Introdução
Conhecida pelos desenvolvimentos de DMC: Devil May Cry e Heavenly Sword, a desenvolvedora Ninja Theory lançou Hellblade: Senua’s Sacrifice em agosto de 2017, com uma proposta de trazer aos jogadores um jogo focado em desenvolvimento de personagem e ambientado numa temática nórdica. Ele foi lançado originalmente para Xbox One, PlayStation 4 e PC. E por último, lançado em abril de 2019 para Nintendo Switch.
A análise contém spoilers.
Entendendo a história
Hellblade: Senua’s Sacrifice conta a história de Senua, uma guerreira celta que embarca em uma viagem rumo a Helheim, um dos nove mundos da mitologia nórdica, conhecido também como o mundo dos mortos. Ela parte em sua jornada após a perda de Dilion, seu grande amor, morto em uma batalha contra um exército Viking. Senua vai atrás de Hella, deusa de Hellheim, em busca de respostas, e talvez uma forma de salvar a alma de seu grande amor, Dilion.
A premissa parece simples até entendermos quem é Senua. A princípio ela é apenas uma guerreira do seu clã. Mas logo no começo da jornada, vemos que nossa protagonista possui transtornos psicológicos graves. Ela sofre de esquizofrenia e depressão. Logo nos primeiros minutos, já começamos a sentir na pele os problemas que Senua enfrenta. A personagem começa a ouvir vozes das mais diversas, desde as que incentivam a personagem, até as que tentam atrapalhar nosso progresso.
Assim, por se tratar de um assunto bem sério, o estúdio deixa bem claro no início da gameplay e nos menus de loading que o seu desenvolvimento foi feito com o acompanhamento de um especialista no assunto. Então, se nos sentimos afetado durante a campanha, podemos entrar no site deles para ler, entender melhor e buscar assistência psicológica. No menu principal, a Ninja Theory disponibilizou um documentário sobre o assunto caso haja interesse de saber mais sobre o assunto.
Direção de arte e polêmica com os gráficos
Talvez aqui tenha sido a minha maior decepção com Hellblade: Senua’s Sacrifice. Eu joguei no PlayStation 5, mas o jogo não recebeu nenhum tipo de melhoria para o console da Sony na nova geração, apenas para os consoles da Microsoft. Dessa forma, a versão que eu joguei foi a mesma do PlayStation 4.
Portanto, o ponto negativo para o Hellblade no PlayStation 5 são os gráficos. O jogo tem muito serrilhado, o que dificulta demais em enxergar alguns pontos no cenário, principalmente se estivermos em ambiente bem escuro. Em alguns momentos, deu a impressão de que não estávamos jogando nem a 1080p. Entretanto, não senti nenhuma queda de frame, então o game se comportou bem em 30 FPS o tempo todo.
É compreensível, já que a Ninja Theory não é um estúdio muito grande e Hellblade: Senua’s Sacrifice não é um jogo Triple A de grande orçamento. Mas isso não me impediu de ficar insatisfeito com os gráficos.
Mais problemas com os gráficos
Meus problemas com a parte gráfica não se resumem a isso. Às vezes, tive a impressão de que o game era de PlayStation 3. Pois, apesar de a direção de arte ser boa em alguns momentos, em outros os ambientes são todos bem escuros ou com cores acinzentadas, no mesmo estilo de Gears of War 1 e Dark Sector, por exemplo.
Hellblade também tem um problema sério com texturas, que carregavam enquanto eu passava pelo cenário ou que simplesmente não carregavam. É claro que gráficos sozinhos não são o que fazem um jogo ser bom e eu também não estava jogando a sua melhor versão, mas é realmente estranho um game desse escopo em 2017 apresentar esses problemas.
Em certa parte da campanha, em um momento de transição de cenários, a tela simplesmente travou por alguns segundos, no mesmo estilo de carregamento de Half-Life, onde a tela congelava.
Apesar dos gráficos serem ruins na maior parte do tempo, Hellblade: Senua’s Sacrifice tem cutscenes belíssimas, e eu ficava esperando pelo momento delas aparecerem.
Gameplay e jogabilidade
Os controles do jogo são bem simples, mas funcionam super bem. Nós podemos fazer ataques fracos e fortes, esquivar, nos defender de ataques, dar uma trombada no inimigo e travar a mira em inimigos, além de alternar o alvo sempre que mais de um esteja na batalha. O mais curioso é que o game não apresenta nenhum tutorial para aprendermos a controlar Senua. Se estivermos com alguma dúvida do que faz algum botão, é só apertar pause que já temos toda a configuração dos controles.
O jogo é linear, porém tenta simular algo diferente disso em alguns momentos. Em certas áreas, nos deparamos com mais de um caminho. Mas ambos dão no mesmo lugar. O problema é que o caminho secundário é minúsculo e não tem nada para se explorar. Às vezes esses dois caminhos são separados por algumas árvores ou um trecho de terra que não conseguimos passar pelo meio sem nenhuma justificativa. Ou seja, o game simplesmente não nos recompensa por fazer outros caminhos. São raros os momentos em que algum diálogo novo é desbloqueado. Exceto a alguns lugares onde encontramos totens, que nos contam um pouco mais sobre o mundo.
Combate e dificuldade
O combate também é bem simples, porém isso não é nenhum defeito. Os inimigos nos atacam com e temos que defender, esquivar ou dar um parry, que quando executado, nos permite contra-atacar. A variedade de inimigos é pequena, tanto em aparência quanto em ataques. Temos o inimigo que usa uma espada, com duas espadas, com espada mais forte. Essa última espada não conseguimos defender dos ataques.
Para simular uma dificuldade maior nas batalhas, o jogo apenas vai adicionando mais inimigos. No começo enfrentamos apenas um. Após algumas batalhas começam a vir dois ao mesmo tempo. E então em algumas horas estamos enfrentando várias hordas de inimigos que simplesmente não param de vir.
Puzzles criativos e difíceis
Hellblade: Senua’s Sacrifice tem 3 tipos de puzzles. Mas isso não é um ponto negativo e nem deixa o jogo repetitivo ou enjoativo. Um desses puzzles consiste em achar letras do alfabeto nórdico no cenário. Para prosseguir, precisamos localizar uma porta com 3 letras diferentes desenhadas, e procurar esses símbolos, que ficam espalhados no cenário.
Outro puzzle é bem similar com o citado acima. A premissa é a mesma, precisamos passar por portas e para prosseguir, é necessário formar no cenário um objeto definido nessa porta. A diferença é no que temos que procurar, pois, agora não são mais letras e sim algumas formas. Precisamos usar as camadas do cenário, algumas vezes subir em partes mais altas do cenário e olhar de um ângulo específico para resolver o puzzle.
Para facilitar um pouco, quando chegamos perto das letras ou dos objetos que procuramos nos puzzles, o cenário nos dá uma dica sonora ou com imagem. Quando esse alerta é ativado temos que ficar atentos, pois estamos perto de resolver o puzzle. Mas mesmo com essa ajuda, em alguns momentos foi difícil resolver o puzzle e prosseguir.
O terceiro tipo puzzle é o mais difícil. Ele tem as mesmas características dos dois citados acima. O diferencial é que agora temos alguns espelhos no cenário, que quando passamos por eles, o cenário se modifica. Dessa forma podemos desbloquear novas áreas, acessar escadas e portas que antes não eram acessíveis. Agora com esse puzzle, temos que escolher os espelhos corretos para liberar as áreas corretas do cenário e localizar o objeto ou a letra que estamos procurando. Na teoria pode parecer difícil, mas após uma ou duas áreas já é possível entender como a mecânica funciona.
Pense duas vezes antes de morrer
No início de Hellblade, recebemos a informação que não podemos morrer muitas vezes. Caso contrário nosso progresso será apagado e perderemos nosso save, assim, teremos que começar a jornada do zero. Durante o jogo, Senua nos conta que foi amaldiçoada e a partir daí, vemos uma mancha em seu braço. Essa mancha irá aumentar conforme morremos até consumir Senua por completo. Durante a jornada eu morri apenas 3 vezes, então a mancha não cresceu muito então não consegui ver o limite máximo que essa mancha aumenta no corpo de Senua.
Mas toda essa ideia de que não podemos morrer muito é apenas uma forma do estúdio de nos deixar assustados e jogar com mais atenção. Tive que pesquisar para entender se isso é realmente verdade, pois na teoria, parece algo legal e que não vejo todos os dias nos videogames, mas na prática, pode frustrar muito os jogadores mais casuais e que estão encarando o jogo apenas pela experiência. Contudo, o estúdio nos enganou, então podemos morrer a vontade, que nada irá acontecer com o nosso progresso.
Talvez a ideia original tenha sido realmente isso acontecer. Mas, provavelmente, iria gerar muita polêmica e foi retirada durante o desenvolvimento. De qualquer forma, a justificativa para isso acontecer dentro da história é boa.
Clima perturbador
O clima em Hellblade é extremamente perturbador. Até me acostumar com as vozes falando no ouvido quase todos os momentos, tive que parar de jogar por duas vezes, pois me sentia muito incomodado. São várias vozes falando ao mesmo tempo, algumas vozes incentivando a prosseguir, outras incentivando Senua a desistir da jornada.
Esse é um dos pontos fortes de Hellblade. Simular alguém com esquizofrenia foi feito de uma forma positiva. Além de tentar nos influenciar, as vozes da mente de Senua abordam temas relevantes para quem possui esse transtorno. Temas como suicídio, desistir dos objetivos, questionamentos sobre se os nossos esforços são em vão, da recompensa de nossos atos, são abordados a constantemente, fazendo com que Senua se questione a todo momento.
A seriedade que a desenvolvedora aborda esses temas é nitidamente visível. Como já foi dito acima, o estúdio se preocupou em todos os momentos do desenvolvimento, ter acompanhamento de profissionais do assunto. Com isso, os diálogos são bem escritos e em todos os momentos que as vozes na mente da personagem fala, debates inteligentes e lições de vida são tirados.
Assim, fica claro o desenvolvimento da protagonista. Senua começa o jogo de forma insegura, com medo do desconhecido, mas essa atitude vai mudando durante a campanha, com ela se conhecendo melhor e sentindo-se mais confiante. O mais legal é que nossa curva de aprendizado anda lado a lado com a da personagem e com seu desenvolvimento na história. Vale destacar o excelente trabalho de dublagem e captura de movimentos feitos pela atriz Melina Juergens. As expressões são convincentes, onde é possível sentir todo o sofrimento, angustia e exaustão nos olhos e no rosto da personagem.
Semelhanças com God of War 2018
Quando Hellblade: Senua’s Sacrifice foi lançado em 2017, não se sabia muitas informações de God of War, lançado em 2018. Mesmo assim, é comum muitas pessoas acharem que Hellblade se inspirou muito no exclusivo de PlayStation 4. As semelhanças entre ambos vão além da temática nórdica.
Dentre as semelhanças, Hellblade foi desenvolvido com a técnica single shot, ou seja, gravado em um take só, sem cortes. Quando os cortes ocorrem, são bem disfarçados, muitas vezes passando desapercebidos. As Cutscenes também são bem parecidas. Em vários momentos, o game simula um estilo de filmagem de câmera na mão, dando mais naturalidade para as cenas.
Ainda falando em ângulos de câmeras, tanto God of War quanto Hellblade utilizam da técnica Over The Shouders. Essa muito usada em filmes e basicamente é filmar o personagem do ombro para cima. O intuito é focar no rosto e no sentimento que o personagem está passando.
Falando sobre a mitologia nórdica, em partes de Hellblade obtemos fragmentos de histórias nórdicas. Algumas dessas histórias foram vistas novamente em God of War (2018). Assim, podemos conhecer mais detalhes sobre a história de personagens como Loki, Baldr, Odin e detalhes sobre o Ragnarok, o apocalipse da mitologia nórdica. Como joguei God of War antes de Hellblade, foi legal matar a saudade e relembrar fragmentos das histórias que já conhecia.
Conclusão
Hellblade: Senua’s Sacrifice não é um Triple A de um estúdio grande, e mesmo assim a Ninja Theory conseguiu entregar um jogo ambicioso. Ele erra em alguns momentos e até onde tenta colocar mais conteúdo do que precisa. Mas quando Hellblade acerta, acerta em cheio. Tanto na criação e desenvolvimento da personagem principal, quanto nos problemas que ela enfrenta e como isso se encaixa na mitologia nórdica.
A mensagem que o game nos passa é a de lutar contra nossos demônios internos, aceitar quem somos e encarar isso de uma maneira natural. Mesmo que o processo traga bastante dor, é uma atitude muito gratificante e recompensadora, não importa quem, ou o que, tente nos fazer pensar o contrário. Um diálogo que me marcou, Senua diz que mesmo na escuridão, as belezas da vida não nos abandonam. Então se você gosta de histórias com lições poderosas, e com personagens marcantes, Hellblade é um prato cheio.
A Ninja Theory é um estúdio muito promissor e Hellblade: Senua’s Sacrifice é disparado o melhor jogo lançados por eles. Em 2020 o estúdio lançou Bleeding Edge, um Multiplayer PVP com proposta parecida a de Overwatch, porém sem o mesmo sucesso. Isso fez com que a desenvolvedora focasse todos os seus esforços na sequência do game com um nome de Senua’s Saga: Hellblade 2.
Com a aquisição por parte da Microsoft, é certo que veremos uma sequência maior, mais ambiciosa e agora exclusiva para Xbox. Apesar de não saber o que esperar desse segundo jogo, já que o primeiro termina sem deixar pontas soltas, estou curioso para saber onde essa nova franquia, agora exclusiva de Xbox, irá nos levar.