Podemos dizer que Cadence of Hyrule (2019) é um spin off nada convencional. Quem é fã da Nintendo sabe bem que a empresa costumava ser muito protetora em relação a qualquer reprodução do próprio conteúdo. Essa característica não é novidade, sendo até bem comum entre grandes empresas (visto que outras como o Studio Ghibli também costumam barrar bastante conteúdo relacionado). Contudo, isso nunca teve impactos muito grandes em relação à franquia de The Legend of Zelda.
Desde os anos 90 diversos spin-offs foram lançados. Alguns foram bem duvidosos, e acabaram dando origem a vários memes como o famoso The Wand of Gamelon (1993). Outros já foram levados mais a sério como Hyrule Warriors (2014), um jogo hack and slash que teve inclusive uma sequência lançada recentemente chamada Age of Calamity (2020), que se passa antes dos acontecimentos de Breath of the Wild (2017). Contudo, apesar de não ser tão incomum podemos dizer que foi bastante surpreendente quando a Brace Yourself Games, empresa independente criadora do jogo Crypt of the Necrodancer (2015), anunciou uma parceria especial com a Nintendo para produzir um jogo de Zelda. Cadence of Hyrule foi lançado então em 2019, exclusivamente para Nintendo Switch.
A cripta do dançarino morto
Crypt of the Necrodancer por si só já estreou com uma proposta muito original. O jogo é um roguelike onde a ação deve acontecer no ritmo da música. Podendo ser jogado até mesmo com um dancepad, ele vendeu mais de duas milhões de cópias, e ganhou vários prêmios, principalmente por sua trilha sonora. Cadence of Hyrule veio então com uma proposta igualmente desafiadora, um jogo em que você também precisaria combater no ritmo da música. Contudo, dessa vez o trabalho foi ainda mais difícil, já que os desenvolvedores se propuseram a utilizar a trilha sonora original de Zelda como base.
Se criar a música certa para o combate já é bem difícil em um jogo original, manter a identificação com uma franquia tão conhecida pode parecer uma tarefa quase impossível. Contudo, o jogo fez um trabalho excelente unindo “o melhor dos dois mundos”, mudando as músicas de acordo com a proposta sem tirar sua personalidade.
Além disso, assim como em Hyrule Warriors, Cadence of Hyrule trouxe uma mecânica muito apreciada pelos fãs de Zelda, a possibilidade de jogar também com a princesa. Além dela, outros personagens são desbloqueados ao longo do jogo, cada um com suas próprias habilidades especiais. Outra curiosidade legal é que essa foi a primeira vez que a Nintendo aceitou fazer parceria com uma empresa independente para um spin off de uma série tão importante para a companhia. Podemos acreditar que esse jogo possa abrir ainda mais possibilidades de crossovers nesse universo tão incrível dos jogos independentes!
Mecânica
O jogo é divertido e possui uma mecânica que, apesar de ser bem única é fácil para o jogador se adaptar. Você se movimenta literalmente “dançando” e, consequentemente combatendo no ritmo da música. O jogo possui uma vista top-down e você anda em quadrados, então só é preciso usar os direcionais para navegar pelo mapa.
Assim como em Zelda você navega por diversas dungeons (dessa vez geradas automaticamente) e encontra vários mini-boss, itens especiais, aréas secretas etc. Os minions também se movimentam de acordo com o compasso da música, mas cada um tem sua própria contagem, então o jogo é uma ótima oportunidade para exercitar sua coordenação motora. Contudo, pode ir se preparando! Ele tem apenas 4 mini-boss de fato (os 4 campeões) e o motivo é bem simples! Como cada “minion” tem seus próprios padrões e cada área tem uma música diferente, o jogo se torna cada vez mais difícil de acompanhar, e um passo em falso pode colocar tudo a perder (literalmente!).
Contudo, para jogadores mais casuais também há a opção de fazer daily challenges, jogar em modo co-op local (uma opção que tentei, mas não é recomendada se você jogar com alguém muito melhor que você!), escolher entre vários personagens, fazer o modo história ou modos aleatórios… Basicamente tem modos para todos os gostos, e para gostar do jogo só precisa, é claro, gostar de música!
Além disso, seu estilo de arte é bem similar ao dos antigos jogos de SNES e Gameboy, dando muitas vezes a impressão de você estar jogando algo lançado entre A Link to the Past (1991) e Link’s Awakening (1993). É uma ótima pedida para quem sente falta dos antigos jogos 2D.
Combate
O combate do jogo é por turno (cada turno é uma batida da música), contudo podem haver interrupções bem inesperadas. Existe também a possibilidade de ativar multiplicadores caso você consiga acertar consecutivamente (o que transforma a área numa versão muito divertida dos Embalos de Sábado a noite!). Essa ferramenta ajuda ainda mais o jogador a acompanhar as batidas, dessa vez de forma visual.
Cada personagem possui também suas próprias características e armas especiais, tornando o jogo mais ou menos difícil conforme as preferências de cada um. Você pode jogar com o Link, a Zelda, a menina Cadence, Yves (um Deku scrub), Octavo (o vilão principal), Impa, Shadow Link e Shadow Zelda. Contudo, alguns precisam ser desbloqueados e outros estão disponíveis apenas como DLC’s.
Armas e movimentos
A arma inicial da Zelda é uma adaga, a do Link uma espada e da Cadence uma pá (bem ao estilo do nosso querido Shovel Knight!), mas eu diria que são as magias que têm um papel mais importante no jogo. A Zelda tem o Din’s fire e o Nayru’s love, assim como a personagem no Super Smash Bros. O link tem o Great Spin e o escudo e a Cadence tem o Shovel Strike, um ataque em área que é bem útil, sendo melhor que o spin attack mas pior que o din’s fire.
Além disso, algumas armas são de uso exclusivo. A Zelda é a única que pode usar rapieiras, o Link espadas de duas mãos e a Cadence “Great” Shovels. Para mim, a melhor mecânica fica com o Octavo (vilão principal) que só é liberado no new game +, que tem magias de controle de tempo. Como o jogo funciona no ritmo da música, usar uma de suas magias, que deixa você atacar fora do compasso é uma GRANDE ajuda em muitas situações. Com ela, você pode até mesmo conseguir dar instakill em alguns oponentes.
Trilha Sonora
O arranjo das músicas traz uma nostalgia muito bem vinda, sendo bastante similar aos primeiros jogos da franquia em 8bits, mas consegue demonstrar um traço de originalidade. Ele nos traz aquele sentimento agridoce de algo que é familiar, mas ao mesmo tempo inovador. Danny Baranowsky, o compositor, fez um trabalho magnífico ao transformar músicas que já estavam tão marcadas na nossa mente em algo único e estimulante, que auxiliasse o jogador nas batalhas, mas não se tornasse apenas um compasso chato e repetitivo que você já não aguenta mais ouvir depois de algum tempo. Se você gosta de Zelda e de sintetizadores, pode ter certeza que a trilha sonora vai entrar logo nas suas playlists de mais escutados!
História
O plot, assim como da maioria dos jogos da saga é bastante familiar. O vilão, Octavo, coloca o rei de Hyrule, Link e Zelda para dormir com uma flauta mágica para que possa usar o poder da triforce. A triforce então traz a menina Cadence de outro mundo para acordar Link e Zelda, que partem para derrotar os 4 campeões musicais de Octavo. Enquanto isso, Cadence deve procurar uma forma de voltar para casa.
O jogo não apenas nos apresenta uma nova personagem, mas faz novamente uma bela referência a A Link to the Past ao trazer de volta a ideia dos mundos paralelos, que se tornou tão comum na franquia. Podemos dizer que ele consegue ser saudosista na medida certa, mantendo a identificação com a franquia original, mas trazendo elementos novos suficientes para que a história não se torne monótona.
Deu certo?
Corresponder às expectativas dos fãs é sempre algo complicado. Isso se torna ainda mais desafiador quando você lida com uma empresa do tamanho da Nintendo. Para uma empresa independente, com menos funcionários e uma história não tão antiga, cada jogo importa. Nesse sentido, podemos dizer que a Brace Yourself não apenas cumpriu com o que prometeu, mas entregou um jogo do qual os fãs puderam se orgulhar.
Contudo, sendo um jogo produzido por uma empresa independente, acredito que a Nintendo poderia ter aberto uma exceção e liberado o jogo também para usuários de outras plataformas como o PC. Como Crypt of the Necrodancer está disponível para todas as plataformas, esse seria um bom modo de introduzir a franquia a novos públicos. Apesar disso, para quem já acompanha Zelda e curte a onda crescente de jogos independentes no Switch ele é um spin-off muito bem vindo. Ele promete agradar tanto aos fãs mais antigos da franquia quanto aos admiradores dos indies que procuram um jogo simples e inovador na medida certa.
E você, já jogou Cadence of Hyrule? Qual seu personagem favorito? Conta pra gente aí nos comentários! E se você gosta de jogos musicais, não deixe de conferir nosso artigo com vários outros jogos desse estilo clicando aqui!