Olá, meu amigo, fique um pouco e ouça
O primeiro jogo da série Diablo, lançado em 31 de dezembro de 1996 foi, para muitos, o primeiro contato com um RPG de ação. Nessa época, diversos outros jogos haviam apostado no gênero, entretanto, foi apenas depois desse lançamento icônico que pudemos entendê-lo, e em seguida, criar uma tendência. Afinal, o que faz um RPG de ação ser diferente de um simples RPG, e qual fator faz com que ele seja aclamado?
Frequentemente ouvimos sobre Diablo 3, sobre suas mecânicas não tão bem sucedidas, e nesse exato momento aguardamos o lançamento do quarto jogo da série, desenvolvido com foco em retomar as origens. Porém, tudo começou bem antes, quando jogos de combate em turnos eram muito mais comuns. O próprio Diablo nasceu como um projeto rogue-like com foco nesse tipo de gameplay, inspirado por Angband (1992) e NetHack (1987), mas, durante a produção, se tornou aquilo que conhecemos — um filho mestiço do gênero de ação e RPG, forjado no terror e rogue-like. Como resultado dessa mistura, em seu sangue corria uma inovação que mudaria para sempre nossa visão sobre a décima arte.
Antes de prosseguir, gostaria de fazer um pedido. Esse é um texto com trilha musical! Isso mesmo que você leu! Como não falaremos do legado de Diablo, mas sim de suas histórias humanas, se não for pedir muito, gostaria que a música tema de Tristram tocasse conforme sua leitura. Acredito que a música é uma das muitas semelhanças que temos com nossos “amigos” do inferno, e que jogo melhor do que Diablo para representar isso, não?
Os “heróis” de Diablo e a variabilidade do jogo
O jogador pode escolher uma das três classes possíveis, dentre elas, feiticeiro, ladina, ou guerreiro. Todas são importantes para entender a história, possuindo um importante papel no universo do jogo. Inclusive, é esperado que você jogue com todas elas! Por exemplo, em Diablo II, todos os heróis reaparecem, mas prefiro comentar sobre isso em outro artigo, pois não pretendo dar spoilers aqui.
Talvez você esteja pensando: “jogar Diablo três vezes não se torna enjoativo?”. E eu respondo, definitivamente não! Como dito antes, Diablo nasceu do gênero de rogue-like, o que faz todos os 16 níveis nunca serem iguais. Também é necessário jogar mais de uma vez para experimentar todas as missões, a partir do momento em que também são afetadas pela programação procedural. Certamente, a classe escolhida define o seu modo de jogar, junto com seu tipo de diversão.
No meu caso, joguei pela primeira vez como feiticeiro. Frágil e com muito poder destrutivo, esse estilo de jogo faz com que os demônios te temam tanto quanto você os teme. A tensão dos ambientes aumenta, e cada esqueleto que se move nas sombras é uma ameaça considerável, afinal, você não é tão resistente como um guerreiro, ou ágil como uma ladina. Porém, caso saiba se posicionar e fugir do perigo, os exércitos infernais cairão aos seus pés! Pois o mago, é implacável.
O fator replay de Diablo é maravilhoso, e desfrutar das três classes é muito divertido, além de permitir compreender quem são nossos heróis e o que representam. Ainda assim, gostaria de deixar a seguinte recomendação: na história do jogo, a personagem “mais importante” é o guerreiro, como filho do rei de Tristram, muitas das sensações que a Blizzard espera que sintamos, aqui e na continuação, apenas acontecem ao jogar com essa classe.
O universo do Santuário e os acontecimentos de Diablo
Vamos falar de enredo, então. Caso prefira conhecer a história por si mesmo, pule essa sessão do artigo! Diablo é um universo medieval, de alta magia religiosa e formado por mitos cosmogônicos, isto é, lendas que descrevem a origem do universo e de todas as coisas. Muitas das histórias de Diablo aparecem apenas nos livros, os quais chegaram ao Brasil, mas não com a mesma força com que nos EUA. Por isso, nosso foco é apenas no enredo do primeiro jogo.
O senhor do terror, Diablo, junto com seus dois irmãos (importantes para o segundo jogo), buscou invadir o Santuário e escravizar a raça humana, usando o poder dos homens para vencer a guerra contra o Conselho dos Anjos, travada desde o começo da criação. Em certo momento, um grupo de feiticeiros conhecidos como Horadrim derrotam Diablo, aprisionando o demônio em um objeto mágico conhecido como pedra da alma. O local dessa pedra? As profundezas da cidade de Tristram… já deu pra entender, né?
Diablo, após muito tempo preso, consegue se libertar, mas isso lhe custa uma parcela de seu poder demoníaco. Sua primeira tentativa é possuir o rei Leoric, mas, sem sucesso, busca obter poder sobre Lazarus, o arcebispo mais confiado da corte. Lazarus, influenciado pelas forças malignas, sequestra o filho mais novo do rei, que já fragilizado pela tentativa de possessão, fica insano a ponto de comandar seus próprios homens contra a população de Tristram, os culpando pelo sumiço de seu filho. O rei é assassinado após lançar uma maldição sobre a cidade, que se mostra verdadeira quando Lazarus engana o restante da população, os guiando para o covil do demônio conhecido como Açougueiro.

Tristram, a fé dos homens em Diablo
Poucos moradores de Tristram sobreviveram depois desses eventos, ainda assim, eles farão de tudo para nos ajudar em nossa missão de derrotar Diablo. Em certo ponto, nos sentimos parte da cidade, pois entendemos a dinâmica dessas personagens, seus passados, medos, angústias e desejos mais profundos. Estaria mentindo se dissesse que não gosto de sair no braço com demônios e outros inimigos! Mas minha parte favorita de Diablo sempre será voltar para Tristram.
Um ótimo exemplo de como os personagens interagem entre si, sem necessariamente conversarem entre si, é a fofoca. Pepin é um curandeiro muito sábio, mas seus conhecimentos se limitam a isso, medicina. Ele cuida da vó de Gillian, que trabalha como garçonete na taverna de Ogden. Todos gostariam que Gillian fugisse da cidade, mas seu carinho pela vó inspirou caridade nos corações de seus vizinhos. Assim, Pepin, cuida da senhora sem cobrar nada. E Ogden, mantem Gillian empregada mesmo em tempos de crise, já que Tristram é uma cidade fantasma, e os mortos não apreciam uma boa bebida. Isso é apenas uma das várias interações que fazemos ao conversar com os personagens, e tornam Diablo muito mais do que um simples RPG de ação, mas sim, a obra que criou toda uma vertente de desenvolvimento de jogos narrativos.
Esses personagens extremamente carismáticos, com ótimas falas e uma locução ainda melhor, nos mostram como a Blizzard daquela época soube escolher seus investimentos quanto ao orçamento limitado do projeto. Quando o guerreiro compra uma espada do ferreiro Griswold, a ladina compra artefatos contrabandeados de Wirt, e o feiticeiro compra pergaminhos mágicos de Adria, sempre sentimos essa presença realista no jogo, e como Tristram se tornou a linha de frente da fé humana contra Diablo. Aqui, temos um porto seguro contra toda a perversão do inferno.
Diablo, o senhor do terror em Tristram
Como já vimos em outros artigos, jogos criam mundos digitais espelhados em nossa realidade. Por isso, muitos reclamam das representações católicas de Diablo não serem precisas, mas se esquecem das temáticas presentes no jogo, que questionam o que é o ser humano e o que não. Permitindo, dessa forma, um debate filosófico sobre o bem e o mal, e um vínculo ainda maior com o universo de Diablo.
As masmorras do jogo são inteiramente afetadas pela influência de Diablo sobre o Santuário, e Tristram, o pequeno ponto de luz pálido que se sustenta em meio disso. Podemos nos armar e lutar contra nossos inimigos, mas conforme descemos os níveis, e com a dificuldade aumentando, passamos a temer nessa atmosfera cada possibilidade de morte. A primeira frase de nossos personagens ao começar a aventura é: “A santidade desse lugar foi manchada”. E de fato foi! Diablo, através de sua estética gótica, inaugura métodos e técnicas que seriam utilizadas em todos os tipos de RPG até os dias de hoje.
O passado glorioso e o futuro incerto da franquia Diablo
Algo que jogos atuais não tem conseguido executar com clareza (o próprio Diablo 3 falha nisso), é o enredo obscuro e sério, já executado há muito tempo por outros títulos. Pensando na atualidade, Diablo 4 ainda não tem data de lançamento, mas aguardamos o remaster de Diablo 2, anunciado para este ano de 2021! Se existe uma saga de jogos de RPG que vale a pena dar uma chance, é Diablo. Os dois primeiros caso goste da atmosfera, e o terceiro, caso prefira jogos com uma pegada arcade, voltados para rankings e jogador contra jogador.
Espero, como um fã, que a Blizzard possa deixar os erros do passado para trás, dessa forma, olhando para um novo futuro. E você, espero que considere Diablo como uma possível jogatina, cheia de histórias humana e ameaças demoníacas, nos mostrando um padrão de qualidade que envelheceu como um bom vinho.