Os velhos tempos.
O mundo novo é assustador. Os jovens de hoje gastam seus zbucks em suas partidas de Frontknights e gravam vídeos no Pikdoks. Eu sei, também não entendo nada disso. Porém nos bons tempos, as coisas não eram assim. Os jogos antigos eram mais simples, mais diretos e bem mais difíceis… Não eram?
Bem, obviamente, não era bem assim. A dificuldade nos jogos, principalmente no debate entre “antigamente” e “hoje em dia”, é um assunto com várias camadas e motivos que compõe seu entendimento completo.
A nostalgia tem um peso muito forte na conversa. Descobrir que o jogo finalizado por você há uma década (ou mais) na verdade não é tão difícil ou – pior ainda – tem sua dificuldade em razão de erros de design e outros motivos nem tão intencionais tende a colocar qualquer pessoa na defensiva.
E esse é o foco do presente texto: entender se, de fato, os jogos antigos eram realmente difíceis e os motivos por trás da dificuldade existente.
Já podemos adiantar uma coisa, dificuldade não é algo perdido no tempo. Não é preciso ir muito longe para ver que essa afirmação é verdade. O fato de a franquia Souls ter dado luz a um novo gênero já seria o suficiente para demonstrar que dificuldade não é algo relegado aos jogos antigos.
Junto com isso, é possível ver um desafio mais exigente presente fortemente no cenário tanto independente quanto “convencional”. Jogos grandes como Devil May Cry V e DOOM Eternal conseguem, ao mesmo tempo, trazer uma dificuldade exigente e maleável de acordo com o nível de quem os joga.
Contudo, nossa conversa necessita voltar no tempo. Precisamos retornar para uma outra época, uma época na qual a última palavra em tecnologia e gráficos não era encontrada nos consoles. Uma época que os jogos eram jogados com controles tão inovadores quanto bizarros, mas, mais importante, uma época em que uma ficha custava um real.

Levando o fliperama e seus jogos antigos para casa.
Ah, os fliperamas, onde crianças tornavam-se adultos. Poucas sensações são comparáveis a iniciar uma partida de The king of Fighter ou Marvel Vs Capcom, progredir no jogo, atrair uma multidão, afastar os “deixa que eu passo dele pra você” e zerar, ao vivo e em cores, um jogo. Mas como esses bagulhos conseguem dinheiro?
Vejam, existem duas formas de um empreendimento adquirir uma máquina dessas: comprando ou alugando. Ao comprar, pertence à dona todo e qualquer lucro. Já alugando, as quantias são divididas, com os valores variando de acordo com os contratos.
“Tá, mas e daí?”, alguém muito mal-educado – não você – poderia rudemente questionar. Bom, a pessoa com um fliperama tem que ser seletiva na hora de escolher uma máquina para adquirir. Via de regra, vai preferir uma que atraia muitos clientes e, por consequência, muito dinheiro.
E os desenvolvedores sabiam disso. A qualidade de alguns jogos antigos e clássicos para fliperama é incontestável (a exemplo de Contra), além de ser ela a responsável quase que absoluta por atrair jogadores. Contudo, se é a qualidade que atraía, era a dificuldade que mantinha.
Um jogo bom e difícil faz você perder e querer voltar a jogar. E no mundo dos fliperamas, isso significa lucro. Então, durante muito tempo, os jogos eram feitos tendo em mente a dificuldade não necessariamente como uma visão artística, mas sim econômica.
Porém os tempos mudaram. Os consoles, principalmente graças ao Nintendo, estavam (re)tomando o mercado dos videogames para si. Fora as maravilhosas experiências unicamente jogáveis neles, um grande atrativo era a possibilidade de levar os míticos jogos de fliperama para casa.
Bem, pelo menos uma forma deles. Uma máquina de fliperama contemporânea ao Nintendo tinha um poderio computacional muito superior quando comparado ao console (uma paridade na qualidade foi alcançada apenas no futuro console Dreamcast).
Então, inevitavelmente, adaptações teriam de ser feitas. Cenários, performance e, em alguns casos, até mesmo a jogabilidade eram diferentes entre as versões de um mesmo jogo. Porém, o que costumava ser mantida era a dificuldade. Mais uma vez, não necessariamente por uma visão artística, mas sim pois era o que os desenvolvedores da época estavam acostumados.
Contudo, mesmo nos jogos lançados exclusivamente para consoles, havia um motivo peculiar para a dificuldade em jogos antigos. Igualmente econômico, porém tendo olhos para o tempo.

Jogos antigos não se vendem, alugam-se.
Houve um tempo em que locadoras eram a lei. Tanto em razão dos preços proibitivos dos jogos para os mais novos quanto por ser uma parte do espírito de uma época, as pessoas alugavam coisas. Entre elas, os jogos.
Durante muito tempo no ocidente (principalmente nos Estados Unidos), uma fatia considerável dos lucros de um jogo vinha das locadoras. E não muito diferente dos fliperamas, para as locadoras, um jogo com qualidade e dificuldade era muito lucrativo.
Não é algo muito complexo entender a razão: a qualidade de um jogo traria notoriedade positiva, a qual, por sua vez, traria clientes querendo alugá-lo. Já a dificuldade era a garantia que o jogo antigo não terminaria em um único aluguel, fazendo com que o cliente reservasse o mesmo jogo diversas vezes ou até mesmo que o comprasse.
Era uma relação simbiótica e que funcionava. Tanto que gerou um fato curioso: um jogo ser mais difícil em uma região do que em outra.
Vejamos o exemplo dos jogos da franquia Contra. São jogos – e uma franquia – notoriamente difícil e exigente, contudo, nas versões americanas, principalmente do 3º jogo, para Super Nintendo, e do Hard Corps, para Mega Drive, desafios artificiais eram colocados. A exemplo da remoção de barra de energia e redução no número de vezes que permitiam continuar antes de obrigar a retornar para o começo.
Contudo, não foram apenas as franquias oriundas dos fliperamas que passaram por mudanças. A trilogia inicial de Resident Evil, por exemplo é mais difícil na versão americana, tendo adversários mais resistentes. O primeiro jogo, emblematicamente, retirou a mira automática e reduziu a quantidade de itens que permitiam salvar o progresso, os famigerados Ink Ribbons.
Assim sendo, ficou claro que o motivo por trás da dificuldade nos jogos antigos era menos (voz rabugenta) “naquela época as pessoas faziam jogos DE VERDADE” e mais… Razões financeiras. Porém, ainda há um motivo que justifica a dificuldade muitas vezes desproporcional em alguns jogos.
E essa razão é bem menos intencional.

A prática leva à perfeição.
Caso a deusa da sorte não abençoe você, é muito provável que sua primeira produção ou tentativa de fazer algo não seja a melhor. É algo completamente natural, nos tornamos melhores em algo conforme praticamos.
Na criação de jogos, a situação não é diferente. Conforme as desenvolvedoras vão produzindo e jogando, o conhecimento geral sobre o que funciona (e o que não) vai evoluir.
Isso, aliado com a evolução tecnológica, permite que a arte de criar jogos – principalmente quanto à sua dificuldade – venha a se lapidar ao longo dos anos.
Para melhor exemplificar o que queremos dizer, nada melhor do que alguns exemplos. Um dos jogos responsáveis pela ascensão das obras independentes (conhecidos como jogos indies) foi Super Meat Boy. Lançado em 2010, o jogo é uma carta de amor para os jogos antigos que inspiraram uma geração. Carregando referencias tanto na forma como apresenta a história quanto no design do jogo.
Todavia, ele também avançou o gênero de jogos plataforma. Tomando decisões sábias e elegantes quanto à jogabilidade. Conseguindo ser extremamente exigente e, ao mesmo tempo, convidativo.
Não tendo um sistema de vidas e possuindo fases individuais bem curtas, a obra consegue apresentar um considerável desafio e convida a jogadora a tentar diversas vezes a mesma fase. Seja para melhorar o tempo ou conseguir todos os itens colecionáveis.
Dessa forma, não tendo a “ameaça” do jogo retornar para o início após determinado número de falhas ou a obrigação de finalizá-lo em uma única partida em razão da ausência de um sistema de salvamento, Super Meat Boy consegue capturar a essência dos jogos antigos, mas sem repetir os equívocos e limitações do passado.
Pois, assim como nós devemos aprender com nossas atitudes e erros do passado, os jogos também precisam.
(esse texto faz parte de uma coletânea, pode ver o último clicando aqui, mas só se quiser)