Introdução
Uma das principais lutas do site Garota no Controle é o maior acesso a games para a sociedade, e com isso em mente, trouxemos hoje uma entrevista sobre como funciona o processo de tradução feito por fãs de um jogo. A equipe Cortéx traduziu o jogo OMORI e Psychonauts, e assim que ficamos sabendo disso, pedimos uma entrevista para ajudar a divulgar o trabalho deles.
Com isso esperamos tornar mais popular ainda esse tipo de atitude que benefícia inúmeros jogadores que não teriam como aproveitar o jogo da melhor forma devido a limitação do idioma.
Joguem Psychonauts e OMORI, e divulguem o trabalho dessa equipe para que mais pessoas saibam sobre essas traduções realizadas.
Entrevista
Garota no Controle: Quais os desafios de trabalhar com tradução de jogos?
Equipe Cortéx: Os desafios já começam na escolha do jogo, que, além de poder já ter uma tradução em desenvolvimento ou completa, pode ter uma empresa ou código não tão acessíveis e amigáveis, com a edição de código sendo uma grande primeira barreira, englobando a possível falta de ferramentas para isso, falta de caracteres como “Ç” ou “Ô e bugs mais extensos que variam de jogo para jogo, como todas as letras em caixa alta, caracteres especiais aparecendo incorretamente e etc. Depois disso, temos os problemas na tradução em si, que é a parte mais extensa e cansativa do projeto, como frases que ficam maiores e acabam saindo da caixa de diálogo, localização de expressões e gírias, piadas e a localização de frases no jogo dentro dos arquivos e vice-versa. Os testes iniciais se resumem em fazer os textos funcionarem, sem bugs como os citados anteriormente, depois que corrigimos erros relacionados à escrita e pequenos ajustes mais secundários, preparando para o lançamento da primeira versão jogável.
Temos inúmeros desafios externos também, como a distribuição, download e aplicação do mod, que é o essencial para o público. O feedback pós lançamento também é muito complicado, porque precisamos que a comunidade entenda que algumas localizações são questão de gosto, enquanto outras são os erros na língua portuguesa. Tentamos nos manter o mais fiel possível com o jogo original, mas existem momentos que uma frase possui inúmeras localizações corretas e que se encaixam, sendo impossível escolher uma em que toda a comunidade fique satisfeita. Aceitamos e queremos feedback, mas isso não significa que todos chegarão no mod.
Sofremos muito também com a pirataria, com ports e versões possuindo nosso mod sem qualquer autorização na tradução de OMORI. Pirataria é um assunto complicado e cada um de nós possui a opinião própria, mas como queremos manter boas relações com os desenvolvedores, com a possibilidade de oficialização dos mods sendo um sonho, não apoiamos esse tipo de coisa e não queremos relação alguma com versões alternativas.
Garota no Controle: Como a equipe de vocês se formou?
Equipe Cortéx: Acredito que nossa equipe possui uma história que difere um pouco de outras, ela surgiu de um jeito extremamente descontraído e solto. Dois de nossos tradutores se encontraram acidentalmente no server oficial de OMORI, um acabou animando o outro para a criação de um mod em PT-BR, chamando um terceiro tradutor e criando uma conversa privada no Discord com os três, simples assim. Logo a base e a fonte tradução foi tomando forma e criamos o Twitter do OMORI Brasil, seguido pelo Discord oficial da tradução. A partir desse ponto, começamos a receber vários pedidos de recrutamento, aceitando a grande maioria, que se tornaram os membros atuais da equipe.
A tradução fluiu ao decorrer do tempo e foi lançada após alguns meses, meses esses que acabaram levando alguns de nossos tradutores. Após finalizarmos o mod, acabamos ficando com vontade de continuar com o projeto, e o jogo escolhido acabou sendo o Psychonauts, que estava com a sequência anunciada e um de nós conseguiu espalhar o gosto pelo jogo com os outros. Poucos tradutores novos foram escolhidos com o segundo jogo, mas acreditamos que agora estamos com a Equipe Córtex formada e sem qualquer receio de outro membro sair.
Garota no Controle: Como vocês recrutam pessoas novas para equipe?
Equipe Cortéx: Com os meses de tradução, recebemos diversos pedidos, seja pelo Discord ou Twitter. Inicialmente não aceitamos a maioria, mas temos uma pequena lista informal de pessoas que nos chamaram antes, lista essa que é a nossa prioridade quando estamos precisando de ajuda.
Mas agora, com a oficialização da equipe, pedimos que os pedidos de recrutamento sejam feitos pela mensagem direta do nosso Twitter principal ou pelo email da equipe. No momento que julgarmos um recrutamento necessário, daremos prioridade à essas pessoas.
Garota no Controle: Porque escolheram traduzir Omori e Psychonauts?
Equipe Cortéx: Especialmente por serem jogos queridos por membros da equipe, mas também pelo contexto de cada jogo. OMORI era um jogo muito aguardado e com os desenvolvedores incentivando traduções, além de que seu mod se tornou ainda mais necessário depois de sua popularidade aumentar absurdamente no Brasil. Já com Psychonauts, sua sequência estaria relacionada com a Xbox Game Studios, garantindo uma popularidade imediata, e estaria muito conectada com a história do primeiro jogo, que ainda estava sem uma tradução.
Garota no Controle: No caso de Psychonauts, por estarmos falando de uma obra antiga, existiram alguns desafios em relação a sua idade?
Equipe Cortéx: A idade do jogo pode tanto facilitar uma tradução, por aumentar as chances dele possuir uma comunidade modder com um histórico útil para a edição do código, que é inexistente com a maioria dos jogos recentes, como dificultar e muito, com a falta das formas mais parametrizadas de desenvolvimento em jogos atuais, que facilita muito o processo de tradução. Como exemplo disso, temos a edição de imagens de Psychonauts, que está sendo necessário um programador americano criar diagramas no papel para descobrir quais bytes de um arquivo em um formato específico representam certa parte do cenário, enquanto no em OMORI simplesmente editamos e substituímos as imagens dos arquivos. Mas a dificuldade não está muito relacionada apenas com a idade, mas sim com a boa vontade da empresa, como foi o caso com OMORI, a popularidade do jogo, a linguagem de programação e os próprios arquivos em si. As dificuldades relacionadas com a idade também podem se relacionar mais com a gameplay em si e a disponibilidade dele, como qualquer jogo mais velho.
Garota no Controle: Que motivo levou vocês a traduzirem? Ajudar mais pessoas a terem acesso aos jogos?
Equipe Cortéx: Mesmo com o projeto tendo um começo extremamente informal e fundando amizades, nosso objetivo sempre foi tornar jogos ótimos mais acessíveis para o público que não fala outras línguas, fazer um trabalho fiel ao original e de qualidade. Mas com os mods também servindo como uma espécie de “carta de amor” aos desenvolvedores originais do jogo, com o objetivo de divulgar ainda mais sua obra e aumentar comunidades.
Garota no Controle: Existe alguma forma da tradução se tornar oficial do jogo? Como aconteceu recentemente com Divinity II.
Equipe Cortéx: A forma mais comum seria entrar em contato com os desenvolvedores ou empresa original do jogo em si, pedindo sua oficialização e mostrando todo o trabalho junto do apoio da comunidade, que se torna essencial nessas horas. Já tentamos oficializar a tradução do OMORI sem sucesso, com o retorno da empresa em aberto, mas provavelmente tentaremos novamente em algum momento. Ainda não estamos prontos para tentar oficializar o mod de Psychonauts, querendo apenas no futuro, mesmo com a descrença de que seja aceita, pela Xbox Game Studios ser a nova empresa por trás da Double Fine e a possibilidade de um remake para o jogo de 2005.
Garota no Controle: Quanto tempo demorou para traduzir Omori e Psychonauts?
Equipe Cortéx: OMORI foi um projeto complicado, principalmente por ser o primeiro e por complicações no código, a principal delas sendo uma forca, onde a quantidade de letras e suas disposições eram totalmente diferentes da versão original, abrindo margem para inúmeros erros. A tradução do jogo começou entre o fim de dezembro e o começo de janeiro, logo após o lançamento do jogo original, chegando em níveis finais no dia 12 de abril e chegando na sua versão definitiva no dia 7 de julho.
Já Psychonauts, foi um jogo bem mais consistente em questões de código, além de possuirmos uma equipe mais experiente. A tradução começou no início de julho, quando OMORI estava próximo de sua última versão, e chegou nos seus níveis finais nessa semana! No dia 3 de setembro, com apenas os sprites sobrando para um patch previsto para o futuro, também com a previsão do código ser bem mais consistente e resultar em menos erros.
Garota no Controle: Vocês já tem ideia de qual o próximo jogo que vão traduzir? Já estão trabalhando em outra?
Equipe Cortéx: Temos uma outra pequena lista informal de possibilidades de traduções entre os tradutores. Muitos jogos já passaram por ela, mas a maioria é eliminada por não ter uma versão disponível no PC ou por já existirem traduções feitas por fãs, mas já temos um jogo em mente que está crescendo no nosso interesse. Por enquanto, tudo ainda está no papel por estarmos focando em traduzir os sprites de Psychonauts, como fizemos com OMORI.
Garota no Controle: Como costuma ser a reação das pessoas com uma tradução nova?
Equipe Cortéx: A reação com ambas de nossas traduções foram extremamente positivas, seja pela pessoa gostar do jogo em si, por não ter jogado pela falta de uma tradução ou até mesmo por simplesmente apoiar ações como essas, que tornam o jogo acessível para mais pessoas. Ainda temos a minúscula parcela da internet que considera ridículo pessoas não saberem falar inglês, mas acreditamos que não devemos dar atenção a esse tipo de pessoa, ainda mais quando temos ótimas pessoas nos apoiando, incluindo até mesmo grandes streamers.
Garota no Controle: Se alguém quiser ajudar vocês, como entrar em contato?
Equipe Cortéx: Agora, com a recém lançada tradução de Psychonauts, estamos preparados para ondas de feedback relacionadas a erros, que são inevitáveis, mesmo com testes extensos. O melhor lugar para esse tipo de feedback, assim como outros assuntos diretos, é nosso Twitter oficial da Equipe Córtex ou nosso e-mail.