A história por trás de Fallout 76.
Nossa, e que história. Documentar todos os tropeços e erros da produção e lançamento de Fallout 76 traria material o suficiente para uma série de artigos. Vamos então nos limitar a apresentar aqueles mais relevantes para quem irá jogar.
A obra veio ao mundo em 2018, sendo o primeiro e (torcemos) último passo da franquia no mundo online. Indo na contramão da maior parte da saga, o jogo abandona o ênfase nas escolhas e consequências para focar na jogabilidade e exploração.
Tamanha foi a determinação com essa visão que, no lançamento, o jogo não tinha personagens. Ninguém, além de você, outros jogadores e inimigos habitavam o belíssimo e interessante mundo do jogo, a região de Appalachia, nos Estados unidos.
Não quer dizer que não tem história, longe disso. Por meio de registros de textos e áudios, junto com a forma como os cenários são construídos, quem joga pode descobrir inúmeros contos de heroísmo, traição e, principalmente, tragédia.
Sem contar que, de fato, quem joga pode progredir em uma trama com início, meio e fim, a qual partilha seus eventos com textos e áudios de muita qualidade. Porém, sem personagens e sem acontecimentos no momento atual. Tudo com o que a jogadora interage já aconteceu. É algo que algum personagem (sempre falecido ou desaparecido, nunca presente) tentou fazer, mas falhou ou deixou incompleto,
Ocorre que a decisão de não ter personagens no mundo do jogo, que conseguiu, por si só, afastar inúmeras pessoas do jogo, não foi o único aspecto negativo. Os problemas em seu lançamento são muito mais profundos do que: “falta NPC”.
Escolhas de design infelizes foram responsáveis por fazer as rotinas mais básicas de jogabilidade muito mais desgastantes do que poderiam ser. Isso sem contar os problemas clássicos da desenvolvedora: “bugs”, travadas e problemas de servidor.

Como era Fallout 76?
Muito ruim. Porém, vamos por partes. É fácil se perder em meio de tantos defeitos e más escolhas, os quais, individualmente, não eram tão problemáticos a ponto de estragar o jogo como um todo. Contudo, a união dos diversos pontos negativos presentes no lançamentos colaboraram para afundar completamente a experiência.
Iniciaremos então pelo ponto mais fácil, ou melhor, menos defeituoso: sua história. Infelizmente, ela não faz uso de diálogos interessantes e bem escritos com personagens com os quais uma jogadora pode interagir. Porém, o que ela decide fazer, ela faz muito bem.
Como apresentamos anteriormente, a história utiliza registros de textos e áudios, junto com a preparação da ambientação e máquinas ainda presentes. Inesperadamente, a trama finda sendo muito interessante.
Mesmo que os eventos não estejam ocorrendo no tempo presente na tela do jogo, ainda é possível ver arcos de personagens, reviravoltas e muitos outros aspectos positivos capazes de prender a atenção e a imaginação de quem joga.
A melhor definição comparativa para a forma de progredir nas tramas de Fallout 76 é que são partidas de “Gone Home” (excelente jogo) em escala gigantesca e com alguns tiros.
Todavia, ela carrega um problema considerável. Vejam, algumas das características principais da saga são a liberdade nos diálogos, consequências das ações e a relevância dos atributos do seu personagem nas conversas e acontecimentos. Mas, pela decisão de tirar todos os NPCs e remoção da possibilidade de dialogar com as máquinas existentes, todos os aspectos caem por terra.
Agora, na jogabilidade, a coisa fica feia.
O foco principal do jogo está na coleta de itens, o que engloba armas, roupas, alimentos e, principalmente, sucata, os quais são armazenados em um único estoque. A questão está no fato de que, no lançamento, a quantidade limite que o jogo autorizava a jogadora a ter eram patéticos 400 quilos, os quais eram facilmente preenchidos em 3 a 5 horas de jogatina. Em um jogo que dura, no mínimo, 40.
Outro ponto de tensão eram as necessidades de comer e beber. Com barras que se reduzem muito rápido, a pessoa jogando necessitava estar sempre se alimentando para evitar severas penalidades.
Alguém poderia levantar o válido argumento de que tal elemento faz parte do aspecto de sobrevivência da obra. E estaria certo, caso não fossem os defeitos de design. A rápida redução das barras e o problema da limitação de inventário (não sendo viável estocar alimentos), limitavam artificialmente a exploração do mundo e, ao invés de fazerem da fome e sede desafios imersivos, viravam mais um aspecto inconveniente do jogo.
Quanto aos inimigos, eles também tinham sua parcela de problemas.
Ainda que o jogo utilizasse o sistema de certas regiões terem certos níveis de adversários (o qual esse reles colaborador prefere), por inúmeras vezes, em razão de bugs e defeitos, eles não respeitavam tais demarcações e jogadores inexperientes tinham de lidar com desafios desproporcionais. Sem contar com situações em que os inimigos imortais ou invisíveis eram apareciam no mundo .
Por fim, a progressão também era consideravelmente quebrada. Por ser um jogo em que o amontoado de itens que você possui é parte considerável do progresso, a limitação arbitrária do quanto você pode guardar já era o suficiente para estragar a diversão, contudo, aliada com um desbalanceamento em equipamentos – alguns sendo bons demais, enquanto outros eram ruins demais – desmotivava qualquer um a continuar jogando.
Tudo isso, sem contar os bugs. Para quem não conhece a desenvolvedora, a Bethesda é notória por seus lançamentos com problemas. Porém, de todos, Fallout 76 é seu lançamento em estado mais lastimável.
Problemas de iluminação e desempenho, fazendo com que o jogo rodasse horrivelmente em qualquer plataforma, foram apenas os mais superficiais de seus defeitos.
Em um jogo single-player (para só um jogador) da franquia Fallout, diante de um inimigo problemático ou um erro de progressão, quem está jogando sempre tem a possibilidade de carregar um ponto de salvamento anterior para tentar sanar a situação. Fallout 76, por ser online, não permite isso.
Deparou-se com um inimigo imortal e/ou invisível? Fuja ou saia do jogo. Os servidores apagaram os itens que você tinha coletado ao longo das (muitas) horas de progresso? Que azar, colega.
Todos esses pontos trabalharam em conjunto para fazer de Fallout 76, em seu lançamento, um jogo que, em seus melhores momentos, conseguia ser razoavelmente mediano.
Mas não estamos mais em 2018.

Como está Fallout 76.
Muito, mas muito melhor, mesmo. Ao longo de seus (até o momento) 3 anos de suporte contínuo, os desenvolvedores arduamente lapidaram todos os elementos do jogo, dramaticamente alterando seu núcleo para criar uma experiência satisfatória e, ainda que diferente, digna da franquia.
Vamos iniciar pela atualização mais chamativa: a adição de novas tramas e personagens.
Com as gratuitas expansões Wastlanders e Steel Dawn, a obra inseriu em seu mundo diversos NPCs diferentes, os quais fazem parte de facções distintas. Trazendo assim mais dinamismo para a região em que o jogo se passa.
Contudo, o ponto mais relevante são as aventuras trazidas pelas expansões. Tramas com caminhos e finais diferentes, tendo diálogos influenciados pelos atributos da personagem criada por quem joga, agora norteiam a experiência de exploração.
Sem contar o fato de que até mesmo as aventuras já existentes, que não permitiam a quem jogava nenhuma agência, agora possuem diálogos que contribuem para uma sensação de maior pessoalidade e de poder decisório.
Essas adições trazidas ao jogo favorecem até mesmo as aventuras que permaneceram intocadas. Agora, elas não são mais o único tipo de história que uma jogadora pode encontrar, o que as permitem ter um “maior espaço para respirar”.
Porém, as mudanças na jogabilidade são as que realmente mudaram o jogo.
Com a elevação na quantia disponível de estoque para 1.200 quilos, uma jogadora agora tem maior liberdade de guardar um acervo de itens mais diversificado e extenso. Claro, a necessidade liberar espaço ainda existe, porém ela não é mais um aspecto negativo que permeia toda a experiência.
Junto com tal ponto, temos a mudança de como a fome e a sede funcionam. Sim, ainda são duas barrinhas que reduzem com o passar do tempo, contudo, o funcionamento delas, de forma simples e elegante, melhorou muito.
Em poucas palavras, agora não há malefício algum em deixá-las zeradas, porém, mantendo-as cheias, a jogadora garante bônus para seu personagem. Assim sendo, vira um sistema com o qual você deseja interagir, não mais sendo obrigada.
Quanto aos inimigos, eles também foram modificados. Agora, o mundo do jogo escala ao nível de quem joga, garantindo que sempre haja um desafio na medida para quem joga. Todavia, o jogo coloca um nível mínimo e máximo em determinados inimigos.
Ou seja, uma barata não será um desafio para um personagem no nível máximo, assim como um Deathclaw (um lagarto marombado) não poderá ser derrotado por alguém de nível baixo.
Não considero esse o melhor sistema, mas para o jogo, principalmente por ser online, mostrou ser a escolha certa.
Por consequência, os itens também foram balanceados. Ocasionalmente pode acontecer de encontrar uma arma ou armadura de um nível baixo ou grande demais, porém a regra geral agora é que os itens são muito mais uteis e relevantes para o nível de quem joga.
Analisando os bugs, eles não deixaram de existir. Porém, atualmente, eles não assolam o jogo a todo e qualquer momento, o que já é uma grande vitória quando comparado ao que era antes.
Sim, este reles colaborador já se deparou com um inimigo invencível, quatro vezes se deparou com um grupo de adversários 20 níveis superiores ao seu e uma aventura (quest), ao chegar no seu final, não progredia, sendo necessário sair e entrar no jogo, para então refazê-la toda para que registrasse sua finalização.
Diante de tais melhorias, hoje, o jogo se tornou muito bom e atmosférico, mas com ocasionais problemas, ao contrário de como era antes, um jogo ruim e desagradável, com ocasionais momentos de qualidade.
Vale a pena?
Vejam só, sim! As melhorias alcançadas ao longo dos anos são profundas e vão muito além de “ter mais história”. Nenhuma delas muda o passado e o desgosto que muitos jogadores tiveram. Contudo, caso seja sua primeira vez jogando ou deseje dar uma segunda chance, a obra já trilhou um longo caminho.
Contudo, deixo aqui uma dica. No momento da produção deste texto – abril de 2021 – diversas atualizações muito interessantes que incluem mais melhorias e novas histórias ainda estão por vir ao longo do resto do ano. Ou seja, caso deseje aguardar um pouco, o jogo, que já progrediu bastante, tende a ficar ainda melhor.
Registro do autor: jogado no Xbox series X no modo performance (presente também no series S).