir por um caminho um pouco diferente, mais maduro eu diria. Os personagens que você encontra já morreram, não há mais nada que possamos fazer para salvá-los, ou reverter esse destino, nenhuma aventura épica de proporções titânicas para revivê-los. Nossa ajuda serve para tornar sua jornada mais leve, para eles aceitarem que devem seguir viagem.
Cada um tem uma forma diferente de encarar isso. Alguns já aceitaram e querem apenas resolver algumas pendências antes de partir, outros têm medo e devem ser convencidos de alguma forma. No final, todos te acompanham à porta Eterna.

Há poucas cenas nesse tipo de mídia, tão emocionantes quanto este caminho. Apenas Stella e o espírito em uma pequena canoa, remando por entre árvores de folhas brancas, em direção à Porta.
Há uma pequena conversa final, em que o espírito se abre uma última vez e se despede. Alguns citam alguma mágoa que ainda não conseguiram se livrar completamente, outros algum arrependimento, alguns até falam sobre como estão até ansiosos pela travessia. No final, resta apenas um último abraço, e assistir a sua partida.
Difícil não se emocionar, pois é como se estivessemos nos despedindo de algum conhecido. Depois de passar tantas horas cuidando deles, ouvindo suas histórias, e tentando descobrir sua comida favorita, é quase impossível não brotar aquela pequena lágrima no canto dos olhos ao se despedir deles.
Spiritfarer é um jogo que trata a morte de uma forma extremamente sensível, e apesar de ser este o foco, também toca no que deixamos para trás em vida. Sobre o que deixaremos de legado na forma de nosso trabalho e nossos feitos. De como tocamos e mudamos a vida daqueles com quem nos relacionamos, e como seremos lembrados.
Cada personagem apresenta uma mistura disso, com alguns deixando uma família amorosa, outro deixando seu trabalho no mundo das artes. Alguns deixam coisas ruins, mas todos passam a reflexão sobre como levamos a nossa vida, e sobre o que deixaremos para trás quando partir.
| Conclusão
Spiritfarer é aquele jogo que vai fazer seu coração ficar quentinho, vai gerar reflexão e ao final você vai sair dele uma pessoa diferente da qual iniciou. Este com certeza é um dos melhores jogos de impacto do ano de 2020, ele consegue ser sutil para tocar em um ponto difícil para todos nós, a morte.