Introdução
Para aqueles que acreditam no cenário de criação de jogos no Brasil, Unsighted é um orgulho. Já, para aqueles que desacreditam, eu tenho uma péssima notícia para vocês. Não é apenas sobre um jogo divertido, e sim sobre uma obra completa, que transmite emoção certa no momento ideal.
Enfim, Unsighted saiu. Lembro que joguei uma build dele em uma BIG (Brazil’s Independent Games Festival) no ano de 2018 e, na época, eu já tinha ficado empolgado. Porém, agora que coloquei minhas mãos no jogo, foi como reencontrar uma criança que, agora, é um adulto bem-sucedido.
Antes de tudo, eu preciso dizer que esse jogo é uma mistura bem feita de diversos gêneros de sucesso no mercado. Tem inspirações claras nas séries Souls e Zelda, possui elementos de metroidvania, além de um mundo aberto rico em puzzles e, também, se preocupa com os laços criados entre os personagens.
Lançado no dia 30 de setembro de 2021, a obra foi produzida pelo Studio Pixel Punk e distribuido pela Humble Games. Além disso, o game está disponível para Playstation 4, Xbox (disponível também no Gamepass), Nintendo Switch e no PC.
O enredo
Posto que é comum a teoria da revolta das máquinas vir a tona conforme a tecnologia evolui, se faz necessário comparar e entender a analogia que Unsighted traz em sua narrativa. Em um mundo onde autômatos são comuns e vivem em harmonia com o ser humano, a ganância da nossa espécie foi, mais uma vez, o início do fim.
Um meteoro caiu na terra de Arcadia e, desde então, os autômatos não eram mais os mesmos. O meteorito emana uma energia denominada de Anima, que por sua vez, alimenta os autômatos e os torna capazes de sentir e expressar emoções. Porém, os humanos conseguiram capturar essa rocha espacial e agora a Anima está acabando.
Nós controlamos Alma, uma autômata projetada para ser a melhor combatente, superando a sua parceira Raquel. Nós somos o fio de esperança que sobra para os robôs na guerra contra os humanos. Contudo, após um incidente nós perdemos a memória e agora nos resta tentar resolver o problema e lembrar do que vivemos.
Existem cinco fragmentos espalhados pelo mapa que precisamos recuperar e, assim, ser capaz de vencer a batalha. Acontece que, quando a Anima de um autômato acaba, ele se torna um Unsighted.
Um caminho mais difícil e doloroso
Entretanto, esses fragmentos foram entregues a cinco robôs poderosos e escondidos, para evitar que os humanos pegassem. Agora é nosso dever encontrar esses robôs e pegar de volta cada fragmento. O problema é que agora eles não têm mais consciência e agem de forma agressiva.
É isso o que um Unsighted quer dizer. O autômato perde sua capacidade de sentir emoções e não consegue mais discernir as coisas. Ou seja, o mundo está repleto de criaturas robóticas que não conseguem diferenciar um amigo de um inimigo, logo, todos são inimigos.
O nosso trabalho é percorrer esse mapa repleto de perigos para tentar restaurar o meteoro e restaurar o Anima.

Escolhas difíceis
Antes de partir para a parte de jogabilidade, vou contar primeiro sobre as relações dos heróis.
A Anima de cada NPC é mostrada quando nós conversamos com eles pela primeira vez, então, você já entende o que está rolando. Você, a dona da loja de itens, a mestra de artes marciais, o dono do pet shop, todos temos uma quantia de Anima restante e, quando chegar ao final, nos tornaremos Unsighted.
Eu odeio jogos que me dão um tempo para zera-lo. A não ser que o tempo colocado tenha uma explicação ótima, tanto na história quanto na gameplay, ele estraga toda a minha experiência com a obra. No entanto, todo o cenário criado nessa obra faz essa mecânica ter sentido e, além disso, existe um item que nós podemos prolongar a vida por mais 24h.
O problema é que esse item é escasso, claro. Não faria sentido criar essa mecânica e tornar ela fácil de burlar, não é?
Então, cabe a você decidir quem irá ter a vida prolongada. E, vou te antecipar, o jogo não te ajuda nisso. Todo NPC tem um papel importante e você vai precisar escolher entre eles qual é o mais relevante para você, seja na sua função ou mesmo só pelo carisma.
A perda é inevitável e dura. Machuca de verdade você não conseguir salvar todos eles. Quando eu recebi a primeira mensagem que um de nós tinha se tornado Unsighted, foi uma sensação de impotência tremenda. E, infelizmente, qualquer paralelo com a pandemia é mera coincidência…

Exploração
Bem como um bom jogo de mundo aberto, a exploração é um elemento presente e, nesse caso, atua como uma faca de dois gumes. É possível gastar tempo procurando segredos e itens escondidos pelos cenários ao invés de tentar solucionar o problema da maneira mais rápida. Porém, você pode deixar passar alguns itens que te darão maior variedade de jogo ou até mesmo os pós com Anima.
Não é atoa que Unsighted traz um “modo explorador”, que aumenta o tempo de vida de todos os autômatos em 200h para você poder explorar o mapa com mais calma.
Dito isso, o mapa é aberto e você pode ir para onde quiser desde que tenha como fazer isso. Como disse na introdução, o jogo tem esse elemento de metroidvania, que coloca obstáculos que só são vencidos por equipamentos conseguidos mais para frente no jogo. Só que isso não é um problema, afinal, eu não lembro de precisar ou querer acessar um lugar que ficou muito tempo inacessível. O ritmo do game nesse quesito é bem legal, não corre com tudo mas também não fica segurando para depois.
Por último, mas não menos importante, os puzzles. Todos os mapas contam com uma quantidade ideal deles. Isso porque em nenhum momento eu me senti cansado de resolver ou até mesmo travado no jogo por não conseguir fazer. A complexidade da maioria deles é baixa, mas existem os mais difíceis que vão exigir um pouco mais. De forma geral, nós resolvemos todos eles sem nem perceber o que, de fato, estamos fazendo.

Combate
Finalmente, o elemento que mais chama a atenção em Unsighted. Não que seja a melhor parte do jogo, mas com certeza ele tem um brilho especial.
Por se tratar de um RPG de ação com forte inspiração na série Souls e também com uma pitada de hack and slash, o combate da obra é satisfatório. E não leve isso para o lado negativo, é como abrir aqueles vídeos que dão satisfação só de ver. Tudo funciona de forma simples, prática e muito bem feita. Principalmente pelas animações e responsividade dos controles.
Nós podemos bater, atirar, aparar e desviar. Todos esses tem um custo, com exceção do aparo (se você não considerar que arriscar sua vida é um custo, hehe). Atacar com a arma corpo a corpo, desviar e correr custa stamina, enquanto atirar gasta munição (são infinitas, mas precisa recarregar).
Ou seja, a fórmula do combate é a mesma de sempre: bater e desviar (ou aparar). O que me chamou atenção é que todas as ações que fazemos durante o combate é imediata e precisa. É como se todo o botão que você aperta tivesse vida e agisse por si próprio. Sério, eu não consigo explicar o quão gostoso é lutar em Unsighted. É frenético, tático e punitivo, tudo ao mesmo tempo.
Para te auxiliar no combate, existem as engrenagens e os chips. As engrenagens são benção temporárias que podem ser fabricadas com itens e uma bigorna. Elas podem dar ataque, defesa, ressurreição, mais barra de vigor, etc. Já os chips atuam como o centro da build. Eles dão mais dano para certo tipo de arma, maior velocidade de ataque, mais pontos de vida, etc.
Além disso, existem diferentes armas que funcionam de forma única.

Direção Artística
Não é segredo para ninguém que eu amo Pixel Art, eu amo ver como os artistas dão vida a coisas tão bonitas usando poucos pixels em cada arte. Então, é meio que obrigação minha enaltecer o trabalho que foi feito na arte de Unsighted. O mundo é maravilhoso, suas áreas são muito bem estilizadas e montadas, sendo assim, cada uma tem um toque especial e é única no jogo. E também, não dá para passar batido das animações, que entregam uma dinâmica na jogabilidade invejável a diversos jogos.
Já na parte sonora, o jogo não faz todo o sucesso que fez na arte. Porém, ainda assim, não é ruim. Os efeitos são bem bolados, convencem e são variados. O que me chamou a atenção é a mistura de sons em 8bits com áudios mais atuais. Isso não é um problema, eu achei uma combinação interessante e que não atrapalha. O que me incomodou foram algumas músicas.
A maioria delas é bem legal, num estilo que lembra lo-fi e encaixa bem no tema do jogo. Porém, algumas delas, principalmente nas músicas tema das áreas dos chefes, eu me cansei delas. Escutar em loop estava me atrapalhando, me fazendo querer sair logo da área para eu não precisar mais ouvir (em alguns momentos me deu até um soninho gostoso, sério).
Entretanto, quando as músicas me cansaram, eu não fiquei mais muito tempo na área, então não atrapalhou tanto a minha experiência.

Conclusão
Quando eu joguei Unsighted em 2018 eu não esperava que ele se tornaria o que é hoje, mesmo. Foi uma surpresa muito agradável ver o resultado alcançado pelo estúdio brasileiro. Inclusive, é importante mencionar que o jogo leva muito a sério a questão de gênero e representatividade, o que me deixou mais feliz ainda. Colocar no mercado ótimos jogos que serão jogados por muitos com temas tão importantes, é um diferencial, um primeiro passo. Bem como uma mãe indica o melhor para o filho dela, eu indico essa obra para vocês. Um combate muito responsivo e frenético, com uma arte linda e personagens carismáticos, além de uma história que prende o jogador e te motiva a todo instante. Unsighted não deve passar despercebido pelos jogadores.
* Chave cedida para análise