Introdução
Essa é a história de um homem chamado Stanley. Stanley trabalhava para uma empresa em um grande prédio onde ele era o funcionário #427. O trabalho do funcionário 427 era simples: ele sentava na sua mesa na sala 427 e apertava botões em um teclado. Ordens chegavam a ele através de um monitor dizendo quais botões apertar, por quanto tempo apertar e em que ordem. Era isso que o funcionário 427 fazia, cada dia, de cada mês, de cada ano, e apesar de muitos considerarem desgastante, Stanley adorava cada momento em que as ordens chegavam, como se ele tivesse sido feito para esse trabalho.
E Stanley era feliz.
É com essas palavras inesquecíveis que se inicia a Parábola de Stanley. Parábola, de acordo com o dicionário do Google, é uma “narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia”. Em uma primeira jogatina, o jogador pode achar que a mensagem de Stanley Parable sobre liberdade é óbvia, e nem um pouco indireta.
No entanto, jogando mais um pouco e a “mensagem indireta” começa a se manifestar de uma forma um tanto mais… sutil. Conforme sua intro pode dar a entender, Stanley Parable é uma reflexão filosófica sobre liberdade, e também tudo o que vem com ela. As limitações que ela traz, e também como ela funciona em videogames.
Liberdade ou solidão?
The Stanley Parable se trata, a princípio, da história do funcionário Stanley, que acorda um dia em seu lugar de trabalho, sentindo-se diferente, e com todos os seus colegas de trabalho desaparecidos. Agora, ele é o único que pode descobrir o que aconteceu… Ou não. Porque ele não está sozinho, ao seu lado, está o Narrador.
Em primeiro lugar, é importante estabelecer que o Narrador é um personagem tão vital pra história do jogo quanto o próprio protagonista homônimo. Ele é o guia de Stanley ao longo do jogo, e o diz quais decisões ele deve tomar. Então se ele diz que você deve entrar na porta á esquerda, você entra. E desse modo, você segue uma linha narrativa totalmente guiada pelo Narrador. Uma história sobre controle mental e uma mega corporação do mal, que é bem fechadinha, com começo, meio e fim… Ou não.
Não tem fim, porque ao completar o jogo, você desperta de novo no mesmo lugar onde começou. E isso parece ser apenas um recurso de gameplay a princípio, mas acredite, não é. A partir daí, você segue mais uma vez, e mais uma vez, o Narrador fala que você deve entrar na porta á sua esquerda, e você entra… Ou não.
É desse modo, contrariando o Narrador, que começam a se divergir os caminhos do jogo. E é desse modo que o jogo começa a expandir seus temas.
Suspensão de descrença
Suspensão de descrença, também de acordo com o dicionário do Google, “refere-se à vontade de um leitor ou espectador de aceitar como verdadeiras as premissas de um trabalho de ficção.”
Quando se joga um videogame, até os mais imersivos, há um contrato silencioso entre o jogador e o jogo, um contrato de suspensão de descrença. O jogador aceita que, por mais realista e imersivo que o jogo esteja se propondo a ser, ele jamais vai poder reagir totalmente aos seus comandos. Você nunca vai poder se projetar completamente em um jogo.
Logo, quando você joga Skyrim, você precisa aceitar que não pode usar sua magia de fogo para incinerar suas amarras e sair correndo enquanto ainda está em cima da carroça. Você não pode deixar que Chloe seja baleada no banheiro no começo de Life is Strange, mesmo que queira. Mesmo nos jogos mais focados em narrativa e imersão, sempre vai ter alguma coisa que o jogador busca fazer que não é possível. E isso é normal.
Esse é o diferencial de The Stanley Parable. Cada uma de suas rotas dura em torno de 5 a 15 minutos, e isso permite que o jogo reaja (quase) perfeitamente á (quase) todas as atitudes do jogador, até mesmo ficar parado no armário da limpeza por horas. Logo, o jogo se transforma em um embate: uma luta ideológica entre Stanley, ou seja, você, contra o Narrador, que nessa analogia, seria mais próximo de um desenvolvedor. O Narrador tenta te prender a um caminho predefinido, e você como jogador pode aceitar essa noção ou se rebelar completamente, ou algo no meio termo. O jogo tem vários finais e pode acomodar essas várias ideias.
Liberdade em games
Afinal, o jogo precisa te dar liberdade a esse ponto? Sendo direto ao ponto, a resposta é não.
Por mais que um RPG como Cyberpunk ou Fallout se venda como um playground de escolhas, ou por mais caminhos que a narrativa de Detroid: Become Human pareça oferecer, como toda boa obra de arte, elas são feitas por mãos humanas e jamais poderão levar em consideração qualquer decisão que o jogador vai tomar. E até bom que o número seja limitado, afinal isso significa mais variação entre as possíveis alternativas que a narrativa vai te apresentar.
Talvez um dia vejamos um jogo que consiga fazer isso. Há cada vez mais avanços na área de inteligência artificial, e em um futuro um pouco distante, talvez exista um jogo cuja narrativa pode se adaptar automaticamente às escolhas do jogador. Mas por enquanto o mais próximo que temos disso provavelmente é a Parábola de Stanley, que é um jogo divertidíssimo por si só.
Desse modo, The Stanley Parable se apresenta como uma experiência que vale totalmente a pena de se jogar. Você entra no jogo, e vai experimentando todas as variações possíveis que se pode fazer, descobrindo por si só ou lendo algum tutorial na internet, o que importa é ter esse vislumbre de como funcionaria um jogo com total liberdade. Então se estiver pronto, desligue sua suspensão de descrença e embarque de vez na história de Stanley. Garanto que não vai se decepcionar. O jogo está disponível para Mac, Windows e Linux.