INTRODUÇÃO
Soulslikes isso, Soulslikes aquilo. De fato, é inegável que Demon’s Souls foi um dos jogos mais influentes da década retrasada, e suas marcas estão na indústria até hoje, com a sua desenvolvedora FROM Software prestes a entregar o próximo jogo que bebe da fonte da sua obra prima de 2009, Elden Ring.
Mas os impactos de Demon’s Souls passam longe de ser vistos apenas dentro da própria FROM Software. Claro, desde 2009 até 2021, a FROM teve uma lista impressionante de jogos lançados em um espaço de tempo relativamente pequeno, com Dark Souls em 2011, Dark Souls 2 em 2014, Bloodborne em 2015, Dark Souls 3 em 2016 e finalmente, Sekiro: Shadows Die Twice, o grande ganhador do game do ano de 2019.
Mas afinal, o que tornou o gênero dos soulslikes tão impactante? O que tem de tão especial na série Souls, e porque ela fez tanto sucesso? Todos esses são questionamentos super válidos, dado o fato de que os fãs da série Souls não são só fãs, são fanáticos. Existe uma quantidade massiva de pessoas que vive sedenta pra jogar esse gênero, e para quem não é muito fã, isso pode até parecer meio confuso. E são essas perguntas que vou tentar responder nesse artigo de hoje. E para isso, vamos ter que parar e analisar:
O que define um Soulslike?
Esse é um tópico MUITO delicado. Basta ver a confusão que começa toda vez que algum novo lançamento se proclama o “Dark Souls” do seu respectivo gênero. Afinal, isso foi visto com Cuphead, que em 2017 foi comparado á série Souls, quando na verdade os dois jogos não podiam ser mais diferentes.
Então pra facilitar as coisas: o que NÃO é um soulslike?
Primeiramente, dificuldade é sim um fator bem importante para o gênero e fazem parte do seu apelo, mas não é nem de longe a sua característica mais marcante. Seguindo em frente, nós podemos começar a analisar os fatores em comum entre os próprios jogos da FROM Software, esses sendo:
- Combate metódico
- Administração de Stamina
- Baixa disponibilidade de itens de cura
- Presença das “fogueiras”: checkpoints bem espaçados
- Level design interconectado
- Capacidade de esquiva
- Abundância de boss fights
- História contada indiretamente com poucas cutscenes
- Poucos tutoriais e orientações
- E por fim, dificuldade.
Ademais, é importante estabelecer que um jogo não precisa ter TODOS esses fatores para ser considerado um Soulslike, e alguns são mais importantes que outros. Por exemplo, Star Wars Jedi Fallen Order não possuí uma história contada indiretamente e possuí vários tutoriais, no entanto, seu combate metódico, checkpoints espaçados e level design interconectado o torna um dos exemplos mais óbvios da marca que a FROM Software deixou na indústria.
Em paralelo, algumas dessas características estão presentes em jogos que não tem NADA a ver com o que define os soulslikes. Por exemplo, Batman: Arkham Asylum apresenta um level design interconectado, e eu nem preciso dizer o quão diferente ele é dos jogos da série Souls, né? Mas foi bom citar Batman e seu mundo interconectado, já que essa característica já é praticamente um gênero próprio, também essencial para se entender a explosão dos Soulslikes: o metroidvania.
Metroid, Castlevania e Dark Souls
Em primeiro lugar, leitor, acho que devo desviar um pouco do assunto e dar uma breve explicação do que é, afinal, um metroidvania.
O metroidvania é um estilo, tipicamente de jogos 2D sidescroller, que une características de Metroid com Castlevania. Criado em 2001, o termo foi aplicado ao lançamento de Castlevania: Circle of the Moon, para assim haver uma distinção entre os Castlevania clássicos, e aqueles que tiravam inspiração de Metroid. Essa inspiração se dava através do loop de gameplay baseado em desbloqueio de novas habilidades que permitem atravessar áreas previamente inacessíveis do mapa, envolvendo você abrir atalhos e refazer seus próprios passos pelo mapa.
De fato, o gênero metroidvania se iniciou com o lançamento de um dos melhores jogos já feitos, Castlevania: Symphony of the Night. E olhando um pouco pra esse jogo, ele até parece um pouco familiar…
Semelhantemente a um certo gênero, em Symphony of the Night, temos um mundo interconectado ao qual todos os caminhos não são inicialmente accessíveis. Itens de cura são escassos, e o caminho entre cada checkpoint no mapa é longo. Aprender o posicionamento dos inimigos e seus movimentos é essencial para conseguir atravessar os cenários e conseguir chegar nos chefes.
Bem, acho que eu não preciso mais falar muita coisa, né? A verdade é que quando se trata de gameplay, ainda que Demon’s Souls tenha trazido ideias novas para a mesa, como o uso de Stamina por exemplo, não há como negar: Dark Souls é uma tradução perfeita do gameplay estabelecido em Symphony of the Night para um ambiente tridimensional.
Adaptando para o 3D
É importante estabelecer que apesar de que atualmente, temos vários exemplos de Metroidvanias tridimensionais, demorou um tempo até a indústria conseguir adaptar perfeitamente o formato para o 3D. O melhor que nós tivemos foi a trilogia Metroid Prime nos anos 2000, e Castlevania mesmo apanhou para conseguir adaptar o formato, em duas tentativas distintas com seus jogos de PS2, até que na entrada da 7ª geração de consoles, a Konami simplesmente desistiu e decidiu fazer um clone de God of War com o nome de Castlevania.
Então como Dark Souls conseguiu fazer essa transição? Bem, ele também tirou inspiração de outro jogo que é um pouquinho influente…
The Legend of Zelda: Ocarina of Time é um dos maiores marcos da indústria dos games, indiscutivelmente. Ele continua, até hoje, o jogo mais bem avaliado da história do Metacritic, e sua influência permeou todos os jogos 3D que vieram depois dele. Igualmente, os soulslikes não são exceção.
Portanto, a gameplay do jogo fala por si só.
Sistema de travar a mira nos inimigos, fazendo com que todo movimento gire ao seu redor, adotado por toda a série Souls e que hoje é até atribuído ao gênero, começou lá com o clássico do Nintendo 64. Obviamente, há muitas diferenças, até porque há um grande período de 11 anos entre Ocarina of Time e Demon’s Souls, mas em sua essência, a série Souls bebeu da fonte de Zelda.
Narrativa fragmentada
Mas óbvio, não só de gameplay se faz o jogo. Apesar de que eu acredito firmemente que o fator mais importante de um jogo sempre será sua gameplay (apesar de que há exceções), a febre dos Soulslikes não se fez só por isso. Não, muito pelo contrário, Certamente, um dos motivos pelo qual esses jogos continuam a ser debatidos até hoje é a sua história.
Conforme dito no texto aqui do site, Bloodborne e sua construção de mundo, a história de Demon’s Souls e todos os seus sucessores, tem um fator em comum: elas são interpretativas. Apesar de que todos eles tem cutscenes introdutórias, fica na responsabilidade do jogador descobrir o que está se passando na história, e para isso, ele vai ter que explorar e prestar bastante atenção.
Primordialmente, as únicas informações definitivas são as descrições de itens, e definitivamente não ajuda que há MUITOS itens escondidos nesses jogos. Além disso, temos os diálogos com os NPCS que são encontrados ao longo da jornada, que também nos dão informações sobre o mundo, mas ai também existe outro questionamento: os relatos desses personagens são confiáveis? Afinal, eles são personagens com seus próprios objetivos, e nem sempre o que eles falam condiz com a realidade. Por fim, os cenários e o posicionamento de itens e inimigos também servem para contar a história.
Juntando esses três fatores, há um prato cheio para qualquer fã de narrativa interpretativa. E ao contrário do que eu falei previamente com os Metroidvania, acho que realmente podemos dar esse mérito completo para Dark Souls. O seu formato no geral é muito único, mas ainda assim, ele possui uma inspiração assumida pelo próprio diretor da franquia, Hidetaka Miyazaki. Os jogos de Fumito Ueda.
ICO e a inspiração de Miyazaki
Em uma entrevista para o site estadunidense The Guardian em 2015, Miyazaki falou sobre o início da sua trajetória como game designer e o que inspirou a começar a trabalhar na indústria. Desse modo, ele afirmou que a sua grande inspiração foi Ico, de Fumito Ueda. Nas palavras de Miyazaki:
“Aquele jogo me despertou para as possibilidades da mídia. Eu queria fazer o meu próprio.”
Logo, é possível traçar Ico não apenas como uma das inspirações, mas A inspiração de Miyazaki. Afinal, sem Ico, ele mal teria começado a trabalhar na indústria, e com certeza, a influência de Ueda nos estouro dos soulslikes é palpável.
Afinal, os três principais jogos de Ueda, Ico, Shadow of the Colossus e The Last Guardian, todos possuem uma característica em comum. Uma narrativa minimalista, contada através de poucos diálogos e que busca causar sentimentos no jogador com o mínimo de palavras possíveis. Por consequência, esses são jogos altamente interpretativos.
Os jogos de Ueda são discutidos até hoje, em especial o que é considerado por muitos o seu Magnum-opus, Shadow of the Colossus. Os fãs criaram mais e mais teorias, e a busca por segredos e para encontrar mais peças do quebra-cabeça narrativo construído por Fumito Ueda foi transformada em um dos pontos principais do sucesso dos seus jogos. Os soulslikes compartilham essas características, que são também um dos motivos de sua longevidade.
As origens da FROM Software
Até o final dos anos 2000, duas franquias definiam a FROM Software: Armored Core e King’s Field. Inclusive, o quarto jogo da série Armored Core e sua sequência, foram os primeiros trabalhos de direção de Miyazaki no estúdio. A outra saga, King’s Field, era uma série de jogos de fantasia licenciados pela Sony e exclusivos dos consoles Playstation. Por volta de 2006, a empresa começou a desenvolver um jogo que seria o sucessor espiritual de sua franquia clássica de fantasia. Após adotar alguns aspectos similares e passando por muitos problemas de desenvolvimento, eventualmente o estúdio lançou o título para o mundo como Demon’s Souls.
Por conta das diferenças em perspectiva, a primeira vista pode não parecer, mas Demon’s Souls e King’s Field possuem semelhanças significativas. Os dois jogos compartilham um tema de fantasia sombria, com cenários escuros e masmorras repletas de inimigos. Além disso, os críticos comentaram a dificuldade de ambos os jogos, em razão de um combate preciso baseado em timing. Logo, é um fato que as raízes da FROM Software influenciaram seu futuro.
O que vem pela frente?
Como um dos maiores fãs da série Souls, tenho certeza que o gênero passou por uma certa estagnada de 2014 pra cá. Com o sucesso massivo de Dark Souls e de Bloodborne, surgiu um fluxo enorme de jogos inspirados pelos trabalhos da FROM Software, e isso contribuiu para deixar o gênero saturado.
Ainda assim, o futuro dos Soulslikes está visível em como jogos de gêneros diferentes adotam seus elementos. Hollow Knight usa uma construção de mundo e narrativa extremamente similar, enquanto constrói sua própria identidade com uma direção de arte única e gameplay inovador. Alternadamente, Sekiro consegue renovar o gênero inteiro ao aplicar a maior parte dos sistemas que definem a fórmula em um novo sistema de combate revolucionário.
E agora, o próximo jogo da FROM Software, Elden Ring, promete voltar com tudo às raízes de Dark Souls se construindo como uma evolução natural do gênero. Diante desse futuro promissor, apenas uma coisa é certa: as marcas de Demon’s Souls continuarão a ser vistas na indústria por um bom tempo.