Há muito tempo, existia um tempo onde creepypastas de jogos perdidos estavam em alta. Nós temos várias e várias, existe todo um universo desse tipo de lenda urbana. E enquanto lendas urbanas em games são um tema super interessante para um artigo próprio, aqui nós vamos falar de um jogo que definitivamente parece ter saído de uma dessas histórias, especialmente porque ele é completamente injogável hoje em dia.
Isso mesmo. Estamos falando daqueles raros casos em que um jogo não é mais jogável, de modo nenhum, e foi perdido para sempre. Afinal, na era digital onde há um grande esforço para a preservação de videogames, isso sequer é possível? E como se trata de um jogo de PC, nenhuma cópia foi salva? A pirataria não poderia ajudar nesse caso?
Por motivos bem específicos, Moirai é um jogo que se perdeu, desde 2017, para sempre. Logo, só quem pode preservar a sua memória são aqueles, que como eu, experienciaram o jogo enquanto ele ainda estava disponível para download. De modo a preservar sua memória, esse artigo é dedicado á seus desenvolvedores, Chris Johnson, Brad Barrett e John Oestmann.
Vamos relembrar o perturbador jogo de suspense que criou um dos experimentos mais incríveis que eu já vi em um videogame.
Fique um pouco e escute…
A primeira coisa a ressaltar sobre Moirai é a sua estética, imediatamente chamativa. Para quem é fã de histórias de terror sobre jogos perdidos, sabe que elas costumam girar em torno de jogos antigos. Afinal, não existe ambiente melhor para o medo do que um jogo datado, e isso não poderia ser mais óbvio.
Para quem cresceu em uma época onde a internet não era o gigante que é hoje, uma época onde nós liamos detonados para completar os jogos, tudo parecia mais mágico, não é? Mágico, e também mais misterioso. Mais opressor. E a estética de videogame de PC dos anos 90 de Moirai evoca exatamente isso: evoca o mistério, o medo e o suspense, tudo isso enquanto mistura com o gosto de uma infância que se foi há muito tempo.
Moirai começa com uma premissa simples: você é um morador de uma pequena vila, e uma mulher sumiu. Julia é seu nome. Logo, cabe a você ir nas cavernas e descobrir o que aconteceu, e esse é o grande foco do jogo. Por enquanto, na vila, você pode conversar com as crianças e outras pessoas, além do próprio padre da vila. Cada uma delas dá uma visão sobre a pobre mulher desaparecida, e outros detalhes interessantes.
“Julia perdeu seu filho na caverna logo após perder o marido. Pobre Julia.”
“Minhas preces para a pobre Julia. Faz um ano desde que seu marido faleceu […] Ela deve estar de luto, você poderia visita-la na sua casa?”
“Eu escutei que há ouro na caverna, mas tenho muito medo de entrar.”
“Eles dizem que tem um pequeno garoto que te assombra no ombro.”
Para o desconhecido
Explorando um pouco os arredores da vila, encontramos o lenhador. De acordo com ele, ele e seu irmão estavam cortando madeira quando escutaram gritos vindo da caverna próxima. Ele lhe entrega uma lanterna, e você finalmente entra na caverna.
Caminhando ao desconhecido, você encontra o irmão. Ele lhe avisa que talvez seja perigoso seguir, e que lhe entrega uma faca. Afinal, é melhor prevenir do que remediar, certo? E assim, o protagonista segue na caverna. A partir daí, você tem três caminhos possíveis. Um deles leva para uma área fechada, com o esqueleto decomposto do que parece ser uma criança morta. Próximo do cadáver, há um buraco com algo brilhante dentro… Mas fora do seu alcance.
Outro caminho leva para outra área, cheia de marcações na parede, ferramentas que foram usadas para tais marcações, e um livro escrito “Fazendeiros.” Dentro há vários nomes diversos, algo que não vem ao caso no momento.
Um fazendeiro se aproxima…
Finalmente, seguindo pelo caminho principal, em meio á escuridão, uma figura sombria se aproxima. Com uma lanterna em mão, e uma faca na outra, um fazendeiro se aproxima, completamente coberto de sangue. O jogo então lhe oferece a possibilidade de fazer três perguntas.
Por que você tem sangue pelo corpo?
Por que você tem uma faca?
Eu escutei gritos, o que você fez?
As respostas para essas perguntas, por mais incrível que pareça, são irrelevantes no momento, mas vocês logo vão saber o que o tal fazendeiro respondeu. O que importa, é que após escutar o que ele tem a dizer, o jogo lhe oferece uma decisão.
Deixar o fazendeiro passar, ou mata-lo?
A decisão fica nas suas mãos, jogador.
Julia
Independente da sua decisão, o jogo continua. Após isso, o jogador continua nas cavernas até se deparar, no meio da escuridão, a visão do branco tingido de vermelho. Uma mulher deitada, ensanguentada e sangrando até a morte. Julia.
Julia explica sua história. Ela conta que veio até as cavernas para acabar com a própria vida. Seu marido, um minerador, encontrou uma pepita de ouro, e ela finalmente pensou que poderiam se aposentar. Mas por ganância, o marido não confiou na esposa com a pepita, e acabou a enterrando e enlouquecendo. Logo depois, o marido desapareceu. Pouco tempo depois, seu pequeno filho foi procura-lo. Mas ele se perdeu nas cavernas, e nunca mais foi visto.
“Mas ele nunca saiu da caverna. Eu fui procura-lo e não consegui encontrar. Agora é tarde demais. Eu não tenho ninguém.”
“Você vai me ajudar? Vai me ajudar a acabar com minha vida?”
O jogo mais uma vez oferece duas escolhas. Matar Julia ou sair pra procurar ajuda. A escolha mais uma vez, fica nas suas mãos. Na minha experiência, quando joguei, eu me recusei. Julia então me chamou de covarde, e jogou seu próprio sangue no protagonista, tingindo a roupa de sangue.
Então, eu caminhei para sair da caverna. E mais uma vez…
Um fazendeiro se aproxima…
Um fazendeiro se aproxima. Portando uma lanterna na mão e uma faca na outra, ele está limpo. Mas eu estava cheio de sangue. E então, ele começou a falar.
Por que você tem sangue no corpo?
E o jogo então oferece a possibilidade de você digitar a resposta. E assim se segue.
Por que você tem uma faca?
Eu escutei gritos, o que você fez?
Após digitar as respostas, o jogo mostra mais uma mensagem.
É assim que essa história deve acabar. Pelo menos, por ora. Cabe ao próximo jogador desse jogo decidir o seu destino. Assim como você escolheu do outro jogador.
Então, o jogo pede seu nome e e-mail. Logo após, o jogo avisa que você receberá um e-mail do seu destino.
O final trágico
Moirai, por fim, se tratava de um pequeno experimento social multijogador, disfarçado de um jogo singleplayer. É uma ideia bem interessante e uma das execuções mais criativas para multijogador em um jogo. De fato, é sempre interessante ver jogos que trabalham com a ideia de multiplayer assíncrono, como, por exemplo a série Souls e Death Stranding. É uma ideia bem genial, e um pequeno, e divertido experimento.
Infelizmente, o jogo foi alvo de vários ataques de hackers ao seu servidor, e os desenvolvedores foram obrigados a fechá-lo. Sem um servidor para hospedar as respostas, o jogo não pode funcionar, e sua mecânica principal fica inútil. Por isso, ele foi simplesmente fechado, e deixado de mão. Uma vítima de ataques ridículos de pessoas que não tinham o que fazer além de atacar um pequeno estúdio independente. Mas o que Moirai nos deixa é o curioso caso de um jogo perdido, digno de estar em uma creepypasta, com uma ideia simples, mas que rendia uma experiência ótima.
Que bom que graças à internet, a experiência ainda pode ser lembrada pelo Youtube. Há vários vídeos de pessoas jogando o jogo na sua época, e é sempre divertido ver as reações de cada um com o plottwist do final. E que assim seja, que Moirai seja lembrado.