Introdução
Nesse ínterim de iniciar novas séries de textos específicos sobre certos jogos, senti que precisava falar um pouco do entorno de produção de Final Fantasy VI. Assim, nasceu mais um episódio de O legado.
Dessa forma, vamos falar tanto sobre os criadores, como também das referências que serviram de inspiração para os conceitos e elementos presentes nos diálogos, enredo, construção de personagens.
Principalmente, citar as analogias com o nosso mundo feitas durante a história do jogo, as sequências e eventos, bem como momentos-chave do plot.
Sucesso imediato
Então, há mil anos atrás… Calma, não foi há tanto tempo assim.
Posto que o lançamento nipônico aconteceu em em 2 de Abril de 1994, no mesmo ano, em 11 de Outubro, os norte-americanos receberam a sua versão. Nesse lançamento há dois detalhes interessantes de serem citados.
Em primeiro lugar, o sucesso estrondoso de vendas, principalmente japonesas. Nos primeiros meses o jogo vendeu 2,55 milhões de cópias no país. Na América, meses depois, o jogo atingiu 750 mil títulos vendidos.
Em segundo lugar, já naquele ano recebeu grandes notas positivas por veículos bem conhecidos como Famitsu e EGM (edição norte-americana nº 63) e Gamefan (volume 2, edição 11; EUA; 1994). As pontuações foram 37/40, 36/40 e 295/300, respectivamente.
Portabilidade fora do comum
Em princípio, a chegada nos EUA teve algo inusitado. Devido ao lançamento anterior do IV ter sido feito como II, a Squaresoft USA resolveu seguir a ordem de publicação ocidental. Logo, FFVI ficou como III para o Super Nintendo.

Em resumo, o motivo da modificação foi que os segundo, terceiro e quinto títulos originais da franquia nunca deixaram a terra do Sol nascente até o início dos anos 2000.
Então, após o primeiro chegar para o Nes 8-bits americano em 1990, o quarto jogo veio como II para Snes em 1991 e o sexto Final Fantasy ficou como terceiro na América.
Em se tratando do sucesso, voltemos a ele.
Por consequência da legião de fãs formada mundialmente, com o passar dos anos e a chegada das gerações seguintes, obviamente o apelo por portabilidade para outros consoles foi gritante. Sendo assim, após o Snes, a próxima plataforma a receber uma versão foi o Playstation clássico.
Assim, FF VI lançou para o primeiro console da Sony em 1999, tanto no Japão quanto nos EUA. Porém, a versão japonesa chegou no formato independente, como também veio no pacote Final Fantasy Collection, que incluía os dois jogos anteriores, IV e V.

Em contrapartida, o país americano só recebeu o compilado com os jogos V e VI, sendo chamado de Final Fantasy Anthology. O IV surgiu em outro bundle junto de Chrono Trigger em 2001, nomeado Final Fantasy Chronicles. Outra versão independente de FFVI chegou na Europa em 2002.
A sexta fantasia final pelo mundo
A prova de que a Squaresoft percebeu que os jogadores deveriam ter diversas formas de acessar o jogo, está na presença dele em diversos outros consoles, incluindo portáteis.
Com isso, temos a versão de Gameboy Advance (JP-2006/EUA&EUR-2007). Esta, veio com mudanças de algumas descrições in-game que antes eram conhecidas das versões de 16 e 32-bits, começando pelo título, que veio como Final Fantasy VI Advance.
Sobretudo, o que esse port mudou de maneira significante foram termos, nomes, e reescrita de diálogos. Desse modo, manteve boa parte dos conceitos originais da versão japonesa e corrigiu algumas discrepâncias presentes nas traduções dos lançamentos anteriores.
Entretanto, vale ressaltar que nesta versão de GBA foram adicionados mais elementos que não existiam antes originalmente. Novos Itens, equipamentos, magias e summons. Por fim, houve a inclusão de uma dungeon adicional, a Dragon’s Den, e uma arena para jogadores enfrentarem monstros infindáveis, a Soul’s Shrine.

De fato, os demais ports oficiais para outras plataformas utilizaram essa última versão algumas vezes.
Fantasia final na palma da mão
A fim de expandir ainda mais a popularidade, os sistemas Android e IOS receberam as suas versões em 2013, com algumas mudanças estéticas.
Como resultado, os gráficos receberam remasterização, os áudios foram levemente melhorados e interfaces de menus remodeladas. Aliás, no ano seguinte, esse remaster chegou também para os PCs.
Em seguida, a bola da vez foi o Virtual Console japonês do Wii U em 2015. Porém, este recebeu a versão original de GBA, ao invés do remaster.
No entanto, este sistema de jogos na nuvem foi descontinuado, para a tristeza de muitos usuários. Contudo, no Wii Clássico houveram lançamentos digitais de Final Fantasy VI de Super Famicom, como também o FFVI/III de Snes no sistema americano, ambos no ano de 2011.
Um pouco sobre o mestre criador
Como Hironobu Sakaguchi foi o criador da série Final Fantasy e feito parte do desenvolvimento dela por décadas, outras figuras cruciais do processo acabam não recebendo tanto foco, apesar de toda importância deles.
Em resumo, Sakaguchi se tornou vice-presidente em meados do início dos trabalhos com FFVI. Por mais que tenha criado o cerne do que seria o plot geral do título e supervisionado as etapas, seu novo cargo o impediu de participar mais de perto como fez nos jogos anteriores.
Assim, a direção passou para as mãos de duas pessoas inigualáveis, Yoshinori Kitase e Hiroyuki Ito, que serão mencionadas mas à frente.
Inegavelmente, o criador da franquia merece imensos méritos não só por Final Fantasy, que é uma das marcas mais bem sucedidas de todos os tempos. Bem como, também por outras como Chrono Trigger, Seiken Densetsu 2/Secret of Mana, por exemplo.
Juntamente com Shigeru Miyamoto da Nintendo, e Hideo Kojima ex-Konami, dono da Kojima Productions e criador de Metal Gear original, Solid e Rising, são alguns dos que tomaram as rédeas por décadas sobre qual direção os jogos deveriam seguir.
Apesar disso tudo, não há espaço neste artigo para se falar tudo sobre uma pessoa tão grandiosa e de tamanha importância como Sakaguchi. Logo, deixemos para outro momento.

Acima disso, estamos falando das diversas formas de se criar narrativas, personagens e de buscar inspirações para a criação de mundos de fantasia e ficção científica.
Dessa maneira, trazemos também para o debate a criação de mecânicas, sistemas de jogo, formas de se jogar que fazem com que haja imersão do jogador com o que se está jogando.
A dupla de diretores – Criações de Kitase
No momento em que falamos na direção e criação de cenários, e também do sistema de batalhas em Final fantasy VI, ambos os gênios Yoshinori Kitase e Hiroyuki Ito surgem.
Em primeiro lugar, sobre Kitase. Aquele que hoje é vice-presidente da Square-Enix chegou na antes chamada Squaresoft em 1991. Ele como fã da franquia jogou várias das versões anteriores a FFVI. Com isso, ele chega para trabalhar no estúdio em meados do lançamento de Final Fantasy IV.
Assim, dito por ele próprio em uma entrevista de 2010, mesmo não participando ainda dos processos principais de desenvolvimento, certamente viu todo o furor relacionado ao assunto. Isso o impactou, segundo ele, muito mais ao presenciar o ambiente do estúdio do que como fã dos jogos até então.

Em segundo lugar, veio o quinto título da série principal. Nesse momento Kitase assumiu novamente como criador das sequências de cenas e textos do cenário, porém desta vez em um projeto muito maior. Ao mesmo tempo, foi quando passou a trabalhar com Hiroyuki Ito.
Desde que entrou pra Squaresoft, o criador de cenários e narrativas mostrou seu trabalho em Final Fantasy Adventure e na franquia Sa-Ga.
Logo em seguida, entrou para o processo de desenvolvimento do VI como diretor de última hora, além de continuar cumprindo a função na criação. A lista de jogos na qual participou é vasta, e praticamente resumem a história de lançamentos da empresa, desde a Squaresoft até a atual Square-Enix.
A dupla de diretores – Os combates e o Active Time Battle de Ito

Pouco antes em 1987, Ito entrou na empresa como depurador, realizando trabalhos em ambos FF I e II.
Em seguida, criou efeitos sonoros no III. Sua consagração aconteceu a partir de FFIV, quando criou o Active Time Battle. Esse sistema se tornou um dos pilares que diferenciavam a franquia das demais.
Como era de se esperar, criadores excepcionais como Ito estão destinados a voar em suas áreas de atuação. Logo, outro dos maiores destaques de todos os Final fantasies é o Job System, que foi outra criação do designer japonês. Inicialmente incluído em FFV, como também utilizado em vários outros títulos da série.
Sobretudo, no VI foi quando o profissional assumiu o papel de diretor junto de Kitase, e assim dirigiu todos os segmentos e planejamentos do combate.
*Essas informações estão incluídas na entrevista do Final Fantasy IX Ultimania e também neste link.
Em se tratando do jogo, não necessariamente houve um sistema de profissões como o anterior. Agora, os personagens carregam suas particularidades que se assemelham aos jobs, porém fixas do início ao fim do gameplay.
Por fim, Kitase e Ito atualmente são grandes e renomados integrantes da Square-Enix,. Dessa maneira, praticamente tudo, desde a criação conceitual, até combates nos jogos do estúdio, devem passar pelo crivo de ambos.
Criação dos personagens – Curiosidades
A direção geral de produção, isso inclui o Sakaguchi, constatou a necessidade de uma maior participação da equipe ao criar os personagens do jogo.
Por consequência da alta demanda de profissionais devido a quantidade de elementos presentes no título, houve a necessidade de se dividir funções em todas as áreas.
Com isso, com o setor de design não foi diferente. Então, decidiu-se que membros da equipe iriam sugerir ideias para a criação dos anfitriões da história. Kitase chamou essa prática de processo híbrido.
Por exemplo, Sakaguchi criou Terra e Locke, Kitase criou Celes e Gau e o diretor de gráficos Tetsuya Nomura, criou Shadow e Setzer e Shadow. Assim, o mesmo foi com outros integrantes da equipe com os demais personagens (Revista Edge- Future Publishing, ed. 251, 2013).
Sobre arte visual e sonora
Da mesma forma que Sakaguchi, os artistas desta área são os gigantes Nobuo Uematsu, compositor de muitos dos Final Fantasies, e Yoshitaka Amano, o character designer de FF e de outros títulos do estúdio. Logo, seriam necessários textos específicos para fazer jus aos dois.
Sempre que um novo título era criado nos anos 80-90, Nobuo assumia como criador das músicas.
Para a trilha de Final Fantasy VI, Uematsu puxou todos os limites do chip SPC700 do Super Nintendo, onde conseguiu sintetizar vozes e montar toda a sonoridade de um verdadeiro show de ópera. Até hoje, um dos maiores sucessos é a faixa deste evento, chamada Aria di Mezzo Carattere.
Uma versão cantada, pela voz da intérprete búlgara Svetla Krasteva, foi remixada e inclusa junto do jogo lançado posteriormente para PsOne. Ela toca no vídeo bônus em CGi de encerramento do game.
Outro destaque é para a trilha Dancing Mad, tocada na batalha final com direito a coro incluido da mesma forma da aria.

Então, pulando para arte visual, temos Amano com suas belas artes andróginas. O artista tanto criou a arte presente nos jogos da série, como pintou imagens extras demonstradas em diversas exposições ao qual participou, por décadas.
Com isso, a aparência dos personagens dos jogos nos menus possuíam os trabalhos dele, tanto quanto todo o bestiário.
Final Fantasy VI foi o último da franquia em que ele foi o artista conceitual oficial.
Só por curiosidade, Amano e Uematsu trabalham eventualmente junto de Sakaguchi, em seu estúdio da Mistwalker.

Referências claras ao nazismo
Agora, a coisa muda de figura. Traremos uma visão profunda sobre as mensagens presentes no plot deste título.
Uma vez que se joga FF VI, com o mínimo de conhecimento da história da humanidade, o jogador pode perceber diversas referências ao mundo real durante as sequências da narrativa.
Por exemplo, a construção da cena do imperador Gestahl no alto de seu trono, incitando filas e filas de soldados, estes realizando uma ode ao império e ao monarca. Ainda com direito a gestos de mãos em sincronia, remetendo aos tempos nefastos da Alemanha nazista.

Outra analogia ao nazismo, é a perseguição sofrida pelo povo dos Magi, que se escondem por pertencerem a uma etnia que confere ameaça ao poder hegemônico governante. Lembremos do que os judeus passaram nas mãos do nazifascismo, com inegável semelhança.
Outro elemento análogo de ataques à população judaica, é a forma como os Espers são massacrados, escravizados e mortos. Isto era uma espécie de esporte frequente para os fascistas alemães contra os judeus.

Decerto, vale ressaltar o momento em que a personagem Terra, sendo uma pessoa híbrida, é referida como “esta mulher, esta bruxa”. Assim, muitas mulheres judias foram mortas pelo simples fato de pertencerem a sua etnia de origem.
*Este artigo traz a obsessão do terceiro reich, Himmler, com bruxaria e caça às bruxas, mais um motivo de caça aos judeus.
O Japão da Segunda Guerra não ficou de fora
Com toda a certeza, é importante mencionar o trecho do enredo onde experimentos são feitos com os seres sobrenaturais sequestrados, nos laboratórios de Vector. Esses eventos assemelham-se diretamente à práticas como a do Japão imperial fascista da segunda guerra.
Aliás, encontra-se documentada a prática dos exércitos japoneses no passado em sequestrar chineses, e usá-los como cobaias para experimentos que incluíam inomináveis absurdos. Assim sendo, tais atrocidades ocorriam em uma espécie de laboratório de testes, a Unidade 731 da Manchúria/China. Esta reportagem traz um resumo dos crimes cometidos nesse local e época.

Não apenas houveram invasões das tropas nipônicas na China, mas também em outros países. Por exemplo, a Coréia ainda unificada, foi um dos casos mais marcantes de invasão fora do território chinês.

Returners e revoluções de nosso mundo.
Da mesma forma, as forças na qual os personagens jogáveis pertencem, possuem inspirações diretas com as grandes revoluções da nossa história.
Primariamente a Revolução francesa, causando a derrubada da monarquia e da aristocracia, ao mesmo tempo refletindo no enfraquecimento político da Igreja.

Por certo que também temos as derrubadas tanto da monarquia czarista pelas revoluções bolcheviques, bem como a queda do império chinês pela revolução chinesa proletária de Mao Zedong.

Afinal, são inúmeros os dados históricos que inspiram conceitos de mobilizações insurgentes nas diversas mídias de entretenimento, e em Final Fantasy VI não foi diferente.
Fantasias não terminam, dão uma pausa
Anteriormente, apenas FFII tratou de questões políticas um pouco mais sérias do que o padrão de sua época. Por outro lado, nem de perto aborda com tanta profundidade como este que tratamos neste texto.
Atualmente, tem se tornado corriqueira a presença de assuntos da nossa realidade em jogos. Apesar da ainda incidente resistência de parte da comunidade gamer com essas abordagens, mostra-se cada vez mais importante que enredos, diálogos e narrativas trabalhem mais temáticas políticas e sociais.
Não é de hoje que videogames se tornaram uma das mídias que mais formam opiniões de acordo com aquilo que trazem em sua estrutura.
Em se tratando de Final Fantasy VI, vale sempre o retorno para reavivar os primórdios do que era contar histórias no passado dos jogos eletrônicos. Dessa forma, torna-se mais fácil entender parte de como os jogos de hoje se consolidaram.