Introdução
Com uma história inspirada em contos bíblicos, El Shaddai traz uma mistura de combates estilo Hack’n’Slash e desafios de plataforma, sendo uma experiência interessante, abstrata, e um tanto estranha.
Lançado originalmente para Playstation 3 e Xbox 360, El Shaddai: Ascension of the Metatron chegou com uma versão remasterizada para PC no dia 1 de setembro, desenvolvido e publicado pelo estúdio Crim.
Normalmente, é fácil dizer quando gostamos de um jogo. Se nos pegamos esquecendo do tempo, de tão concentrados e entretidos, é seguro dizer que ele realmente nos pegou. Se a sensação é o contrário, onde estamos de saco cheio, querendo chegar logo no final só para não deixar o jogo pela metade, então esta experiência não agradou.
El Shaddai, no entanto, é difícil para eu classificar em uma dessas categorias. Por um lado, ele me divertiu com sua jogabilidade, e me impressionou com seus visuais e trilha sonora, e me deixou intrigada com suas temáticas. Porém, a mesma jogabilidade me cansou, sua arte me incomodou, além de ser muito abstrato para me prender completamente.
Inspirações Bíblicas
Então, vamos por parte. Primeiramente, o conceito da história de El Shaddai é bem curiosa. Controlamos um homem chamado Enoch, que está vivendo tranquilamente no paraíso em meio aos anjos, enquanto escreve seus livros. Porém, por conta da corrupção no coração dos homens, Deus e o conselho dos Anciões planeja uma segunda inundação para expurgar a maldade da Terra. Nosso herói Enoch intercede pelo bem da humanidade, e diz que fará qualquer coisa para impedir isso. Assim, um trato é feito entre ele e os seres superiores.
Sete grandes anjos se rebelaram e fugiram para à Terra, levando muitos outros anjos consigo. A missão de Enoch, então, é encontrá-los e trazê-los de volta. Equipado de armas e armaduras abençoadas por Deus, ele parte em sua busca, que não será nada fácil.
Depois de 700 anos vagando pela Terra, e de mudar de nome por 72 vezes, Enoch finalmente encontra uma grande torre que se ergue até os céus, construída por esses anjos, e escondida dos olhos de Deus por um véu de poder. Aos pés dela, uma enorme e populosa cidade foi construída, onde os humanos cultuam estes anjos como deuses. Agora, Enoch irá subir esta torre, enfrentando os Cultistas, monstros e demônios, até derrotar e aprisionar seus alvos, e finalmente salvar a humanidade.

Ideias Rasas
Com esta Sinopse, eu comecei a jogar com grande expectativa. Fiquei bastante interessante em saber mais sobre este mundo, especialmente por utilizar tantos personagens da mitologia judaico-cristã. Enoch é guiado e protegido pelos arcanjos, como Gabriel e Rafael. Nos acompanhando pelo caminho, e servindo como save-point, temos o anjo Lucifel, que conversa com Deus por celular. Os anjos caídos, recebem nomes como Azazel e Shemyaza. Durante a aventura, enfrentamos diversas criaturas, como os curiosos Nephilim, filhos da relação herética entre anjos e humanos. Daqui, saem muitos termos para buscar na Wikipedia.
Porém, a narrativa do jogo não faz muita coisa com toda essa temática. A história é um tanto abstrata, e fica muito superficial. Conforme subimos a torre, coisas vão acontecendo sem muito nexo, como se estivesse faltando informações. Por exemplo, o jogo deixa explícito que Enoch já conheceu um dos anjos caídos a muitos anos atrás, talvez séculos, e que sua luta seria um acontecimento triste, já que eles foram bons amigos. Porém, não vemos esta relação, já que nem Enoch, nem o anjo, dizem nada. Apenas temos a luta, e uma música triste e ambos com caras tristes.
E isso acontece por todo o jogo, onde cada capítulo parece apresentar novos conceitos e personagens sem estabelecer como eles chegaram ali, e qual seu papel. Similarmente, o final é bem aberto, com algo que parece ser um plot twist, mas que também não tem alguma explicação do seu significado, e nem do que acontece a partir dali.
Portanto, o jogo apresenta um mundo cheio de anjos, demônios, sociedades secretas, profecias e um Santo reencarnado liderando a humanidade na guerra pela salvação, mas não aprofunda em nada. Assim, ao mesmo tempo que empolga na esperança da história surpreender, decepciona quando não nos conta mais deste mundo.

Angels May Cry
A jogabilidade também tem a mesma característica de parecer interessante, mas não se aprofundar muito. O combate é um Hack’n’Slash ao estilo Devil May Cry, onde o personagem Enoch é bastante ágil, e realiza alguns movimentos “Cool”. Como armas, temos 3 tipos, uma espada de energia, uma Auréola que dispara flechas, e Luvas com capacidade defensiva. Cada uma dessas tem velocidade e estilos de combate diferente. Você pode carregar apenas uma de cada vez, sendo que pode trocar em pontos específicos da fase, ou roubando de algum inimigo atordoado.
Devo dizer que o combate é bem divertido. Seus golpes passam uma sensação de poder, e há uma certa estratégia na hora de escolher a arma, sendo que algumas são mais eficientes contra certos inimigos. Porém, é um combate simples demais para este gênero. Pois, as armas têm apenas um combo de ataque, o que se torna repetitivo bem rápido. Outro agravante, é a pouca variação de inimigos, onde temos apenas 3 tipos normais para enfrentar, e dos anjos, metade deles têm a mesma aparência e estilo de luta, mudando apenas a cor da armadura.
Mas, ele também apresenta desafios de plataforma. Em algumas fases, a câmera muda de perspectiva, mudando para uma visão 2D do mundo. Assim, você deve ir da esquerda para a direita, pulando em plataformas e evitando buracos. Porém, temos o mesmo problema do combate, onde a jogabilidade é simplista, e não temos nenhuma habilidade além de pular. Estas sessões não chegam a ser desafiadoras, mas são frustrantes de tão simples, e relativamente longas.

Visualmente Interessante
Apesar de ainda ter seus problemas, a arte e trilha sonora são as melhores partes de El Shaddai. Visualmente, ele tem gráficos fracos, mas uma direção de arte bastante bonita. Digo isso, pois os modelos dos personagens não impressionam, estranhos até para a época do lançamento original em 2011. Em especial, os inimigos são bastante pobres em detalhes, e um deles é especialmente peculiar, onde até imaginei que sua aparência poderia ser um bug do jogo. Porém, os cenários que você visita são impressionantes.
A variedade dos locais é incrível, sendo que nenhuma fase é parecida com a outra. O interior da torre é muito mais estranho do que poderia imaginar, aonde vamos desde catedrais enormes de pilares gigantescos, a cavernas de gelo intermináveis, passando por uma cidade futurística cheia de robôs e motos (sim, acontece sem explicação nenhuma). Ao contrário do gameplay, os cenários não cansam, e são muito criativos em criar uma sensação de novidade em toda nova fase.
A característica de ser abstrato também vale aqui. Nenhum desses cenários faz muito sentido, e a conexão com as fases anteriores é nula, sendo um mundo totalmente separado. Isso contribui com a sensação da história não fazer muito sentido, mas pelo menos são prazerosos de explorar e admirar.
A trilha sonora também impressiona. É uma trilha sonora épica, cheia de cantos em coral, que cria uma mistura de angelical e terreno que combina muito com a temática de El Shaddai. Em alguns pontos, ela eleva a situação que está acontecendo para algo mais grandioso do que a escrita do jogo consegue passar.
Sentimentos Mistos
Para esclarecer, El Shaddai foi um jogo que gostei. Apesar dos pontos negativos que citei, do combate não ter variedade e da história confusa, ele ainda tem características positivas o suficiente para entreter.
Certamente, é uma experiência diferente, mas proveitosa. O gameplay básico é divertido, com animações de combate bastante fluídas. O jogo é curto o suficiente para estas lutas simples não cansarem, então o jogo não é arrastado. Os cenários são bem criativos, apresentando uma característica abstrata que contribui para o ambiente místico e divino da história. A narrativa apresenta conceitos interessantes o suficiente para deixar curioso, mesmo que não aprofunde em nada.
Por fim, fico feliz de ter tido essa experiência, pois, mesmo com todos os seus problemas, é uma obra que arriscou fazer as coisas do jeito diferente, e alcançou um resultado único e bem diferente do normal.
*Chave cedida para análise