| Paratopic é um jogo assustador
Paratopic não é um jogo assustador como, digamos, um monstro que pula da sua cama é assustador. Paratopic é assustador como a ideia de envelhecer pode ser assustadora. Ou a ideia de uma lenta (mas acelerante) crise ecológica. Ou da crescente neo-liberalização de todos os setores da vida. Paratopic é assustador como olhar para o futuro em 2020 é assustador: seja lá o que vem no horizonte, não parece ser bom. Não parece que as coisas vão melhorar antes de piorarem muito.
Não é bem claro quem é o protagonista de Paratopic. Não é nem mesmo claro quantos protagonistas Paratopic tem, mas parece ser de comum acordo entre as experiências dos jogadores que são três: um contrabandista de fitas VHS ilegais, um assassino em uma lanchonete e um caminhante com uma câmera fotográfica e uma apreciação por pássaros.
Paratopic usa jumpcuts para transicionar livremente entre os três arcos sem nenhuma indicação óbvia de qual arco se trata. Na verdade, muitas vezes a intenção do design parece ser de ativamente confundir o jogador através de escolhas de cenários, locais, falas e objetos propositalmente ambíguos. Assim, o jogo age mais como uma concha de retalhos de memórias e vivências do que uma história em sentido linear.
| Ambientação que causa desconforto
A ambientação é propositalmente decadente. Em geral, – com exceção da natureza – tudo ao seu redor tem uma estética opaca, amarelada. Você habita a conveniência de um posto à noite (todo mundo sabe que conveniência de posto à noite é um local de extrema decadência). Você habita um condomínio de kitnets com buracos na parede do banheiro, pessoas fumando no corredor e talvez o elevador mais lento de toda a história dos jogos. E você dirige.
Nossa, você dirige. Você dirige bastante. Não é grande parte do jogo, mas o uso estratégico do corte para o segmento em que você está dirigindo faz parecer que você está dirigindo muito. Às vezes você está lá nesse hellscape neoliberal fazendo qualquer coisa e blam, você está dirigindo. Dirigindo por uma rodovia, eternamente cercado por um mar interminável de prédios monolíticos e amarelados. Ou por uma inter-estadual no interior noite à dentro, sua única companhia sendo as ocasionais construções abandonadas, as esporádicas bombas de petróleo sugando a mãe natureza até a última gota de leite negro e… o rádio.
O rádio balbucia algo que parece inglês para alguém que não fala a língua, mas não é inglês. É como se você não estivesse prestando bem atenção no que está sendo dito. É o mesmo “inglês” que todos os personagens do jogo falam. Passa a impressão como se todo o jogo fosse uma memória muito opaca e fosse impossível lembrar o que estava sendo dito com clareza nos momentos que Paratopic impõe.
Todos esses elementos – e muitos outros – são decisões estilísticas deliberadas que criam uma unidade de melancolia e estranhamento. O fato dele ter apenas uma hora de duração é pertinente em relação à confusão que o pulo entre segmentos cria para quem quer compreender a história geral, de forma que jogar Paratopic mais de uma vez é essencial para começar a entender o que está acontecendo. Talvez você preste atenção para a janela ao seu lado no segmento da lanchonete e perceba que tem uma carcaça humana no meio da rua sendo consumida por um corvo.
Talvez a moça viciada nas fitas VHS te convença a dar para ela uma das fitas de graça e você veja o que acontece com quem as assiste. Talvez você dê um jeito de abrir a porta trancada na cabana que o fotógrafo de pássaros encontra na floresta. Essas coisas – e muitas outras – estão lá, mas o jogo não está preocupado se você verá todas elas ou não, pois ele não as esfrega na sua cara. Estão lá, porque é um mundo independente, e você pode experienciar essas coisas ou não.
Você pode estar se perguntando se esse jogo tem algum segmento ‘realmente’ assustador. Tem, e eu não quero entrar em detalhes, mas pode confiar: tem algo de muito errado no mundo de Paratopic. Algo maligno, algo vil e além da nossa compreensão. E tem algo a ver com as fitas VHS. Porque elas são ilegais? O que acontece quando você as assiste?
Porque o assassino mata o dono da lanchonete cujo escritório é cheio dessas fitas? Qual a origem da instalação abandonada que o fotógrafo de depara na floresta? Porque o objeto que estava no banco do passageiro do carro literalmente some quando você para de olhar para ele? Não são perguntas que eu quero responder. Não são perguntas que eu possa responder. Mas você pode tentar. Apenas… não assista às fitas.
Paratopic é uma das melhores experiências interativas independentes dos últimos anos e está disponível por apenas 12 reais na Steam.