Houve um dia em que 720p era sinônimo de “futuro”.
Tudo, um dia, irá envelhecer. As roupas que você usa, o aparelho que está usando e até mesmo você, linda pessoa lendo esse texto, vão, no futuro, inevitavelmente, envelhecer. Não há motivo algum para ser diferente com os jogos.
Houve uma época, não muito tempo atrás, que um jogo alcançar 720p (HD) ou, caso os astros se alinhassem, 1080p (Full HD) era motivo de chamar a família e/ou amigos para testemunharem uma qualidade sem par.
Atualmente, a grande mente coletiva que é a internet considera como padrão os “lendários” 4k (Ultra HD) com uma taxa de 120 quadros por segundo (depois iremos traduzir isso). Pode ficar tranquila, um dia também consideraremos isso como ultrapassado.
O ponto onde quero é chegar é o fato de que jogos irão envelhecer, tecnologicamente falando. Alguns mais do que outros.
Vamos à trilogia clássica de Resident Evil, cujos cenários apresentam tanto esmero e maestria na sua criação que marcam sua mente como fotografias. O fato de que são, essencialmente, fotografias, também ajuda.
Com exceção daquilo que o jogador pode diretamente interagir, tudo na franquia clássica é pré-renderizado, ou seja, é uma foto. Uma foto com o personagem, itens e inimigos colocados por cima.
O resultado era um cenário mais realista e convincente do que o console poderia produzir, sem contar que era objetivamente charmoso. O problema é que no instante em que jogar em uma resolução maior do que a imaginada originalmente, o cenário antes realista e atmosférico fica esticado e borrado, não muito diferente de uma foto vista em uma resolução que não deveria.
O tempo não é justo com a tecnologia e, infelizmente, videogames são um ramo das artes que mais depende dela.
Vivemos em uma época na qual a retrocompatibilidade, a capacidade de jogar jogos antigos em um console mais avançado, faz-se presente em todas as plataformas atuais, não de maneira ideal ou homogênea, mas está lá de alguma forma.
Então a questão agora é como produzir jogos de uma maneira que possam, sendo jogados em um console novo ou no original, mas tempos depois, mantenham, diante do passar do tempo, o mesmo “prazer de jogar” e a “qualidade visual”?
Em outras palavras, como fazer que sejam, na medida do possível, à prova do futuro?

Tecnologia envelhece, mas o ato de jogar, nem tanto.
Vamos conversar inicialmente sobre o que significa manter “o prazer de jogar” e, para isso, vamos ter que conversar sobre o que é uma taxa de quadros, representada pela sigla fps, do inglês Frames Per Second.
A taxa de fps significa, resumidamente, o quão fluído e com melhor tempo de resposta um jogo irá rodar. Existem, na atualidade, três taxas de quadros principais: 30, 60 e 120.
Qualquer número menor que 30 se traduz em uma experiência visivelmente “truncada” e desacelerada, com visíveis cortes no desempenho. Não quer dizer, de forma alguma, que um jogo com 30 quadros ou um pouco menos é impossível de ser proveitoso. A mente humana é capaz de grandes feitos, inclusive suportar um desempenho desagradável em nome de seu jogo favorito.
Agora, enquanto 30 é algo aceitável, 60 é ideal. Com tal taxa, um jogo reage de forma desejável, transmite uma fluidez mais natural e, vendo o quão mais orgânicas ficam as animações, parece mais bonito. Na verdade, com o poder de processamento da atual geração de consoles (PS5 e Xbox Series), o padrão de performance difundido na indústria está gradativamente se tornando os 60 fps.
E, agora, você é uma pessoa entendida do assunto de taxa de quadros e está pronta para debater fervorosamente em discussões na internet sobre qual console roda melhor, as quais sempre culminam ofensas absurdamente pesadas. Do jeito que deve ser.
Contudo, engana-se quem pensa que tal busca por performance é algo da atualidade.
O impecável Metal Gear Solid 2, lançado para Playstation 2 em 2001, roda com a taxa de quadros ideal, o que significa que, caso deseje jogar esse clássico jogo em sua plataforma original, ainda que haja um impacto nos quesitos de resolução e escolhas de design da época, a sensação de jogar será indistinguível dos melhores lançamentos da atualidade.
Vale ressaltar que a obra do diretor Hideo Kojima não foi uma exceção. O jogo Ninja Gaiden Black, lançado em 2005 para o Xbox original também rodava com tal taxa de quadros. Ou seja, rodando em um dos consoles atuais da Microsoft por meio da retrocompatibilidade, a jogabilidade mantem-se fluída e, por consequência, dá ao jogador um tempo de resposta que o permita reagir rapidamente e jogá-lo como se fosse lançado recentemente.
Avançando alguns anos, vemos jogos atuais encontrando maneiras engenhosas de manter ou mesmo passar a ter a fluidez com o lançamento de novos consoles.
Um exemplo quase acidental é o jogo Monster Hunter World (Xbox, PS4 e PC), o qual não possui limite para a taxa de quadros. Nos consoles originais, os fps flutuavam próximo dos 30 em razão do poderio das plataformas, contudo, com o lançamento da nova geração e de sua capacidade de processamento bem maior, o jogo finalmente atinge os 60, garantindo uma experiência muito mais agradável.
Já um exemplo consideravelmente elegante e que a indústria deveria seguir foi a excelente remasterização de Saint’s Row The Third. Não diferente de diversos outros jogos, ele conta com um limite de 30 fps, porém o jogador possui a opção de desativar tal limitação, permitindo que tente alcançar os 60.
O que é extremamente interessante é que console algum, incluindo as versões atualizadas (PS4 Pro e Xbox One X), conseguiam oferecer 60fps contínuos, todavia, ao jogar em uma plataforma da nova geração, o jogo passa a oferecer uma experiência muito mais fluida, atingindo a elusiva taxa de quadros.
Esses são apenas alguns de muitos outros jogos que encontraram uma maneira, intencional ou não, de não só preservarem o “prazer de jogar” como também de melhorar com o tempo, garantindo que, atingido os 60fps de uma forma ou de outra, sejam capazes oferecer uma agradável sensação ao jogar.
Ainda que existam pessoas que comentem não ver diferença entre 30, 60 ou 120 frames (o que, na opinião deste reles colaborador, é leseira), a elevação na taxa de quadros não é só sobre o que você vê ao jogar, mas sobre o que você sente.
E aí nós nos deparamos com uma interessante pergunta.
É possível, mesmo com o passar do tempo, manter a qualidade visual daquilo considerado belo?

O futuro da arte em 4k.
A arte, ainda que não necessariamente eterna, tende a durar mais do que a tecnologia. O estilo artístico de Okami, que remete a pinturas japonesas clássicas ou o estilo história em quadrinhos de XIII (não a horrenda nova versão), fazem com que tais jogos mantenham-se belos muito tempos após os avanços em resoluções e efeitos visuais tê-los deixados no passado.
Um jogo almejar uma identidade visual única ao invés do realismo é uma excelente forma de passar a perna no futuro. O que é real hoje, um dia deixará de ser tanto assim, pois algo mais real virá no futuro.
Vale lembrar que um “estilo visual único” não quer dizer similar a um desenho ou exagerado. No desenvolvimento do jogo Pathologic 2, que é, ao mesmo tempo, uma nova versão e sequência do primeiro (é complicado), seus desenvolvedores procuraram abandonar o estilo mais realista do original em prol de um visual mais estilizado, justamente pois aguentará o peso do futuro.
Um ponto interessante é que, no balanço entre focar na performance ou em gráficos, a escolha pelo desempenho costuma se mostrar a mais sábia.
Não é surpresa, afinal 60fps serão 60fps daqui a 10 anos, mas a coroa de “jogo com melhor gráfico” é sempre temporária.
Um caso peculiar ocorre nos jogos da franquia Ratchet and Clank lançados para Playstation 3. Os 3 primeiros da (até então) nova saga focavam em desempenho ao invés de resolução, contudo, com o lançamento do quarto jogo, Into The Nexus, as prioridades se inverteram e uma qualidade Full HD foi trazida, ao custo de rodar à 30fps.
O resultado, atualmente, é que é muito mais agradável e fácil retornar à trilogia original. O desempenho alcançado é o que hoje – e em futuro próximo – é considerado ideal. Sem contar que o visual estilo animação da Pixar, ainda que borrado pelo limite visual, não deixou seu charme para trás.
Contudo, mantendo o questionamento apenas na questão tecnológica, ou seja, resolução e efeitos visuais, como fazer para que os jogos se mantenham atraentes com o tempo?
Uma possível resposta é a resolução dinâmica. Funciona da seguinte forma: são estabelecidos um valor máximo e um mínimo para a qualidade, então toda a vez que ocorrer uma situação que exija muito da plataforma, o jogo reduz o valor da resolução para manter uma taxa de quadros ideal.
Um exemplo claro dessa técnica ocorre no jogo Wolfenstein 2, quando rodado no console mais poderoso da geração passada, o Xbox One X. Nessa plataforma, o jogo almeja rodar em 4K à 60fps, e de fato consegue em alguns momentos. Porém, em cenários mais elaborados e em momentos explosivos, para evitar que a performance caia, o jogo automaticamente reduz a resolução.
Acontece que, rodando pela retrocompatibilidade no Xbox Series X, pois ele tem acesso aos 4k, o jogo não encontra motivos para reduzir a qualidade da resolução. Mantendo-a alta durante toda a obra, até mesmo nos momentos em que antes exigiam algo que o console não poderia oferecer.
Usando resolução dinâmica, um jogo poderá, hipoteticamente falando, ter como valor máximo uma qualidade que os desenvolvedores sabem que não será alcançada no momento de seu lançamento, mas sim na geração seguinte.
Dessa forma, um jogo pode ser produzido já tendo em mente a sua melhor versão. Mesmo que não seja mostrada de imediato pelo poder disponível no momento, pois será a versão a ser preservada no futuro.

Tá, beleza, mas e Crysis, roda?
A história de Crysis é interessante. Bem, a trama dele não fede nem cheira, mas a história por trás do jogo e o motivo dele ser tão exigente é algo muito legal. É um verdadeiro exemplo. Do que não fazer.
Muitos sabem que ele é um jogo pesado, mas poucos sabem o porquê de ele ser assim. Vejam, os processadores que existem em nossos celulares, consoles e computadores têm, resumidamente, duas qualidades principais, a velocidade, representada por giga-hertz (3 GHz, 3.7 GHz, 4GHz…), e o número de núcleos.
Com o passar dos anos, ao invés de focar em aumentar os giga-hertz, o que se multiplicou foi o número de núcleos. Então, desde 2007, data de lançamento do jogo, até hoje, a velocidade disponível ao público geral por um preço razoável não mudou tanto assim.
Só que Crysis não foi feito para rodar bem em 2007, ele foi feito para ser visto como deveria ser nos anos seguintes. Quando a tecnologia, principalmente nos processadores, assim permitisse. Mas o grande problema dele é que sua programação foi criada na expectativa de que os giga-hertz dos processadores aumentassem. Desconsiderando o número de núcleos disponíveis.
E o resultado é que, até hoje, não existem tantas máquinas no mercado com a capacidade de rodar o jogo no máximo. Pelo motivo de não serem feitas da maneira que os desenvolvedores imaginaram. Em outras palavras, Crysis foi feito tendo em mente um futuro que nunca aconteceu.
Esse caso demonstra como projetar algo para o futuro sempre foi algo complicado. Há poucas coisas mais fúteis e com maior margem de erro do que tentar prever o futuro.
O que não quer dizer que não se deve, pelo menos, tentar preservar nossas criações para resistirem à passagem do tempo. Felizmente, já há algumas convenções sobre como fazer isso.
Os consoles não são mais estranhos às opções gráficas, ainda que nem de longe ofereçam o que há em um computador. Mas vale lembrar que a simplicidade é uma das razões da existência de plataformas dedicadas aos jogos.
O que poderia ser feito é a utilização dessas opções para garantir que a melhor versão de um jogo esteja, ainda que indiretamente, ofertada. Uma opção para remover o limite de fps, tentando, no futuro, alcançar os 60fps é algo que necessita se tornar padrão nos jogos. Principalmente diante da ênfase na retrocompatibilidade. Assim como a disponibilidade de uma resolução dinâmica.
Com essas ferramentas disponíveis, um futuro objetivamente melhor nos aguardará.
Um futuro em que todos nós, independente de cor e passado, poderemos rodar Crysis.
E creio que falo em nome todos nós quando digo que esse é um futuro que vale pena viver para ver.
Preferencialmente em alta resolução e em 60fps.