Introdução
Deathloop é um jogo que mistura muito tiroteio com viagem temporal, sendo ao mesmo tempo uma experiência de ação frenética, um Stealth meticuloso e um jogo de detetive, onde qualquer detalhe pode ser importante.
Desenvolvido pela Arkane, famosa pela série Dishonored, e publicado pela Bethesda, foi lançado para Playstation 5 e PC no dia 14 de setembro.
Loops temporais
Jogos são uma mídia especial para contar histórias. Por ser um meio interativo, eles têm a oportunidade de dar na mão do jogador um mistério e esperar que ele resolva. Filmes e livros não têm esse poder. Podem até apresentar histórias que prendam e um mistério envolvendo, mas, no final das contas, o usuário está numa posição passiva, apenas contando o tempo para o personagem lhe entregar a solução.
Igualmente interessante, são as histórias que envolvem viagem no tempo. Sobre filmes, o exemplo mais famoso é chamado Feitiço do Tempo de 1993, onde o personagem central se vê repetindo o mesmo dia várias e várias vezes. Aqui, vemos como ele começa vendo de forma positiva essa situação, aprontando pela cidade, xingando quem ele não gosta, e se empanturrando. Com o tempo, porém, ele entra em desespero e tenta das formas mais bruscas escapar deste ciclo. Mas, é apenas quando ele usa esse tempo para aprender a rotina das pessoas e ajudá-las em seus problemas do dia, que ele finalmente escapa. Com jogos, podemos entrar na pele deste personagem, e ter aquela sensação de já saber como as coisas vão acontecer, e talvez tentar mudá-las.
Este ano, já tivemos dois jogos que usaram esta ideia. O primeiro foi Returnal (que já fizemos review aqui), que atrelou o seu loop temporal a um jogo Roguelike com ficção científica e bullet hell. O outro foi o indie 12 Minutes, onde você está confinado em um apartamento e em um loop de 12 minutos, onde você deve reviver este curto período até resolver o mistério central.
Nada como um dia após o mesmo
Similarmente, Deathloop traz uma história onde nosso personagem revive o mesmo dia várias vezes, até resolver o mistério. Porém, ao contrário do filme, onde o personagem faz coisas boas pela cidade, aqui devemos é matar muita gente até escapar deste dia maldito.
Controlando o Capitão Colt Vahn, acordamos em uma praia na ilha de Blackreef, sem lembrar de nada. Logo, recebemos uma mensagem de uma mulher chamada Julianna que explica algumas coisas. Por exemplo, de que esta ilha toda está repetindo o mesmo dia, que seus habitantes não sabem disso, que Colt já está ali a um bom tempo, e que se morrermos, voltamos para o começo deste mesmo dia. E quem nos mata é ela.
Outra coisa que aprendemos, é que para quebrar este ciclo, devemos matar os 8 Visionários, as pessoas responsáveis por criar esta fenda temporal, e a manter estável.
O problema, é que todos devem ser mortos no mesmo dia, senão renascem ao amanhecer e o ciclo continua. E assim começa nossa tarefa de encontrar estes visionários e descobrir uma forma de matá-los e quebrar o ciclo.

Detetive Temporal
Anteriormente, citei o filme e as diferenças entre os jogos, pois Deathloop apresenta aquela mesma ideia de uma forma até que inovadora. Como nós é que estamos presos em um loop, então é nosso trabalho investigar as diferentes áreas da ilha e descobrir como cada lugar muda conforme as horas passam, e como os alvos se comportam. E é nessa investigação que o jogo se sobressai.
A ilha de Blackreef é dividida em quatro distritos, e você pode visitá-los em quatro horários diferentes. Em cada horário, você encontrará diferentes coisas acontecendo, e até o mapa evoluindo com o passar do tempo. Por exemplo, no distrito de Updaam, de manhã vemos os preparativos para uma festa em uma mansão, com coisas sendo montadas e carregadas. À noite, a cidade se encontra praticamente vazia, já que está todo mundo nesta festa. Isso é super interessante, pois você irá encontrar coisas diferentes em uma área, mesmo depois de explorá-la por completo em certo horário.
Isso também mostra o quanto um mapa pequeno, mas bem utilizado, faz diferença. Inicialmente, somos levados a visitar cada um dos distritos, em uma espécie de tutorial guiado por Julianna, onde aprendemos como o loop vai funcionar, e nesse tour, fiquei com a impressão de que não tinha muita coisa para descobrir. De uma ponta a outra, cada área leva pouco mais de um minuto para ser atravessado. Isso, em uma época onde vemos os desenvolvedores se gabando de seus jogos terem um mapa com centenas de quilômetros quadrados, pode até ser estranho. Porém, mesmo depois de muitas horas, posso dizer com certeza que ainda não explorei completamente estas áreas e ainda tem muita coisa a encontrar. Então, minha dica para quando for jogar é:
Explore Muito Bem
Explorar também será importante para avançar na história. Pois, outra característica de Deathloop que considero positiva, é o quanto ele não está interessado em te ajudar. Claro, ele vai guardar as informações que você encontra em um menu bonitinho, e dirá qual visionário está no mapa em determinado horário, mas o trabalho duro é completamente seu.

Pois, não basta apenas encontrar o alvo. Lembre-se, você tem de matá-los todos no mesmo dia, então o desafio está em descobrir como fazer isso, já que no começo isso é impossível, com alguns visionários estando em mapas diferentes em um mesmo horário. E é através de suas habilidades de detetive, e muita esperteza, que alcançará este feito.
Espalhados pelo mapa, temos áudios e documentos de texto para coletar. Muitos deles indicam coisas que ainda acontecerão na ilha, ou que já aconteceram, e podem ser uma dica do que fazer a seguir. Entre eles, também teremos diversos códigos usados para abrir portas e cofres trancados pela ilha. Apesar de importantes (muito mesmo), o jogo não dá indicação nenhuma de sua existência, e nem de onde eles ficam. Cabe a você vasculhar cada canto para encontrar estes arquivos tão essenciais.
Matando silenciosamente
Enquanto explora, você irá inevitavelmente se deparar com os moradores da ilha, chamados de eternalistas. Estas pessoas vieram junto com os Visionários, com a promessa de uma vida eterna neste dia que nunca acaba. Você sendo alguém que quer quebrar este loop, é uma ameaça e todos tentarão te matar, se o virem é claro.
Apesar de você estar bem armado, Deathloop incentiva bastante o uso de Stealth. O principal motivo, é o fato de Colt ser bastante frágil, aguentando bem poucos tiros (mais que uma pessoa normal, menos que um protagonista de jogos de ação). A falta de itens de cura em mãos também é um problema, e você depende de encontrá-los espalhados pela cidade. Outro ponto que atrapalha, é que temos inimigos com rádios capazes de chamar reforços. Se isso acontecer, então é bom realizar uma retirada estratégica, ou usando o termo técnico, dar o fora.

Já o funcionamento deste Stealth é um tanto estranho. Por um lado, os inimigos conseguem te enxergar de grandes distâncias, e o tempo para eles reagirem é relativamente curto. Porém, também é muito fácil matar silenciosamente, de forma que os outros não vão nem perceber, mesmo estando do lado do recém-cadáver, que devido à anomalia temporal, desaparece alguns segundos depois da morte.
Portanto, é um sistema fácil de abusar depois que você percebe o quão tapados são seus inimigos, especialmente depois de encontrar alguma arma com silenciador. Lógico que isso também leva a descuidos, e se te descobrirem é muito fácil de morrer, mas como a temática é morrer e tentar denovo, nem é tanto problema assim. Só voltar outro dia (ou no mesmo no caso).
Escolha suas Armas
O sistema de armas permite que você carregue até 3 armas, e duas placas com poderes especiais. Em seu personagem e em cada arma, você também pode equipar itens chamados berloques. Tais itens dão algum tipo de vantagem, como uma maior precisão para a arma, ou maior velocidade de movimento.
As armas e berloques você encontra escondidos pela ilha, ou ao matar algum eternalista que as usa. Já as placas são especiais e usadas apenas pelos Visionários, e pela própria Julianna. Cada um vem com um nível de raridade, afetando sua potência. Você ainda pode encontrar armas únicas, completando “side-quests”.

A ideia inicial dos equipamentos, é que eles funcionariam como um Roguelike. No começo de cada dia, você acorda na praia, não carregando nada do dia anterior. Porém, você eventualmente libera a habilidade de usar algo chamado Residuum para marcar itens que ficarão contigo em outros dias. No meu caso, não levou 10 horas para montar um arsenal perfeito para meu estilo de jogo, o que cortou a necessidade de me preocupar com armas e itens.
Então, há um leve elemento de construção de personagem, que não é muito profundo mas dá uma certa liberdade na personalização, e pelo menos dá uma sensação de progresso. Porém, não é no equipamento ou números que Deathloop demonstra sua evolução.
Informação É Poder
O que realmente deixa explícita sua evolução, são as informações que você encontra. No menu do jogo, antes de escolher que região explorar, é possível revisar as pistas que você juntou até agora, dividida pela região relevante, e o horário que acontece. Algumas destas pistas podem ser marcadas no mapa, e fica fácil de encontrá-las. Normalmente, estão ligadas aos seus alvos e a como avançar na história. Porém, também temos muitas pistas que levam a eventos sem importância narrativa, mas que podem esconder algum item poderoso, ou até alguma cena engraçada e inusitada.

Mais uma vez, vou reforçar o quanto é importante explorar cada canto deste mundo. Não apenas para avançar na história, mas pela quantidade de eventos divertidos que você vai encontrar. Mesmo que eles não levem a nada de útil para usar no jogo, há muitas coisas acontecendo na ilha que valem à pena conferir. Sejam alguns personagens conversando sobre algum Visionário, que pode ou não levar a alguma pista útil, ou até acompanhar um grupo com um canhão, e um homem-bala muito corajoso e confiante de que irá acordar sem ferimentos no outro dia, mas que quer muito saber como é ser disparado pelo ar.
Há muita coisa mesmo a se encontrar, tanto que mesmo chegando no final, ainda encontrava lugares que nunca visitei, ou algum evento inédito para mim. E tudo depende de sua curiosidade e habilidades de investigação.
Uma ilha um tanto sem vida
Apesar de ter gostado muito da exploração da ilha de Blackreef, e encontrado muitas coisas interessantes, devo dizer que ela não é interessante de se olhar.
Deathloop consegue trazer gráficos da nova geração, com muitos efeitos de iluminação, modelos 3d decentes e cenários realistas, mas falta a ele uma identidade visual melhor.

Primeiramente, as cores de menus e interface são tons de marrom e laranja escuro, uma combinação bastante ruim de se ver. Em seguida, temos que todos os locais usam cores muito escuras e sem vida. Mesmo o esconderijo secreto da artista plástica mais talentosa do século (segundo ela mesma) é decorado por pinturas com cores mortas, e uma iluminação que torna tudo difícil de ver.
O mesmo vale para a trilha sonora. Na maior parte do tempo, não temos música, ficando reservada apenas quando começa algum tiroteio. Ela também serve de dica para saber se ainda temos algum inimigo atento à nossa presença, pois ela só para de tocar quando todos estão mortos. Mas, ela apenas cumpre o papel de construir um clima de filme de espião, e nada mais, chamando bem pouca atenção.
Vilões um Tanto Genéricos
Apesar de termos 8 vilões, a única que recebe mais atenção é a Julianna, a principal antagonista que te caça pela ilha. Os outros vilões são mecanicamente diferentes, mas suas histórias são bastante rasas.
Digo isso, pois todos eles são uma diferente variação de psicopata, pronto para matar os outros a troco de nada, já que eles são os poderosos da ilha. Ou seja, é o vilão babaca convencional, fáceis de odiar. O único que foge um pouco do genérico, é um cara chamado Charlie, game designer que arrancou metade do seu cérebro para criar um robô super-inteligente (que nem é tão esperto assim). Ele ainda é um grande babaca psicopata, mas construiu vários jogos pela ilha que dão um desafio diferente ao tiroteio normal.
Já na parte mecânica, eles são mais interessantes. Como o objetivo do jogo é juntá-los de forma a permitir matar todos no mesmo dia, você deve encontrar diferentes formas de convencê-los a sair de onde estão. Isso pode envolver sabotar um experimento cientifico, falsificar um convite para festa, ou invadir o encontro secreto de dois amantes.
Já a Julianna é sua companheira de conversa. Sempre que iniciar um dia, ela estará lá no seu rádio para tecer algum comentário sarcástico e maldoso sobre o Colt, que responderá no memo nível de má-educação. Essas interações são engraçadas, e começam a ter um significado diferente nas partes finais do jogo. O fato dela aparecer repentinamente durante a partida para te caçar, torna o seu relacionamente algo especial e único, de uma forma meio doentia, mas especial.
Dessa forma, a história pouco empolga. Apesar do mistério em torno do loop temporal, e como o Colt escapará, me empolguei mais com os pequenos casos da ilha do que com a narrativa.
Um jogo inteligente
Apesar dos pesares, Deathloop é um jogo extremamente competente no que faz. O jogo também arrisca bastante ao confiar na curiosidade do jogador, e na sua capacidade de entender as pistas. Como ele não te indica nada, tudo o que você encontrar é por seu mérito, o que dá uma contínua sensação de “A-Há” quando uma ideia sua dá certo.
O Loop temporal também é muito bem aproveitado, com vários eventos que só acontecem depois do jogador mudar alguma coisa. Ao perceber isso, muitas possibilidades se abriram, e passei boa parte do meu tempo respondendo à pergunta “E se?”.
E se eu matar esse personagem de manhã? E se eu explodir este negócio? Talvez deva trocar este item de lugar? Mas, caso eu faça em outra ordem, o que acontece?
Este é o forte de Deathloop, pois ele permite testar tantas ideias e explorar tantas coisas, que não falta conteúdo em um mapa bem compacto. E mesmo depois de revisitar este ilha tantas vezes, ainda era capaz de sentir o cheiro fresco da manhã de um dia cheio de possibilidades a se explorar, lugares novos para explorar, e gente estranha para matar.
*Chave cedida para análise