Introdução
Este é um artigo que pretendo que se torne frequente no site. Como o nosso principal objetivo é fazer um site para todos, queremos que todas as pessoas consigam jogar e se divertir, sem frustrações. Hoje, traremos o relato de Allan Lemos para mostrar como a acessibilidade é importante. Acredito que por meio dessas informações poderemos ser jogadores e desenvolvedores melhores. O site Garota no Controle vai usar esse quadro como uma forma de futuramente tentar avaliar também as questões de acessibilidade em nossas análises. Além disso, pretendemos por meio dessa experiência, orientar desenvolvedores indies brasileiros, para que possam pensar nessa questão, e assim ter o maior público possível.
Sempre que possível entrevistaremos jogadores que precisam do uso de acessibilidade, para entender a necessidade e ajudar a conscientizar o público. Após ler a entrevista, caso você queira entrar em contato com o Allan, visite o seu perfil no Instagram.
Entrevista
Garota no Controle: Qual o seu tipo de deficiência? Como a deficiência prejudica ao jogar?
Allan Lemos: Meu tipo de deficiência é hemiparesia cerebral, atrofiamento dos membros (superior e inferior) decorrente uma lesão no cérebro, no meu caso afeta o lado direito do corpo. Essa deficiência limita certos movimentos que são executadas com maior dificuldade, por exemplo, os chamados movimentos finos que requerer habilidade como tocar a ponta dos dedos, estender o punho e braço, girá-los entre outras tarefas de maior precisão.
Dependendo de determinada tarefa que o jogo propõe, principalmente aqueles de movimentos rápidos ou necessita utilizar vários recursos do joystick ao mesmo tempo, tornando a jogabilidade mais complexa pode sim prejudicar uma vez por conta da limitação motora.
Garota no Controle: Quais tipos de acessibilidade te ajuda em jogos?
Allan Lemos: No meu caso, quando necessário, opto por configurações de controle onde eu possa configurar para deixar mais confortável realizar as ações. Quando não se é dada essa opção, o controle sendo mais travado, passar mais que uma quantidade de tempo torna-se desconfortável e fadigativo. No exemplo da hemiparesia movimentos desconfortáveis contínuos podem até agravar o atrofiamento dos membros uma vez que a tendência desse estado é a rigidez dos músculos que se inclinam a “encolher”.
Garota no Controle: Qual o seu jogo favorito? Ele tem algum tipo de acessibilidade?
Allan Lemos: Na geração passada eu joguei bastante o Mortal Kombat 11, talvez seja meu jogo preferido, mas tenho outras preferências também, nele existe sim opções de acessibilidade que permite algumas configurações no sistema de auditivo, visual e alteração do controle. Como jogos de luta você precisa ter agilidade nos comandos, principalmente quando se joga contra outro jogador, acho as escolhas de personalização boas.
Garota no Controle: Qual jogo você deixou de jogar por não ter acessibilidade?
Allan Lemos: Deixar de jogar algo por conta da acessibilidade ainda não fiz, procuro sempre conhecer o máximo de jogos que chamem minha atenção. Agora um tipo que tenho evitado jogar são os de gênero simulador de corrida como Gran Turismo ou F1, esses eu sinto dificuldade nos controles. Meu último contato foi ainda na geração do PS3 e de lá até agora prefiro evitar títulos do tipo, entretanto, não quer dizer que não goste de jogos de corrida, outro jogo que joguei bastante na geração do PS4 foi o Horizon Chase Turbo por achar a configuração dos comandos mais confortáveis.
Garota no Controle: Já sofreu preconceito por ter de alterar o jogo para algum tipo de acessibilidade?
Allan Lemos: Preconceito propriamente dito, não. Até por conta que uso o console mais em casa e não tenho costume de jogar online, com raras exceções. Mas, é algo que dá para notar que ainda existe uma barreira quando se lê alguma matéria sobre o assunto em algum portal, por exemplo. Comentários como “joga quem quer…”, “se não consegue vai fazer outra coisa…”, “isso é MIMIMI…” estão espalhados por aí aos montes.
As pessoas têm a falsa impressão de que acessibilidade é tornar o jogo mais fácil, entretanto, não é isso. Acessibilidade não é dificuldade, são situações distintas. É dar ferramentas para indivíduos com limitações físicas possam ter uma melhor experiência seja ajustando mais detalhadamente configurações de controle, auditiva, visual entre outras para que consiga oferecer em cada situação uma experiência balanceada para aquela pessoa. Logo, isso não resume apenas em alterar a dificuldade.
Cada caso é um caso então quando mais opções de configurações seguem sendo melhor para abranger a maior quantidade de pessoas que talvez goste de um estilo, mas devido pouca ou até nenhuma escolha de configuração vira mais um empecilho para pessoas com necessidades especiais. Então, oferecer acessibilidade e torná-lo inclusivo não necessariamente vá estragar um jogo e sim dar oportunidade para mais pessoas possam vivenciar aquele título e ser desafiado dentro das suas possibilidades.
Garota no Controle: Qual empresa de jogos mais se preocupa em acessibilidade para você?
Allan Lemos: Dos jogos últimos jogos que pude conferir a configuração de acessibilidade a que chamou atenção foi a Naughty Dog como, por exemplo, a seção que existe em The Last of Us Parte II. Talvez seja, até agora, o jogo com a maior variedade nesse sentido. Claro, não dou certeza até por conta que existem outros jogos mais recentes que ainda não tive a oportunidade de jogar e quem sabe tenha outros com uma variedade tão extensa quanto ou até mesmo superior. Mas, notei que em outros títulos da empresa na geração do PS4 possuem esse quesito como Uncharted 4 e Uncharted: The Lost Legacy. Em cada novo jogo deles percebi aprofundamento nessa questão.
Outros títulos que joguei ou estou jogando recentemente também pude observar a opção de acessibilidade como Judgment, Mafia Defintive Edition, Ghost of Tsushima e The Dark Pictures Anthology: Little Hope. Alguns com opções mais refinadas e outros nem tanto, entretanto, acho válido que essa questão passe a ganhar mais espaço na indústria dos games e nos mais diferentes segmentos de jogos até porque cada pessoa com deficiência ou não tenha as suas preferências.
Garota no Controle: Tem alguma empresa que você nem olha os jogos mais por não dar suporte a acessibilidade?
Allan Lemos: Dos estúdios que já tive oportunidade conhecer através de algum jogo não teve nenhum, pelo menos até hoje, que deixei de comprar por causa disso. Noto um cuidado maior por parte das empresas nesse quesito, claro, não sei se todas adotaram esse comprometimento. Mas, daquelas que eu vi recentemente notei algum tipo de esforço para dar oportunidades ao jogador seja pela sua deficiência ou condição.
Algumas empresas conseguem trabalhar melhor isso do que outras, entretanto, penso ser positivo por ao menos estar olhando esse aspecto. Por exemplo, na geração do PS3 não me recordo de ter visto muita coisa nesse sentido, talvez tivesse e não notei, quem sabe, mas também não me lembro de ter reparado isso nos jogos do começo da geração do PS4. Agora consigo identificar com mais facilidade a questão da acessibilidade e torço muito para que se torne algo comum a todos os estúdios seja eles grandes, médios ou pequenos.
Garota no Controle: Os jogos indies costumam atender nas necessidades de usabilidade que você precisa?
Allan Lemos: Olha, para ser sincero são poucos jogos indies que costumo jogar. Possuo alguns em minha coleção como 36 Fragments of Midnight, Sound Shapes, The Unifished Swan, The Bridge, Tennis in the Face, Pier Solar and the Great Architects, Limbo entre mais alguns e nunca observei uma seção de acessibilidade para eles. Quando joguei os controles oferecidos eram suficientes para minha imersão. Mas, cada caso é um caso talvez uma pessoa com deficiência visual, auditiva ou motora mais agravante precise de uma atenção mais detalhada nesses títulos.
Garota no Controle: Você participa de alguma comunidade que incentiva o melhor desenvolvimento de acessibilidade para jogos?
Allan Lemos: No momento não. Mas, acompanho o site Dangersystem que é um portal voltado para debater a acessibilidade nos jogos. O conteúdo é produzido por pessoas com algum tipo de deficiência e como isso pode ser complicado para quem necessite de alguma atenção especial. Acho sempre importante observar atentamente esse tipo de assunto até para conscientizar outras pessoas sobre a acessibilidade nos jogos. Por quê assim podem ver como uma tarefa que julguem simples para uns para outros pode ser tortuoso.
Garota no Controle: Que mensagem você gostaria de passar para as pessoas que lutam por um mundo onde todo mundo possa se divertir e ter acesso a jogos?
Allan Lemos: A mensagem que deixo é que as pessoas possam compreender melhor o assunto. Entender que não é questão de preguiça, acomodação ou qualquer coisa do tipo, é questão de saúde e bem-estar. Oferecer uma boa paleta de configurações que auxilie o jogador com deficiência não vai prejudicar a experiência de ninguém, na verdade é o contrário, vai possibilitar que aquele indivíduo com suas limitações físicas possam usufruir de um jogo como os demais que não necessitem desses recursos. A acessibilidade é para ajudar aqueles que precisam de uma atenção mais direcionada, ninguém é obrigado a utilizar desses recursos caso não necessite, é um trabalho de inclusão.