Quando joguei Tomb Raider pela primeira vez, era criança. Tinha entre 6 e 8 anos de idade, e naquela época eu não tinha um videogame para chamar de meu (meus pais tinham medo que eu viciasse e nunca mais fizesse as tarefas de casa).
Felizmente, um primo mais velho tinha um Playstation One, aquele antigão, sabe? Todo quadradão e cinzento. Ele me emprestava às vezes durante finais de semana em que eu não fazia nada além de jogar.
Entre tantos jogos que ele tinha, havia um com uma mulher de shortinho e que usava duas pistolas. Ela caminhava estranho, dava piruetas em momentos desconcertantes e lutava com dinossauros, entre outros bichos estranhos.
Fiquei fascinada, pois o jogo era muito divertido. Como eu era criança, não conseguia passar tão facilmente das fases, mas mesmo assim era tão legal. O mais legal ainda era jogar com uma mulher.
Eu posso jogar como uma mulher?

Lara foi criada após diversas reuniões e conversas entre os executivos da Core Design e o criador de Tomb Raider, Toby Gard.
Primeiramente, ele deu a ideia de um machão no estilo Indiana Jones. Negado. Em seguida, ele fez dois designs, um masculino e outro feminino. O feminino ganhou mais força. Toby a chamou de Laura Cruz, mas os executivos não gostaram do nome. Finalmente, veio Lara Croft.
Naquele início dos anos 2000, era praticamente impossível achar personagens femininas jogáveis. Eu não conhecia nenhuma outra além de Lara. Como criança, a gente não se importa muito se a pessoa que estamos controlando é homem ou mulher, mas ter uma garota no controle (péssimo trocadilho, me perdoem) era simplesmente sensacional.
Ok, era bastante difícil eu me ver como a Arqueóloga Gostosa que Lara era, mas eu conseguia me ver encontrando artefatos antigos e enfrentando criaturas nas tumbas há muito perdidas pelos homens.
Como a internet fala, Lara Croft era o momento. Em todo lugar que envolvia games ou cultura pop, ela estava lá. A sua popularidade só cresceu com o filme estrelado por Angelina Jolie.
Eu lembro de ver o rosto de Angelina como Lara em todos os lugares. Acho que assisti o filme no SBT, em uma das sessões da noite. Depois, nas sessões da tarde. Eram jogos saindo todos os anos, uma franquia com uma das mulheres mais sexys do cinema, e vários produtos. Quem poderia parar Tomb Raider?
A queda…
O tempo foi passando e eu perdi o contato que tinha com Lara. Meu primo conseguiu estragar o videogame dele e cresceu, nunca mais se interessando em consoles. Harry Potter entrou na minha vida e me tornei obcecada em querer ser uma bruxa e escritora. Deixei os videogames de lado.
Ao mesmo tempo, a franquia de Lara também passava por um momento conturbado. The Angel of Darkness, que deveria ser o retorno de Lara após sua morte misteriosa em The Last Revelation e a estreia dela no Playstation 2, foi um fracasso.
A jogabilidade era ruim, havia bugs demais, e a promessa de um jogo incrível para a nova geração foi quebrada da pior maneira possível. Tomb Raider já não era o mesmo, e todo mundo sabia.
Lara Croft precisava de um tempo para respirar.
… a sexualização excessiva…

Não importava se Lara Croft era absurdamente rica, com uma inteligência acima da média, e soubesse matar tiranossauros como ninguém, ela ainda era o que todo homem queria que ela fosse: um objeto sexual.
Isso é notável em diversos momentos, desde o lançamento do primeiro jogo. Era óbvio para o criador, Toby Gard, que a Core Design queria fazer dinheiro com o “sex appeal” de Lara, algo que não o agradou. Mas, chefões são chefões. A gente sabe quem levou a melhor nessa.
É muito difícil, até hoje, com a trilogia do reboot entre nós há quase 10 anos, desprender a imagem sexualizada de Lara da personagem. Todo mundo ainda vê Lara Croft como uma mulher sexy, de shortinhos, usando uma regata azul e com duas pistolas na mão.
A própria Square Enix decidiu pelo visual da Lara clássico nas comemorações dos 25 anos da franquia, ao invés do reboot.
De acordo com um artigo na Vox, de 2018, durante as primeiras aventuras de Lara, ela era “uma lista de paradoxos”. Suas habilidades eram incríveis, mas não havia direcionamento nenhum para ela como personagem. Toby Gard a via como uma mulher corajosa, mas frágil.
Depois de Underworld, que saiu em 2008, percebia-se uma necessidade de mudar Lara. Talvez não dos executivos, mas da sociedade. O mundo já não era o mesmo de quando Lara foi criada.
Era necessário criar um jogo que tivesse apelo não só para os fãs, mas para a nova geração.
… e a Ascenção da Tomb Raider
Foi em 2015 que voltei a ter contato com Lara Croft, dois anos depois do lançamento do reboot que mudou tudo na franquia. Era exatamente o jogo de 2013 que estava de promoção na Steam, por incríveis R$6,99. Meu PC não era o melhor do mundo, mas ele conseguia rodar alguns jogos mais tranquilos e, apesar de penar em algumas cenas, consegui jogar até a metade sem nenhum problema.
Por que até a metade? Bom, porque eu não estava acostumada a jogos de ação com tiroteio e morria. Muito. Você morreu muito jogando Dark Souls? Não provavelmente o tanto de vezes que morri jogando Tomb Raider (2013) pela primeira vez.
Mas eu queria continuar. De novo, eu me vi fascinada por Lara Croft. Eu queria saber mais da história, dos personagens, dos vilões, porque não era só o gameplay que era envolvente, mas absolutamente tudo dentro do jogo, especialmente a personagem principal.
Ao contrário da personagem que eu encontrara quando criança, com quem eu não me identificava muito, dessa vez foi diferente. A Lara do reboot tinha minha idade, era apaixonada por história e tinha amigos com quem ela podia contar. E, sim, ela continuava sendo a Arqueóloga Gostosa, mas tinha um corpo proporcional e humano.
Ela tinha uma história mesmo, sabe? Tinha desistido da fortuna do pai para poder viver por conta própria. Lara tinha uma melhor amiga que ela amava e por quem daria a vida.
Lara Croft agora não era mais um sex symbol para os nerds. Ela era humana.
Era muito bom poder sentar na frente do computador e participar da jornada de Lara, tomar as decisões, sofrer suas dores e perdas, congratular suas vitórias. Mesmo que, para isso, tivesse que morrer inúmeras vezes.
Leia mais: 10 momentos marcantes de Tomb Raider (2013)
A lenda
A partir daí, não parei mais de consumir Tomb Raider. Li os quadrinhos que fizeram a transição entre o jogo de 2013 para o próximo jogo, joguei Rise of the Tomb Raider no meu Playstation 4 recém-comprado (onde, inclusive, terminei o primeiro jogo, após desistir de jogá-lo no PC), e fiquei extasiada quando anunciaram um filme baseado nos dois primeiros jogos do reboot.
Admito, Shadow of the Tomb Raider não foi o ápice que eu imaginei que seria para a trilogia, mas não foi nenhum The Angel of Darkness. Pelo contrário: ele se beneficiou dos jogos anteriores e entregou uma Lara pronta para se tornar a arqueóloga que ela estava destinada a ser.
Mas o mais importante? O jogo deu a humanidade à Lara que nenhum outro jogo do final dos anos 1990 conseguiu. É assim que se torna uma lenda.