Introdução
Lembra da era de ouro dos jogos de plataforma dos anos 90? Nesse sentido, até quem não nasceu nesta década com certeza ouviu falar dessa época, na qual o gênero dominava a indústria dando à luz a títulos para diversos consoles da época. Certamente, quem foi vidrado nas diversas produções deste estilo, ou jogou Actraiser, ou pelo menos ouviu falar. Como também viu um de seus anúncios nas revistas de videogames daqueles anos.
A saber, temos uma bela lista de jogos de plataforma caso se interesse, neste link.
Além disso, a Enix (pré Square-Enix) gerou seu sucessor Actraiser 2 dito de não ser exatamente uma sequência, mas carrega referências ao anterior. Agora, um detalhe que ficou oculto para muitos é que a franquia faz parte de uma série com um Universo maior do que é apresentado tanto no título original como no segundo.
Trilogia do Céu e da Terra
Por acaso, você sabia?
Existem outros jogos do gênero Ação/RPG na qual suas histórias se utilizam de elementos já conhecidos de Actraiser, incluindo alguns personagens e ocorrências do lore geral. Estes, são um total de três. O primeiro sendo Soul Blazer, seguido de Illusion of Gaia e o Terranigma, assim formando a “Trilogia do Céu e da Terra” (Heaven and Earth Trilogy) como é conhecido pela fanbase.
Aliás, existe um título de Playstation chamado de The Granstream Saga, criado pelo mesmo designer gráfico da trilogia de Snes, Koji Yokota. O jogo é citado como parte integrante da saga, um sucessor espiritual da trilogia. Apesar de limitar conexões e nomes por questões de direitos autorais, o estilo de jogo na formar de explorar, câmera e combate lembram bastante os RPGs da Quintet/Enix.
O que foi Actraiser?
Em primeiro lugar, Actraiser é um jogo de plataforma 2D com elementos de estratégia, fruto dos primeiros anos de vida do Super Famicom (Japonês) e que em seguida veio para o ocidente, no Super Nintendo. Assim, foi lançado pela Enix em 1990 em que se tornou um dos grandes sucessos do gênero na era era 16-bits. Ele foi produzido pela finada Quintet, que também trabalhou nos outros títulos citados neste artigo.

Sobretudo, o título se debruça em mitos judaico-cristãos em seu enredo e cenário, tanto quanto seus personagens principais. Em síntese, na versão japonesa o herói principal é o próprio Deus cristão, este que se encontra em sua eterna batalha contra ninguém menos que Satã. Por questões de censura a versão americana sofreu mudanças nesse elemento, onde Deus foi renomeado The Master e Satã, O Maligno Tanzra.
Então, pelo fato de nós do lado de cá do mundo termos contato com a segunda versão, citaremos os dois personagens como se encontram nela.
Outro detalhe importante se encontra nas faixas de música do jogo. Quem for atento ao ramo de composição de músicas para games, conhecerá Yuzo Koshiro, autor das renomadas trilhas da franquia Streets of Rage. Ao mesmo tempo, ganhou fama em Sonic The Hedgehog, franquias Ys e Shenmue.

A eterna batalha do Céu contra o Inferno
O Mestre (The Master) e seus anjos travam uma batalha de grandes proporções contra Tanzra e seus minions. O primeiro perde a batalha e acaba tendo que recuar para dentro de seu palácio dos céus, pois suas feridas foram profundas.
Assim, O Mestre entra num sono profundo por séculos na qual permitiu a Tanzra dominar toda a terra por meio de seus exércitos. Logo, Tanzra inicia seu domínio separando a superfície do mundo em seis regiões, cada um guardado por seus asseclas de maior poder. No momento em que o Senhor dos Céus desperta de seu sono, vê que praticamente todos os habitantes da terra se tornaram seguidores do ser Maligno.
Em seguida, o Senhor dos Céus se vê desprovido de poder, pois qualquer Deus conhecido de qualquer dos nossos mitos ou folclores só se mantém poderoso se tiver devotos. Desse modo, O Mestre por intermédio de seu arcanjo assistente começa a reunir os poucos devotos que sobraram, e os auxilia com benção ou com ajuda em combater ameaças.
Batalhando Tanzra e reconstruindo o mundo
Antes de mais nada, o gameplay inicia com a gestão da população de cada região em cada estágio, para que ela possa prosperar e crescer em número. Dessa forma, é possível realizar milagres em forma de fenômenos naturais, como a chuva ou relâmpagos, cada um servindo para cada ocasião onde o arcanjo indicar.

Outrossim, demônios irão impedir o avanço do povo obrigando o jogador não só a usar o arcanjo para lançar flechas no monstros, como utilizar o avatar do Mestre nos lares dos monstros. Conforme a estátua do avatar ganha vida, o jogador assume a interface de jogo de ação/plataforma 2D sidescrolling de Actraiser. Com o objetivo de auxiliar no combate, é possível escolher uma magia especial para ser usada nestas fases.
São um total de quatro lares, cada um com duas fases em cada estágio que ao serem encerrados, vão permitir que o povo cresça em seu nível mais avançado. No fim de cada estágio, o jogador enfrentará um chefe guardião da região.

Além do mais, conquistar cada região acarretará no aumento de devotos do Mestre, causando o aumento de nível. Ou seja, gera um upgrade do SP para os milagres e do HP do guerreiro.
Toda essa trajetória segue até alcançar o lar final do Maligno Tanzra, para a batalha final.
Actraiser 2
Analogamente, Actraiser 2 cita de novo a batalha do Mestre contra Tanza (Deus vs Satã no Japão foi mantido neste também). Porém, é contado em um sentido paralelo que não o torna uma sequencia exata. Nitidamente, o plot baseia-se nos poemas épicos teológicos da Divina Comédia (Dante Alighieri, 1308-1320) e do Paraíso Perdido (John Milton, 1667).

A principio, A2 mostra a vitória do Mestre contra Tanzra na abetura do jogo. Antes disso, o Deus maligno foi seguidor do Senhor dos céus. Contudo, o Mestre o bane do céu por seu excesso de orgulho e cobiça. Assim que o ser maligno é morto, seu cadáver cai, jogado de volta em Death Heim (mesmo reino da morte do jogo anterior).

Em seguida, os devotos de Tanzra, arautos dos 7 pecados capitais, se reúnem para reerguer o espírito de seu mestre maligno. O inimigo dos céus jura vingança contra o Mestre e mais uma vez espalha seu terror pelo mundo com seus minions, liderados pelos 7 pecados.

O Mestre mais poderoso e alado
Em se tratando do gameplay de Actraiser 2, descartou-se a estratégia do antecessor ficando apenas o gênero ação/plataforma 2D. O mapa é visto de cima como antes por meio do palácio das nuvens. Dessa forma, o jogador fica sabendo qual estágio pode acessar pelas mensagens de habitantes das regiões. Ao completá-lo, o Mestre recebe dicas sobre o próximo lugar a visitar.

Durante as fases, neste jogo não é preciso escolher a magia para se usar. Os direcionais ativam magias distintas, usados juntos com o o botão de ataque e de pulo, este usado para os ataques especiais aéreos. Ainda mais, o Mestre carrega um escudo usado para bloquear diversos ataques, em sua maioria projéteis.
Por fim, cada região comporta duas fases, uma guardada por um líder demônio menor, que em seguida abrirá caminho para um dos demônios do pecado de maior poder.

Soul Blazer – Conto judaico-cristão expandido
Enquanto os fãs de Actraiser ainda curtiam o título de 1990, em 92 a equipe da Quintet quis subverter a série já conhecida por ser plataforma 2D, com um estilo RPG dungeoncrawl, visão cima-baixo. Soul Blazer (Soul Blader no Japão) traz aquele que representa O Mestre, para conter e destruir um demônio chamado Deathtoll. Dessa maneira, o espírito maligno se alimenta de almas dos habitantes do Império Freil, uma barganha que o rei Magridd fez com ele em troca de ouro.

O rei do castelo Magridd aprisionou um cientista chamado Dr. Leo, ao saber que este conhece uma forma de criar uma máquina capaz de invocar seres do Mundo Maligno. Assim, Deathtoll surge e aceita trocar uma moeda de ouro por cada alma das pessoas do império. Como resultado, quase todos os moradores da região sumiram, como também os demais seres vivos.

Certamente que o Mestre não deixaria isso se manter, e assim Blazer chega para salvar os espíritos das pessoas. O jogador assume o controle do guerreiro divino avançando por lugares infestados de monstros. À medida em que derrota os monstros, as almas dos habitantes retornam aos poucos e as cidades voltam a existir em cada estágio, após derrotar o líder demônio que domina a região.

Afinal, são seis estágios onde Blazer reunirá cada uma das pedras mágicas, para que assim consiga entrar no Mundo Maligno e vencer Deathtoll.
Illusion of Gaia – Sequencia de Soul Blazer ou não?
Por mais que Illusion of Gaia tenha avanços em gráficos, som e gameplay, a interface geral se assemelha ao anterior Soul Blazer.
Ademais, o jogo traz o herói Will que é filho de um famoso explorador que numa busca pela lendária Torre de Babel, ambos foram pegos em um desastre. Ao passo que o pai desaparece, por outro lado Will sobrevive e retorna a sua terra Natal por motivos que são um mistério.

Em um dado momento, Will presencia um portal estranho se abrir que o leva para uma outra realidade obscura. Lá ele se depara com uma estátua mística que se comunica com ele e se apresenta como Gaia. Nesse momento, ele fica sabendo que precisa ir embora de seu lar pois uma grande calamidade está por vir. Ele, Will, precisa assumir o papel daquele que poderá impedir este desastre.

De acordo com a profecia de Gaia, a ameaça iminente se trata de um cometa que traz consigo um mal agouro. Em seguida, o garoto parte em sua jornada e de tempos em tempos receberá ajuda de seus amigos de escola, dentre eles Karen que se mostrará como peça importante.
Nesse meio tempo, o herói dá de frente com uma revelação interessante. O cometa que está por vir é uma das armas dissidentes da antiga Guerra Blazer, isto é, da batalha anterior do guerreiro Blazer contra Deathtoll, em Soul Blazer.
O protótipo e detalhes de gameplay
Curiosamente, sobre os bastidores de produção, um grupo chamado Numbers vazou uma rom de um protótipo do que seria o jogo em seus momentos iniciais de criação. A rom traz a data de Maio de 1994, 3 meses antes no lançamento original da versão final. Segundo o que esta página mostra, estão incluídas diversas diferenças da versão americana e grande semelhança com a japonesa.
Principalmente, o logo do protótipo traduz-se como Soul Blazer: Illusion of Gaia, fortalecendo a ideia de que o estúdio cogitou lançar o jogo como sequência.
Enfim, sobre a versão original, o jogo se assemelha a Soul Blazer bem como absorve muitos elementos de Zelda e outros JRPGs clássicos dos 16-bits. O jogador irá passar por cidades e terá que interagir com NPCs para seguir em frente no enredo. Dungeons estão presentes, com um grande número de puzzles e um grau mediano de desafio.
Nas viagens pelo mundo, o jogador irá perceber a presença de lugares que remetem ao nosso mundo real, como o povo Inca, as pirâmides do Egito tanto quanto a Muralha da China. Até mesmo Cristóvão Colombo é dito de ser um grande explorador ligado à história do jogo.
Com o intuito de auxiliar Will em sua busca, Gaia fornece ao garoto o poder de se transformar no cavaleiro negro Freedan e no ser de sombras apenas conhecido como Shadow. O primeiro é focado em ataques melee e é o mais forte se comparado a Will e Shadow. Este último já é focado em poderes de alcance maior. O herói possui apenas sua flauta que usa para ativar alguns dispositivos místicos, mas também o usa para o combate.

Terranigma
Em síntese, Terranigma possui menos referências à trilogia, e as que existem só são perceptíveis se atentarmos para certos conceitos. Em suma, estão presentes de forma diluída a velha luta Deus contra Satã, desta vez representada pelos dois lados do mundo com a superfície sendo a luz e a criação, e a inferior das trevas e ruína.

Assim, o mundo tem um formato de toro (pneu), e com o tempo os dois lados do mundo, Luz e Trevas em respectivo, recebem o nome de Deus e Diabo (Mestre e Tanzra? Deus e Satã?). Após bilhões de anos, Deus gerou os seres vivos até a formação da sociedade humana moderna. Em contrapartida, o Diabo destruía tudo que era descartado do mundo da luz. Mas este equilíbrio não durou muito tempo.
Dessa forma, a luta entre Deus e o Diabo eclodiu de novo depois de muito tempo. O Diabo tentou contaminar toda a vida com um vírus letal e os humanos tentaram reverter a contaminação, mas foi demais para eles. Com isso, muitos morreram e Deus se viu obrigado a enviar seu exército divino liderado por um grande herói (Blazer?).
A nova guerra contra o Diabo destrói a superfície (da Luz) e ela afunda no oceano. Logo após isso, Deus se vê obrigado a selar o mundo das trevas já que destruir o Diabo por completo se mostrou impossível.
Revivendo os seres vivos
A fim de reverter esse estado do mundo, eis que temos Ark. Ele é um garoto arteiro que por sua curiosidade descobre um portal para fora de Crysta, o único vilarejo do mundo de Trevas. Lá ele encontra um demônio amistoso chamado Yomi que passa a acompanhá-lo, mas para sua surpresa percebe que seu ato de reabrir o caminho para fora causa uma maldição que congela todos os habitantes de Crysta.
Nesse momento, surge o Ancião de sua vila que por algum motivo não foi afetado pela maldição. O velho líder instrui o herói a recuperar a superfície da terra reativando as torres do mundo das trevas, que representam os continentes do mundo da luz. Em seguida, Ark teria como missão reviver todos os seres vivos mortos durante a grande guerra entre Gaia da Luz (Light Gaia/Deus) e Gaia das Trevas (Dark Gaia/Diabo).

Combatendo entre luz e trevas
Da mesmo forma que em Soul Blazer, principalmente Illusion of Gaia, Terranigma é um JRPG de ação em tempo real com visão cima-baixo. No combate, o jogador desfere golpes distintos nos inimigos dependendo de como Ark se movimenta. Bem como pode usar magias através das Magirocks que armazenam feitiços que são recarregados em lojas após o uso. À medida em que o jogo avança, novos feitiços ficam disponíveis.

Ark também pode se defender de diversos ataques à distância como projéteis com a guarda, mas é inútil contra ataques melee. Além do mais, o jogador pode comprar itens e equipamentos utilizando gemas coletadas dos monstros vencidos.

Por fim, o jogador encontra outras cidades e NPCs, e como em IoG, interagir com eles e explorar os diversos locais são cruciais para avançar no plot. Fica aqui uma curiosidade, na qual uma das cidades do jogo chamada Liotto referencia o Rio de Janeiro com a estátua de cristo redentor, chamada colina Corcovado (Corcovado Hill).
Concluindo a Guerra Santa
Em conclusão, estes são jogos memoráveis que trazem conceitos muito interessantes não só de cunho teológico mas mesclam com outros mitos conhecidos de outros folclores. Alguns dos títulos brincam também com nossa realidade incluindo personagens de nossa história, monumentos e fatos que marcaram a sociedade humana.
Em questão de gameplay e nível de desafio, tirando Actraiser 2 em que é perceptível o uso da alta dificuldade como mecânica de jogo, no geral são medianos e acessíveis a qualquer pessoa que se interesse.
A direção de arte é muito bem feita em todos os títulos, dados os limites da época, mas não deixa a desejar a nenhum outro jogo marcante da era 16-bits. Da mesma forma que as músicas emulam batalhas épicas nos dois Actraisers ao mesmo tempo que geram harmonia na exploração de lugares nos títulos de JRPG. Decerto que vale à pena conferir todos eles!