Introdução

Ultimamente, seremos direcionados a muitos ângulos e visões no mundo. Num simples acesso da internet, nos deparamos com muitas opiniões e posicionamentos. Para Robert Kurz, o mundo pós-moderno se resume numa instabilidade decadente de sua ordem.
Conquanto, a pós modernidade se apresenta hoje, numa estrutura destinada à falência, ao passo que as estruturações do sistema capitalista, entram em decadência na medida que o mesmo não se sustenta mais, abrindo espaço para que organizações extremistas, ganhem força.
A luta de classes, um dos problemas centrais e discutidos na pós-modernidade, não se resume basicamente no contraste e choque de duas realidades (burguesa e operária), muito além disso. Problemas de ordem regionais, raciais e de gênero, são catalizadores individuais que estimulam a luta, portanto, serão retratados também pela produção material-cultural.
O tratamento da Neutralidade
Assumir neutralidade, é tecnicamente, assumir uma posição cinza em um cenário onde só há: preto e branco. Mas nunca paramos para pensar, o que de fato há de tão incoerente no uso do discurso neutro, passível de ”centralidade” política?

Evidentemente, ao nos depararmos com situações onde a neutralidade é ”necessária”, tomamos uma decisão. Seja essa decisão de caráter ”ausente”, a neutralidade do indivíduo/coletivo legitima o espaço de um detentor de poder, portanto, essa mesma característica se relaciona na produção de materiais, sejam esses culturais ou não, do homem.
Não existe neutralidade, pois o ato de ser neutro, é assumir uma escolha, e assumir um ato de imparcialidade. Portanto, assumir o fato de ”não se importar” com o resultado de ações externas, é permitir que o detentor do poder, continue no poder.
O regime de Comstock
Ok, você sobreviveu até esse ponto do texto, e deve estar se perguntando: o que tudo isso tem a ver com um vídeo-game, chamado ‘Bioshock: Infinite’? Eu lhe digo: tudo.

Contudo, antes de chegarmos na verdadeira raiz do problema do jogo, devemos refletir primariamente sobre a estrutura da obra. Desenvolvido pela ‘Irrational Games’ e distribuído pela 2K, Bioshock Infinite é uma narrativa imersiva, onde assumimos o manto de um homem desesperado, Booker DeWitt, na sua cruzada de resgate a Elizabeth. Ao se deparar com a cidade flutuante de Columbia, se defrontará com o tirano que a redige: Comstock.
Comstock nada mais, nada menos, representa a clarividência do homem branco personificado, que iluminado pela luz da razão, assume uma postura quase populista. Portanto, para assumir e legitimar sua postura ”messiânica”, o governo comstockiano recorre aos valores principais do conservadorismo, para a sua manutenção.
Assim, veremos ao longo da trama, a preservação de valores problemáticos na sociedade de Comstock, visto que racismo e xenofobia são situações cotidianas nessa realidade. Em contrapartida, o jogo nos traz uma personagem para o embate de realidades: Daisy Fitzroy.
A revolta da Vox Populi

Simbolizando o combate ao racismo, e legitimando uma postura de força feminina, Fitzroy administra a força revolucionária ”Vox Populi” em antítese ao regime comstockiano. Defendendo os valores de uma sociedade sem discriminações e, operada por um governo revolucionário, facilmente podemos nos simpatizar com a personagem, e com seus valores éticos e morais.
Ao passo do desenrolar da trama, o roteiro nos trará mais e mais pilares, que sustentarão o carisma de Fitzroy nas massas: a sociedade de Comstock, desgastava as classes e raças minoritárias, e a estrutura de seus valores políticos, não abriam espaço para mudanças e transformações.
Interferindo ativamente na trama, o jogador conseguirá desenvolver empatia o suficiente com o discurso trabalhista e socialista dos envolvidos da Vox. O choque de classes era inevitável, e o embate final já era evidenciado. Mas mudanças de discurso, interferem rapidamente no andamento do enredo.
A neutralidade discursiva
As coisas escalam muito rápido, Fitzroy entra em choque, a luta armada começa, uma revolta em massa se desencadeia pelas favelas, a classe trabalhadora vai as ruas num ato de rebeldia contra o tirano. Bem, o sentimento é lindo se pararmos para pensar, é tudo o que gostaríamos de ver, mas, não é muito bem o que ocorre.
A violência, revolta e luta armada, são pilares centrais para a luta e emancipação, desse mundo conservador. É um ”Modus Operandi” básico dos movimentos revolucionários, e mesmo assim, é evidenciado como uma escolha extrema e ”bárbara” na narrativa.
Os comentários dos protagonistas, assumem que Fitzroy e Comstock, são ”duas faces da mesma moeda”. Indiretamente ao ouvirmos isso, podemos ouvir a intenção real daqueles que operam a obra: a centralidade política dos desenvolvedores, interfere no desenvolver da autenticidade, ética e moral, dos revolucionários da Vox.
Assim, Bioshock Infinite assume com risco, a atitude de uma obra política, mas, ”neutra”. A atribuição de falas, colocações e pensamentos individuais de Booker e Elizabeth, legitima o discurso de neutralidade.
Considerações finais

No fim, Bioshock Infinite não deixa de se retratar como um material cultural, que reflete os acontecimentos do seu mundo presente. O apego a centralidade política, nos remete ao velho discurso de emancipação de valores extremos. Numa sociedade regida por princípios e construções políticas, o discurso neutro acaba por se encontrar numa posição de incoerência.
Hoje em dia, é fácil de vermos a ascensão de discursos e atitudes centralistas. Não é de hoje que presenciamos os polos políticos, desestruturarem as ordens sociais, culturais e políticas. Refletindo o tempo presente, Bioshock Infinite fundamenta os valores da filosofia de Kurz, ao evidenciar a decadência do mundo neo-liberal moderno.
Ao assumir o discurso de neutralidade, a obra cria espaço para interpretações diversas. Mesmo assim, não deixa de criar alicerce narrativo, para estruturar e, possivelmente, legitimar o discurso ”centrista” como correto.