Quando falamos sobre jogos indies, imaginamos um game legal feito por um pequeno grupo de pessoas, que muitas vezes remetem á estilos antigos de jogos, ou ideias totalmente novas. Mas existem alguns jogos que são feitos por uma única pessoa. Embora seja muito trabalhoso fazer tudo sozinho, existe a vantagem do jogo sair perfeitamente do jeito que você queria, em jogabilidade, história, trilha sonora, gráficos, tudo. E este é o caso de Undertale e suas rotas.
Atenção: Este artigo contém grandes spoilers do jogo Undertale.
Como é o jogo?
Undertale é um jogo de rpg com vista por cima. A história fala de que há muito tempo houve os humanos e monstros viviam em harmonia, até que em algum momento eles travaram uma guerra. Os monstros foram massacrados nesta guerra, e os que restaram foram banidos e selados no Submundo, presos por uma barreira mágica que nunca conseguiriam atravessar. Porém há uma montanha especial, que possuí um buraco que é a única passagem para o mundo dos monstros, algumas crianças que brincam pela montanha as vezes caem neste buraco. E você é uma delas.
No jogo você irá interagir bastante com NPCs e o cenário para aprender mais sobre a história. Ele possuí um sistema de batalha bem interessante, onde você pode enfrentar os monstros do jogo, ou pode decidir interagir com eles, conversando e tomando ações, e no final chegar numa solução pacifica, sem precisar matar ninguém. Durante o combate, quando os inimigos te atacarem, você deve desviar dos ataques, transformando o jogo num mini-game de coordenação, funciona muito bem e deixa as batalhas mais dinâmicas. Você ganha EXP ao matar os monstros, subindo então de LV e ficando mais poderoso, como costuma ser em jogos de RPG.
Tudo isso acompanhado de uma trilha sonora incrível, personagens cativantes, e muito humor!
Rota Neutra
O humano que você joga quer voltar para casa, o que significa que você deve ir até a barreira do selo onde só um humano consegue atravessar e voltar para a superfície. Logo de inicio você conhece o personagem Flowey, que é uma flor que fala. Ele tenta ser amigável com você, até te explicando que você pode matar monstros para ganhar EXP e subir de LV, que não significa Level (nível), mas na verdade significa LOVE (amor). Porém era tudo um truque para te matar, Flowey se mostra ser bem malvado e psicopata, com filosofia de que neste mundo tudo é matar ou morrer.
O Rei dos monstros, Asgore quer juntar 7 almas humanas para conseguir poder suficiente para quebrar a barreira, e você é justamente a sétima ultima alma restante. A barreira fica no castelo do rei, então você tem uma longa aventura com vários monstros querendo te matar para conseguir a sua alma e ter a liberdade deles. Cabe a você escolher quem irá matar, e com quem será pacifico.
No decorrer o jogo você nota que os monstros não são tão ruins, eles tem uma vida como a dos humanos, sentimentos, objetivos, medo, hobbies… é uma guerra que nunca fez sentido.
Ao alcançar a sala do Rei, ele está determinado em matar você, e então a batalha acontece. Enfim, quando você vencer o combate e estiver pronto para atravessar a barreira e zerar o jogo… Flowey aparece sorrateiramente, rouba as outras 6 almas humanas e absorve elas, se tornando um ser extremamente forte e… o jogo fecha
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Ao reabrir o jogo, você percebe que seu Save não existe mais, e que o Flowey tomou controle sobre o jogo e criou o próprio save dele. Ele destruiu o mundo do jogo, sobrou apenas você e ele. Você pode enfrentá-lo, sendo ele o verdadeiro boss final. É uma batalha difícil e interessante, onde cada vez que você morre, o Flowey fecha o jogo na sua cara, zoando você toda vez que volta para “apanhar mais”.
Após finalmente vencer a batalha contra Flowey, o jogo volta ao normal, você consegue atravessar a barreira e voltar para o mundo dos humanos, e assim o jogo se encerra. Essa é a conclusão da Rota Neutra, a mais simples entre as rotas de Undertale.
Isso é tudo?
Embora seja um final bem conclusivo, fica uma sensação estranha de que “não é possível, deve ter mais coisas nesse jogo”. Existe o personagem Sans, que é um esqueleto carismático que aparece várias vezes no jogo fazendo piadas de tiozão. Entretanto ele sempre parece saber mais do que aparenta. Pouco antes do final do jogo Sans explica que que EXP que você adquire nas batalhas não vêm de “Experience”, mas de “EXecution Points” (Pontos de Execução), também explica que LOVE é outra sigla também, referente á “Level Of ViolencE” (Nível de violência). Isso tudo é uma grande surpresa, já que estamos muito acostumados com o conceito padrão de Nível e pontos de experiência.
Rota Pacifica
Com isso vem a curiosidade de se finalizar o jogo com o menor LOVE possível, conhecido como “Rota Pacifica”, onde você finaliza o jogo sem matar absolutamente nenhum monstro. É a mais completa entre as rotas de Undertale.
Ao jogar novamente, porém desta vez sem matar ninguém, o jogo em geral parece “mais alegre”, monstros te tratam melhor, viram seus amigos, você sai em um encontro com um esqueleto, é como se estivesse assistindo um episódio de desenho animado. Porém as batalhas se tornam mais complicadas, já que você não sobe de LV e sua vida permanece baixa, você deve escapar muito bem dos ataques enquanto interage com o monstro pra resolver de forma pacifica.
Também é interessante que mesmo após ter reiniciado o jogo, alguns personagens tem lembranças um pouco vagas de já terem visto você antes, um detalhe muito bacana que dá uma importância maior para cada jogatina sua. A rota pacifica também traz muito mais informações sobre a história do jogo em geral.
O final na rota pacifista é diferente, desta vez o Flowey absorve todas as almas de humanos e monstros também, se tornando ainda mais poderoso. Mas no final você com o bom e velho poder da amizade consegue derrota-lo no final. Flowey acaba fazendo se único ato de bondade e usa seu poder para destruir a barreira do submundo, assim libertando todos os monstros.
Temos um final feliz com os monstros vivendo em paz com os humanos novamente, se adaptando a nova sociedade. Fim.
É um final bastante satisfatório, ótima hora para encerrar com o game com este final onde todos os personagens estão felizes.
…Mas é claro que vem aquela curiosidade: “Então o que acontece se eu matar todo mundo?”
Rota Genocida
Mesmo que você acabe matando todos os monstros em sua primeira jogatina, é capaz que você tenha ido pela Rota Neutra. Para conseguir seguir pela Rota Genocida, você deve matar absolutamente todos os monstros, ou seja, você deverá andar pelo cenário derrotando monstros nos encontros aleatórios até não sobrar mais nenhum em nenhuma área.
A Rota Genocida de Undertale é mais pesada entre as rotas, os personagens te tratam como uma aberração desumana, máquina de matança sem sentido, por que você estaria matando todo mundo desse jeito?
Mas é interessante ver como a atmosfera do jogo muda, as musicas ficam mais sinistras, as cidades ficam vazias pois os NPCs todos fugiram, permitindo você roubar as lojas. Alguns mais corajosos soltam frases de determinação em te impedir para salvar seus entes querido. Nem parece o mesmo Undertale que você conhece, é definitivamente a mais diferente entre as rotas…
Perto do final o personagens Sans decide batalhar com você, e é um dos combates mais interessantes no jogo, pois Sans tenta quebrar algumas regras de gameplay para conseguir derrotar você, coisas com causar dano na tela de menu para te atrapalhar, atacar mais de uma vez no turno dele, ele chega até mesmo a não atacar de propósito só para o turno dele não terminar e assim você não conseguir ataca-lo mais. É uma batalha muito criativa e marcante, mais uma vez quebrando a quarta parede do jogo.
Após vencer o Sans, você mata o rei Asgore e o Flowey sem piedade, você já está muito forte, nada pode te impedir, você matou todos.
Então, chega a parte mais interessante. De repente um personagem novo aparece, conhecido como “A primeira criança”, foi a primeira a cair no submundo desde que ele foi selado. Essa criança também tinha tendências psicopatas no passado, e graças á sua violência desencadeada na rota genocida, acabou despertando a Alma da primeira criança de volta. A criança, se alimentando de sua sede de sangue, é um ser bem mais poderoso que você, e então ele decide conversar com você.
A Primeira Criança propõe a você se tornar parceiro dela. Ela explica que não existe mais nada neste mundo para seres como vocês, e sugere que devíamos destruir esse mundo por completo. Você pode concordar ou não com isso. Se você concordar, bem, o mundo é destruído e o jogo fecha. Se você discordar, a criança explica que você não está mais no controle do jogo, ela vai e destrói o mundo de qualquer forma.
Quando isso acontece, ao abrir o jogo novamente, não existe nada, apenas uma tela preta, e um “som de vazio”. Você não consegue mais jogar o game.
Se você insistir na tela preta, a criança aparece novamente, fascinada que você quer voltar ao jogo, sendo que foi você mesmo que matou a todos. Ela pergunta se você acha que está acima das consequências, e então oferece uma proposta: Você oferece sua alma do jogo para a criança, e ela restaura o mundo de volta. Só lhe resta concordar com a proposta, e assim Undertale volta ao normal, podendo ser jogado novamente o que quiser. Esta é a conclusão da rota genocida.
Vamos refletir
O que eu gosto muito em Undertale e suas rotas, é que parece que ele prevê as ações do jogador. Supondo que você jogue o game de forma crua, sem conhecer sua história antes. É muito provavel que você acabe seguindo pela rota neutra primeiro, pelo puro costume de matar inimigos em jogos de RPG. Depois experimentar a rota pacifista pois é bem simples. Já para a Rota Genocida, é dificil saber que você deve esgotar os encontros aleatórios, o jogo nunca te indica isso. É uma informação que você provavelmente vai adquirir na Internet, o que deixa mais provável que a Rota Genocida seja a ultima que irá jogar.
É interessante como os personagens questionam o motivo de você estar matando todo mundo na rota genocida. Realmente, de um ponto de vista da história, não faz sentido seu personagem decidir matar a todos. Isso é uma escolha do jogador, e afinal por que você, jogador, decidiu matar todos os monstros? Pelo desafio, diversão, ou pela curiosidade de ver o que acontece na história, você decidiu agir como um serial killer? Claro, é só um jogo afinal! Depois é só recomeçar um Novo Jogo e fazer qualquer outra rota pra explorar mais.
Porém, na rota genocida A Primeira Criança pergunta se você pensa que está acima das consequências. Nós como jogador pensamos isso mesmo, é um jogo, podemos criar multiplos saves, experimentar múltiplas rotas e possibilidades, sejam pacificas, ou sejam violentas.
Cheguei a pensar uma vez que é um ato que pode ser natural do ser humano. Se você fosse pudesse controlar o mundo, voltar no tempo, sem nenhum problema ou consequência, e fosse um ser super poderoso, o que você faria? Ajudaria as pessoas, seria amigo de todo mundo, criaria um mundo melhor? Uma hora você iria se cansar, se entediar, e a curiosidade começa a atacar. “E se eu fizesse diferente aqui, como essa pessoa teria reagido?”, então você experimenta, e depois volta atrás. Não haveria consequências.
O Undertale tenta mostrar esse conceito para nós em uma de suas rotas, a Genocida. Faz você tomar responsabilidade pelo ato de matar todos monstros colocando sim uma consequência. Ao vender a alma para a criança, o jogo volta ao normal. A partir daí você pode, por exemplo, fazer a rota pacifista novamente só para deixar o game num final feliz. Mas não existe mais final feliz. Agora, no final da rota pacifista, seu personagem sempre será possuído pela Primeira Criança, e ela irá matar todos os monstros no seu lugar. Não tem como evitar isso. Seu jogo fica pra sempre manchado que você foi um genocida, e você não poderá “voltar atrás e fazer a rota feliz agora”. Seu poder de jogador de fazer saves, loadings e resets sumiu, pois o jogo tem um ser mais poderoso que seu personagem.
Este game me faz pensar em como matamos monstros ou humanos em qualquer jogo de videogame, claro que não teríamos compaixão por personagens fictícios figurantes. Mas o ato de “matar por ser divertido” tem um pesinho novo na consciência após ver este ponto de vista em Undertale e todas suas rotas.
Você pode adquirir Undertale na Steam, Microsoft Store, Xbox One, Playstation 4, Playstation Vita e Nintendo Switch.