Aproveitando o timing do review de Hellblade: Senua’s Sacrifce feita pelo meu xará e enquanto aguardamos mais informações sobre sua sequência, escrevo esse artigo. Através de pesquisas sobre teorias psicológicas e de informações da própria equipe de desenvolvimento da Ninja Theory, faço uma junção de mecânicas e partes da narrativa com a Psicologia. Dessa forma, será possível compreender as condições da mente de Senua em sua jornada, sendo este um dos tópicos principais do jogo.
A princípio, busco apresentar a figura de Senua e de sua situação psicológica no início do jogo, seguindo da ligação que Hellblade faz de suas mecânicas com a narrativa que desejam apresentar. Os links que utilizei na pesquisa estarão no texto, se tiver curiosidade em saber mais.
Apresentando Senua
Hellblade utiliza as culturas Celta e Nórdica para apresentar a busca de Senua, uma guerreira Celta que sofre de severa psicose. A fim de recuperar a alma de seu amado Dillion, sacrificado para os deuses nórdicos em um ritual Viking, Senua parte em uma jornada épica. Ela acredita que a cabeça dele, a qual ela carrega consigo, possa servir para ressucitá-lo. Isto é, se ela conseguir convencer a deusa nórdica Hel a devolver sua alma.
Logo no início de sua jornada, descobrimos que Senua ouve vozes em sua cabeça, que conversam e, principalmente, a perturbam. Além disso, torna-se perceptível ao longo da jornada que ela tem dificuldades em compreender a realidade, já que ela enxerga rostos no cenário, objetos em sua visão são multiplicados, entre outros sintomas de alucinação.
A forma como a realidade se apresenta para Senua se encaixa nos estudos de Zimmerman sobre a psicose. O autor coloca que pode existir um prejuízo do contato com a realidade da pessoa que sofre desse mal. Dessa forma, as alucinações, com as imagens e padrões que elas causam, se alinham ao referencial feito pelo mesmo. Outros autores colocam a psicose relacionada à esquizofrenia, que compartilha de alguns dos mesmos sintomas.
A Psicose sendo representada em um jogo
Hellblade faz um trabalho interessante na apresentação da condição psicológica de Senua. Desde sua narrativa, até a jogabilidade, utiliza-se da situação mental da personagem para representar como é conviver com um distúrbio mental. O mundo que ela vê é único e muitas vezes os elementos necessários na progressão estão espalhados e fragmentados em diversas peças pelo cenário. As Runas Nórdicas, por exemplo, aparecem em obstáculos no caminho de Senua, sendo necessário que ela construa representações das mesmas através desses fragmentos.
Nos diários de desenvolvimento, publicados no YouTube pela Ninja Theory, é evidenciado todo o cuidado na pesquisa do tema da psicose por parte dos desenvolvedores. A fim de obter uma representação capaz de quebrar paradigmas sobre a doença, a equipe contou com o apoio do psiquiatra e professor em neurociência, Paul Fletcher, que agiu como consultor em todo o projeto. Houve também suporte da fundação Wellcome Trust, uma instituição de caridade dedicada à pesquisa e compreensão da saúde.
Seguindo Fletcher, o uso dos padrões visuais vem de descobertas recentes envolvendo pessoas com psicose ou com tendências a desenvolverem sintomas psicóticos, já que essas pessoas costumam ser ótimas em realçar a maneira em que elas veem padrões em objetos. Em outras palavras, elas conseguem, a partir de partes fragmentadas, construir novos sentidos no mundo ao seu redor, assim como Senua faz no jogo.
Potenciadores da psicose em Senua
Os sintomas psicóticos, em forma de alucinações de Senua, são resultados de traumas passados em sua vida. Isto é, as situações que ela passou causam grande sofrimento nela, piorando de certa forma a maneira como ela lida com sua psicose. De tal forma que é possível enxergar uma relação entre o tipo de visão em determinados momentos com seu estado mental momentâneo. Por exemplo: quando Senua imagina estar ao lado de Dillion ou conversando com sua mãe, ela passa a agir com mais calma e confiança. Porém, quando estas alucinações envolvem seu pai, ela passa a agir de forma confusa, muitas vezes demonstrando medo, raiva e dor.
Como resultado, alguns dos desafios causaram traumas que criam situações de clara histeria em Senua. Para ilustrar, seguindo as pesquisas e análises de Freud sobre a histeria, é possível chegar à conclusão de que ela sofre de neurose. Esse distúrbio chega a afetar fisicamente a pessoa de tal modo que pode atingir a visão, audição, paladar e olfato. Além disso, em casos extremos é possível que cause até uma anestesia total.
Em outro episódio, Senua não consegue enxergar nada em sua volta, porém consegue ouvir em sua mente a voz de Dillion. Isso faz com que ela se concentre e consiga se localizar na escuridão. Desse modo, Dillion é novamente apresentado como algo que consegue a acalmar e a ajuda na reconstrução de mundo. Portanto, Senua precisa de suas bases para manter a realidade sob seu controle. Enfim, o jogo se mostra como um esforço da protagonista em se compreender e principalmente se reconstruir, para ela ter uma visão melhor sobre si mesma. Uma vez que Senua passa a entender sua situação, seus sintomas a afetam de maneira menos agressiva.
Conclusão
Hellblade: Senua’s Sacrifice é uma busca por parte da Ninja Theory de mostrar através de um jogo o que uma pessoa com transtornos mentais sente. Dessa maneira, eles apresentam uma personagem que usa de representações da vida real, possibilitando uma maior visibilidade a essas realidades. A jornada de Senua se apresenta com o efeito de demonstrar que ela é capaz de conviver com isso e se compreender.
Fica evidente que a psicose é levada, como já dito, em uma perspectiva diferente de ver o mundo e também a de uma concepção criativa. Afinal, o uso de padrões que se constroem usando diferentes elementos é um exemplo dessa criatividade. Essa procura por uma representação que tenta quebrar preconceitos e estigmas é uma constante entre os desenvolvedores e fica claro na obra final.
Senua é uma protagonista forte que, em sua busca, aprende a quebrar barreiras ao se conhecer melhor. Hellblade faz com que o jogador entenda o que ela passa, e sua trajetória até chegar ali, assim como a evolução da protagonista. Ao final do jogo, temos uma Senua melhor equipada para o que vier pela sua frente mesmo após tanto sofrimento. Sua jornada é um espelho da compreensão da psicose.
Em conclusão, é nítido o respeito da equipe ao produzir Hellblade. Principalmente, considerando a busca pela ajuda de especialistas e de pessoas que sofrem com os distúrbios mentais, de modo que tudo fosse representado da melhor forma. Inegavelmente, é um jogo capaz de ajudar, informar e transformar a visão sobre transtornos mentais. Em especial por considerar quem convive com distúrbios mentais, Hellblade possibilita uma melhor representatividade a essas pessoas. A Ninja Theory fez um excelente trabalho neste jogo, o que coloca uma grande expectativa por sua sequência.