Escuridão total sem estrelas.
Um conto de terror jogável. Essa seria a melhor definição para Alan Wake. Carregando consigo referências a obras e escritores clássicos, o jogo consegue utilizar aspectos de histórias de Edgar Allan Poe e Stephen King junto com seriados como Twin Peaks para contar uma trama que não se distância da herança do horror americano.
Curiosamente, Alan Wake é um jogo finlandês. Bizarro.
A história segue um ritmo similar ao de uma série, com direito a “no próximo episódio de Alan Wake” no final de cada capítulo. Ao mesmo tempo, é uma homenagem ao próprio conceito de se fazer um conto de terror.
Vejam, as referências não existem unicamente para que alguém aponte para tela e mande um “hehehe, eu conheço esse personagem”. Mas sim como suporte para que o jogo consiga se sustentar e criar algo extremamente… Próprio.
Não seria exagero dizer que não há muitas obras como Alan Wake. Principalmente quando levamos em conta que os jogos mais parecidos com esse são da mesma empresa, a Remedy.
Desenvolvedora essa que, após se consolidar, por meio de Max Payne, como mestra em jogos sobre dar e tomar alguns tiros e protagonistas com nomes perfeitos para serem ditos em uma voz maneira, tentou a sorte com um jogo de terror.
O que vem a ser particularmente interessante é o fato de que, mais do que qualquer entidade sombria, o que quase deu fim no Alan foi um desenvolvimento conturbado. Anos de adiamento, readaptações completas e até mesmo o abandono de um mundo aberto tiveram de ser enfrentados antes dessa história poder ser contada.
Uma história sobre como um escritor estressado armado unicamente com seu casaco estiloso (e algumas armas) enfrentou um mal indescritível.
Mas, mais do que tudo, é uma história sobre uma obra que tinha tudo para dar errado e, contra todas as expectativas… Deu errado, mas ainda é um jogo muito bom.
Alan Wake e a cidade que não acorda.
Explicar a trama de Alan Wake seria contraintuitivo. Entender o que está acontecendo é um dos principais objetivos do personagem e, bem, nosso também. Porém, apresentar os conceitos mais gerais é algo possível. Resumidamente, de noite, os monstros aparecem.
Agora, junto com uma história intrigante, o que o jogo faz – e faz muito bem – é construir uma atmosfera de inquietude. Não se preocupe, vou explicar sem palavras prepotentes.
Você sabe quando está de noite e bate aquela vontade de ir ao banheiro ou beber uma água, mas está tudo escuro e você liga uma luz não para te ajudar a ver melhor, mas para fazer você sentir um pouco mais de segurança?
Alan Wake é esse sentimento. Porém, no jogo, tudo que você tem é uma lanterna e sim, na escuridão, tem alguma coisa acompanhando você. Junto com isso, por se passar em uma cidade do interior, há muitos ambientes florestais.
Jamais chega a ser um mundo aberto, mas consegue fazer com que os ambientes pareçam ser maiores do que realmente são. Dessa forma, a sensação de estar perdida em uma floresta, desorientada e com alguma coisa (ou muitas coisas) perseguindo a pessoa que joga é algo que acompanha toda a obra.
Contudo, a atmosfera opressora do jogo não é eterna. Durante o dia, enquanto a entidade que habita a floresta toma refúgio em lugares afastados e sombrios, a cidade consegue manter um pouco de normalidade.
As pessoas têm nomes, hábitos e rotinas. Com o passar do tempo de jogo, você passa a se familiarizar com as pessoas e com os lugares. O que faz com que a ideia de que algo maligno os afete e os corrompa seja algo verdadeiramente trágico.
Então, como você e Alan Wake enfrentam esse mal?
O exército de um escritor só.
Mais misteriosa do que os segredos Brightfalls (cidade da trama) e muito mais incerta do que o futuro da franquia foi durante um bom tempo, é o fato de como uma pessoa cuja habilidade é escrever muito em pouco tempo consegue atirar tão bem.
Analisando o portifólio completo da Remedy, é possível perceber um padrão. Todos os seus jogos envolvem ação e tiroteios da melhor qualidade. Então, como traduzir um sistema de combate digno da trilogia Matrix para o terror?
Com uma série de excelentes decisões, simples assim. Alan Wake ainda é um jogo de tiro com visão sobre o ombro – não muito diferente de Dead Space, Resident Evil 4 e The Last of Us – porém, sua indispensável arma é uma lanterna.
Na trama, uma entidade sombria (uma sombra, em outras palavras) toma conta de coisas e pessoas, deixando-os imersos em escuridão. Esse elemento da história é transmitido por completo para a jogabilidade.
Enquanto seus adversários tiverem sobre si uma áurea sombria, eles são invencíveis. A única forma de remover tal “escudo” e deixá-los vulneráveis aos tiros é por meio de alguma fonte luz. Felizmente, com a criação das lanternas, seres-humanos como você e eu (?) são capazes carregar uma luz no bolso. Isso sim é futuro.
A parte mais interessante é que tal escolha de design contextualiza de forma diferente elementos comuns em outros jogos. Um poste de luz se torna uma bolha de saúde e proteção; um quarto bem iluminado vira uma barreira instransponível e uma granada de atordoamento (flashbang) vira uma arma de destruição em massa.
O que melhor define a jogabilidade é a esquiva. Em jogos anteriores da desenvolvedora, ao se esquivar, o protagonista se joga para os lados ou então usa seus poderes para fazer uma versão sobrenatural da boa e velha cambalhota, Alan Wake é diferente.
Alan se agacha todo desengonçado, na expectativa de manter sua cabeça no lugar. Contudo, faça o movimento no momento certo e o tempo desacelera, o jogo dá um zoom e você (e muito provavelmente o Alan) se sente invencível.
O sistema de combate consegue a façanha de ser algo que te faz sentir em desvantagem e fraco, ao mesmo tempo que você passa a desejar jogar apenas por mais um embate. Sem deixar de lado a excelente história, obviamente.
Um final surpreendentemente feliz para Alan Wake.
Com o fim do jogo, os problemas para nosso herói apenas começaram. Não tendo vendido bem em seu lançamento em 2010 e estando nas mãos da Microsoft por um longo tempo, o futuro de Alan era, no mínimo, incerto.
Contudo, o sucesso estrondoso de vendas de sua versão para PC, a qual saiu dois anos após a de Xbox 360, foi o suficiente para mostrar que o desejo de ver a franquia indo para frente ainda estava vivo.
O inesperado sucesso comercial, junto com a posterior compra dos direitos da marca pela Remedy em 2019 (a qual era, até então, propriedade da microsoft), foram provas claras de que uma continuidade da saga não era algo impossível.
Todavia, a maior demonstração que a jornada de Alan Wake contra a escuridão irá continuar veio por meio de um das expansões do Jogo Control. A qual – para evitar revelações da trama – digamos que mistura os universos dos jogos.
Assim sendo, pessoas que ainda não experimentaram a espetacular obra de terror da Remedy ou aquelas que são fãs de longa data podem jogá-la com folego renovado, sabendo que, em breve, poderão descobrir o que os aguarda “no próximo episódio de Alan Wake”.