| Introdução

| Os personagens
A história acompanha dois irmãos gêmeos, Alyson e Tyler Ronan, que estão se reencontrando depois de 10 anos separados. Essa separação se deu por conta de uma tragédia que ocorreu quando os dois ainda eram crianças, e que levou à morte de sua mãe. Tyler teve que se mudar para um centro de detenção juvenil, enquanto Alyson continuou na cidade natal de Delos Crossing, no Alaska, morando com um amigo da família, o delegado Eddy. Este reencontro é carregado de lembranças e redescobertas entre esses dois irmãos.
Uma década é muito tempo, o suficiente para as pessoas mudarem completamente, o que é ainda mais verdade no caso de Tyler, que é um homem trans. Os dois se reencontram para tentarem vender a casa da família, que esteve vazia desde a morte de sua mãe, com intuito de tentar abandonar os traumas do passado, e ter um futuro mais livre.
Tell Me Why usa a transexualidade de Tyler para levantar discussões sobre gênero, mas este está longe de ser o tema principal da história. Este é um assunto abordado com muito mais leveza, e sob uma ótica muita mais positiva, do que normalmente se vê na mídia. No decorrer da história, Tyler encontrará com antigos amigos de sua mãe, que lembravam dele como Ollie Ronan, filha de Mary-Ann.
A caracterização dada ao personagem é eficiente em nos colocar em seu lugar, e em como ele está desconfortável em reencontrar essas pessoas, e o medo da reação delas. Felizmente, todos são compreensíveis e tentam se adaptar à nova identidade de Tyler, alguns com mais sucesso que outros.
Em uma conversa com Sam, um homem que esteve muito presente em sua infância, ele comenta “Você até parece um homem de verdade”. O interessante é que essa frase, que pareceu inocente para Sam, me incomodou antes mesmo de Tyler comentar “Eu sou um homem, não pareço um”. Por isso digo que a narrativa é eficiente em nos colocar em seu papel.
Já Alyson passou todo esse tempo na mesma cidade, tendo que lidar com a fama de ser a filha da mulher morta. Sendo uma cidade pequena, as fofocas sobre o caso se espalharam rápido, o que afetou bastante a vida dela, e a levou a ter problemas com ansiedade e ataques de pânico. A venda da casa, o reencontro com o irmão, e a possibilidade de se mudar de cidade, é a oportunidade que ela esperava de pôr tudo isso para trás e pensar apenas no futuro.
Sendo uma história da Dontnod, não poderia faltar um elemento sobrenatural na história. Os dois irmãos compartilham de uma voz interna, uma espécie de telepatia, que eles usam para conversar secretamente, ou a longas distâncias.
Tal voz estava perdida durante a sua separação, mas eles a redescobrem quando visitam a casa, uma cabana muito bonita e aconchegante à beira de um lago, com vista para montanhas cobertas de neve, e cercada por uma floresta de pinheiros. O cenário idílico, no entanto, não é o suficiente para apagar as memórias de sua infância e da tragédia que aconteceu com sua mãe. E é aqui que mora o mistério central, e a problemática central que guia a narrativa.
| Escolhendo o Passado
Precisarei tratar de alguns spoilers sobre o começo da história. Um dos objetivos centrais da história é tentar discutir como acontecimentos do passado podem afetar nosso futuro, e como nossa memória pode não ser tão confiável quanto acreditamos. Ambos lembram de sua mãe como uma pessoa emocionalmente instável, e conversas com os conhecidos dela corroboram essa versão, mas conforme eles relembram o passado, começam a perceber que não era tão simples assim.
E relembrar do passado também faz parte do poder que eles descobrem ao entrar na casa. Eles começam a ver, literalmente, fantasmas do passado, breves fragmentos de memória que eles podem reviver. Em alguns momentos, Tyler e Alyson se lembram de coisas diferentes sobre um mesmo acontecimento, e essas lembranças fazem parte das decisões mais importantes do jogo, e que afetam a narrativa.
Diferente do Life is Strange, onde a personagem deve realizar escolhas no presente que afetarão o restante da história, em Tell Me Why os personagens deverão realizar escolher sobre o que ocorreu no passado, e que vão afetar o presente. Por exemplo, em um certo ponto da trama, ambos se lembram de terem visto sua mãe discutindo com o delegado Eddy, porém, Alyson se lembra dela ter ficado triste e chorado, enquanto Tyler afirma com toda certeza que sua mãe estava gritando e xingando. Cabe a você decidir qual lembrança é a verdadeira.
| Muitos quebra-cabeças

| Mundo pitoresco
A arte de Tell Me Why tem um belo balanço entre o realista e o artístico. O design dos personagens tem um traço levemente cartunesco, e mais artístico, o que em minha opinião, faz os gráficos do jogo serem mais duradouros, e não será estranho de revê-lo em alguns anos, quando a tecnologia melhorar, o que invariavelmente ocorre com gráficos que tentam ser ultra-realistas. Só rever o que era considerado tecnologia de ponta na era do PS3/Xbox 360.
Agora os cenários são de um detalhamento assombroso. Todas as casas e cômodos estão abarrotados de detalhes, com objetos pessoais, decorações, e até coisas que não fazem muita diferença, mas estão lá, como manchas no tapete, arranhões na parede. Cada cantinho desse mundo foi tratado com muito cuidado.
Não há muitas áreas a se visitar, mas há muita coisa para se ver. A música ajuda muito na ambientação, e em dar o tom das partes mais emocionantes, mas senti falta de alguma temática mais marcante. Não percebi nem se o jogo tem uma música tema principal.
| Bom até o final
Tell Me Why faz um ótimo trabalho em te fazer se importar com os personagens e seus dramas. Ver esses dois irmãos se reencontrando e se redescobrindo é interessante, mas o mistério central, com eles tentando desvendar o que realmente aconteceu no seu passado, é algo mais empolgante quando ainda era um mistério.
O ritmo com que os personagens descobrem as coisas entre cada episódio é bem descompassado. O primeiro episódio é melhor dos três, pois estamos aprendendo sobre essas pessoas, sobre seu passado, e somos apresentados ao mistério central. Este primeiro episódio é também o que tem o maior volume de descobertas, e é quando eles aprendem que suas lembranças podem estar erradas.
Porém, a partir daí, o ritmo cai, e descobrimos muito pouco até a última meia hora de jogo, quando tudo é revelado de uma vez. Começando o terceiro episódio, havia tantas pontas soltas para amarrar, que tive a sensação de estar começando o episódio três de uma série com cinco episódios, não que aquele seria o último.
As decisões tomadas no decorrer da história também não pareciam carregar nenhum peso. No caso das lembranças, não senti que escolher a lembrança “Errada” levaria a alguma consequência ruim, e as decisões que envolviam os outros personagens da trama também não davam a entender que teriam consequências duradouras.
Até pela situação que os gêmeos se encontram, de estarem vendendo a casa para se mudar para outra cidade distante e deixar o passado para trás, indica que o que acontecesse ali não afetaria eles, especialmente para o Tyler, que não vê essas pessoas a 10 anos, então são basicamente estranhos para ele.
Por fim, talvez eu esteja vendo a história por um ponto de vista errado. O objetivo não é exatamente desvendar algum grande mistério, como um romance policial, ou evitar uma catástrofe que custará a vida de milhares de pessoas, como no primeiro Life is Strange.
A história e as descobertas são de caráter muito mais íntimo, e os personagens vão atrás da verdade, não por vingança, redenção, ou algum motivo mais cinematográfico, mas eles estão em busca de entender mais sobre si mesmos e sobre sua mãe. A catarse e a libertação que essas descobertas trazem é o objetivo final de suas ações.
| Conclusão
O jogo prende e consegue te mostrar como é estar na pele de uma pessoa transsexual, entretanto a narrativa acaba por ter uma queda de qualidade no decorrer dos capítulos o que faz com que perca um pouco o brilho no final.