Critérios: o que são jogos revolucionários?
Enquanto os videogames vem conquistando seu lugar ao sol, eles são inseridos no nosso cotidiano, mudando nossa percepção de vida e maneira de pensar. Primordialmente, quando pensamos em livros marcantes, talvez muitos autores consagrados venham à memória, Ovídio, Dante, Machado… Sob o mesmo ponto de vista, filmes como Psicose (1960) e Poderoso Chefão (1972) estão enraizados no imaginário popular. Entretanto, e quando falamos da décima arte? O que permeia nossa cultura como jogos revolucionários? Para isso, é preciso desde já definir o que é uma revolução. Atualmente, é comum associar o termo com política e violência, ao passo que, a mudança, muitas vezes, não é bem-vinda pelas parcelas sociais mais conservadoras, bem como na Revolução Francesa e na Revolução Russa. Não seria diferente com a arte, pois aqui falaremos de verdadeiras obras-primas que causaram estranhamento, e principalmente, mudança.
Os jogos citados nessa lista são imortais, e nem mesmo o esquecimento de seus nomes será suficiente para apagar sua influência na indústria. Em cada lançamento feito após esses títulos, muito do DNA pode ser recuperado, evidenciando que, não mais estamos perdidos sobre o que é a produção de um videogame, e isso graças aos clássicos. Cada revolução executada pelas obras aqui expostas mudaram a cultura da décima arte como um todo.
Antes de tudo, é necessário ter consciência de que não utilizaremos critério de melhor ou pior nessa lista, as colocações são meramente simbólicas. Também é bom salientar que precisaríamos de 100 jogos na lista para cobrir, pelo menos, uma pequena parte desse mundo de clássicos. Por isso, a lista conta com (poucos) jogos de extrema peculiaridade. Todos eles escolhidos com objetivos diferentes, além de propor uma análise dessa responsabilidade de guiar a indústria em direção a liberdade artística. Então, vamos lá!?
5. System Shock
No Brasil, System Shock é um jogo bem desconhecido, mas pergunte para qualquer fã alucinado do gênero de First Person Shooter (FPS), e certamente eles louvarão esse título como um Deus lendário. Lançado em 1994 pela Looking Glass Studios, System Shock foi o precursor para jogos como BioShock, Deus Ex, e Dishonored. Todos do gênero immersive sim, em português, simulador de imersão, jogos voltados para a atmosfera marcante, narrativas coesas e um game design libertador, permitindo a imaginação do jogador ser utilizada como uma ferramenta.
Em outras palavras, System Shock revoluciona em seu método de contar uma história, utilizando o próprio tiroteio da jogatina e os cenários para expor os fatos. Nessa época, os Role Playing Games (RPG) sempre buscavam histórias massivas e maçantes, recheadas de nomes complexos, situações entediantes, e acontecimentos confusos. Aqui, ao chegar no final da trama, você terá a sensação de terminar um bom livro, cujo enredo demorará a ser esquecido. Mesmo com certas mecânicas estranhas aos olhos da indústria moderna, System Shock envelheceu como um whisky num barril de carvalho. Definitivamente, um jogo obrigatória para todos os fãs de FPS, RPG e simuladores de imersão, principalmente para os decepcionados com a estética não tão cyberpunk de Cyberpunk 2077.
Leia o artigo — O legado de System Shock: um clássico atemporal

4. Diablo
Diablo, lançado pela Blizzard em 1996, é um divisor de águas para o gênero de RPG e ação. Bem como System Shock é para o FPS simulador de imersão. Antigamente, o mercado era dominado por jogos baseados em turnos, porém, recebemos Diablo, onde partimos para a porrada franca com o lorde infernal, e ele não esperará sua vez de atacar. Muito pelo contrário, o capeta não gosta de esperar.
Diablo revoluciona em tecnologia, e não era qualquer máquina da época que aguentava seus gráficos, a versão de Playstation é bem capada também, demonstrando um avanço tecnológico que a recém-formada Blizzard já possuía. As músicas de Matt Uelmen, as locuções dos personagens e a gameplay criou um tipo de jogo viciante, onde sempre estamos pensando: “E se eu encontrar uma espada melhor? Só mais uma horinha!”. Diferente de outros irmãos do gênero, Diablo não é massivo, mas trabalha um universo enorme com uma história focada em um ambiente menor, gerando interesse e permitindo uma mitologia consagrada, com personagens humanos e uma atmosfera demoníaca, ainda que não abuse dos artifícios do horror de maneira comum.
Se você já jogou algum jogo looter (focado nos itens para evoluir o personagem), como Path of Exile, Destiny, ou o lendário Tibia, saiba que isso nasceu em Diablo, e seu modo multiplayer serviu de base para muitos Massively Multiplayer Online (MMO). Diablo é um buraco de minhoca que nos permite visitar um passado mais simples, esse que definiu as estruturas da indústria atual. Certamente, vale a pena revisitar, ou conhecer, esse jogo feito com tanto esmero.
Leia o artigo: Diablo — histórias humanas e ameaças demoníacas

3. Final Fantasy 7
É impossível falar de jogos revolucionários sem citar Final Fantasy 7. Enquanto a Blizzard apostou na mistura de ação com RPG, a Square Enix se manteve fiel a fórmula de turnos, mas de uma maneira genial. O gênero de RPG japonês (JRPG) foi muito estranho para mim quando criança, pois sentia dificuldade ao jogar, mesmo que a estética às vezes pareça infantil, esse é um dos subgêneros que mais abordam temas sérios nos últimos 20 anos. Final Fantasy tem personagens marcantes, que não precisavam de um design glorioso para chamar a atenção, mas, sejamos honestos, os polígonos possuem um certo charme. Já que naquela época, era mais comum observar a arte de pixels em jogos do tipo (como o caso de Chrono Trigger, que merece menção honrosa), pois as empresas ainda não possuíam interesse no universo da modelagem 3D, por quase nenhum profissional saber como fazê-la de maneira exemplar.
Lançado pela Square Enix e sua subsidiária Squaresoft em 1997, Final Fantasy 7 continua relevante em seus temas políticos, em suas simbologias mágicas, e principalmente, em seu combate tático, cheio de nuances que dividem um bom jogador de um noob completo. Muitos se sentem acanhados pela quantidade massiva de títulos na saga (que em breve chegará nos 20), eu, inclusive, fui um desses, mas vale a pena ignorar esse medo para desfrutar o melhor da nostalgia e da inovação. Diversos jogos tentam ainda hoje aplicar o que Final Fantasy 7 fez com o mercado de jogos, e alguns dizem que o próprio Nomura Tetsuya, diretor do jogo, perdeu a mão em manter esse padrão elevado.
Antes de jogar o Final Fantasy 7 Remake, busque experimentar essa obra-prima do JRPG, você me agradecerá.
Leia o artigo: O Legado de Final Fantasy VII

2. Team Fortress 2
Team Fortress 2 é o único da lista de jogos revolucionários que pode ser considerado imortal. Lançado em 2007 pela Valve, o jogo FPS multijogador já sofreu diversos “ultimatos”, mas nem mesmo seus criadores conseguiram apagar seus rastros. TF2 é uma das comunidades mais fortes no mundo do jogos, mantendo a obra no top 10 de mais jogados na Steam, mesmo após anos sem atualizações grandes.
Team Fortress veio naquela época dos anos 2000 em que a internet brasileira deu uma melhorada, e além disso, foi a base para muitos programadores e futuros desenvolvedores abrirem os códigos do jogo, fuçando em seus modelos. Conforme isso acontecia, a legião de fãs criou modificações, corrigiu erros, e em muitas vezes foi o único pilar de sustentação da obra, mas por que? Porque Team Fortress 2 sempre será uma aula de como se fazer um jogo de teor competitivo e balanceado, mas que mantém a personalidade de seu meta jogo, isto é, métodos mais efetivos para se obter resultados, sejam ranques ou troféus Steam.
Até hoje, nenhum outro jogo, simples ou de investimento altíssimo, conseguiu a proeza da imortalidade como Team Fortress 2. Mesmo se, caso um dia Gabe Newell enlouqueça, propondo uma continuação do jogo, isso não será o suficiente para matá-lo. Por vezes, tentar imaginar um jogo online mais divertido que TF2 é difícil, e isso já dura 15 anos. Quem sabe um dia alguém poderá explicar essa proeza do jogo highlander, ou devo dizer, eyelander?
Leia o artigo — O legado de Team Fortress 2: uma joia esquecida por seu criador

1. Death Stranding
Death Stranding é aquela pessoa estranha e quieta, mas que esconde um passado de muita luta e resiliência. Apenas nosso querido Hideo Kojima teria a capacidade de arriscar um empréstimo bancário para criar um jogo experimental de orçamento triplo A. E deu certo. Death Stranding é o encontro sensual da sétima arte (cinema) e da décima arte, gerando um filho promissor. Suas temáticas sentimentalistas formam algo além do comum, principalmente quando juntam forças com uma evolução tecnológica daKojima Productions. Quem diria que, da lista de jogos revolucionários, Kojima criaria algo ainda mais maluco que Metal Gear?
Em primeiro lugar, a criação do gênero stranding faz da obra um monumento da raça humana, ou melhor, um monumento da nossa cooperação. Death Stranding repensa nossa espécie, deixando o Homo sapiens sapiens (o homem sábio sobre sua sabedoria ) para trás, e dando vida ao Homo ludens (o homem que joga). Meu apego emocional com a obra me obrigou a coloca-la em primeiro lugar, mas, se até hoje existem pessoas que duvidam das capacidades artísticas do suporte “videogame”, Death Stranding vem, ignorando esse debate esdrúxulo e dando origem a uma nova linha de pensamento: não há futuro sem união.
A experiência do jogo é complexa, e coloca-la em palavras pode limitar as percepções de um dos trabalhos humanos mais significativos da era contemporânea. Mas isso não me impediu de tentar compreender, através da ótica de Sam Porter Bridges, a representação desse momento tão difícil em que vivemos.
Leia o artigo: Death Stranding em tempos de COVID

A revolução deve continuar
O mercado de jogos passou pelo processo de ascensão e estagnação nessas últimas décadas, pensando em duas gerações atrás, desenvolvedores possuíam muito mais garra para se arriscar e inovar, entretanto, tudo é dinheiro, e uma certa sensação de medo tomou conta das ideias menos comuns. Ainda bem que sempre podemos contar com os “malucos” da indústria, dispostos a tentar algo que ninguém tentaria, sustentando-se na fé da própria arte.
Como consumidores e amantes dos jogos, nosso dever é sempre apoiar esses desenvolvedores, e manter em mente a seguinte pergunta: será que não está na hora de mudarmos as coisas por aqui? Até porque, em síntese, o dever dos filhos é superar os pais, não é mesmo? O que nos aguarda com a popularização da realidade virtual? E os avanços da arte digital? Talvez, as novas técnicas do cinema se mostrem muito mais úteis aos jogos do que para as películas, assim como em Death Stranding! Bem, apenas aguardando os próximos capítulos da história da décima arte para sabermos que maravilhosos jogos revolucionários nos aguardam pela frente.