Um retorno mais do que merecido
Duna é um livro de ficção científica publicado em 1965 pelo autor e escritor americano Frank Hebert. A complexidade e a genialidade da obra foi de grande importância, tanto para a literatura, para o cinema e até para os vídeogames. Mesmo não recebendo toda a atenção que merecia nas décadas posteriores ao seu lançamento e acabando sendo esquecido pelo mainstream, teve um filme lançado em 1984 pelo diretor David Linch. Mesmo a adaptação não ter sido um grande sucesso, a história voltou a tona com nova adaptação em filme, lançada em 2021 pelo diretor Denis Villeneuve.
Agora, com todos os holofotes apontados para sí e com toda a sua riqueza em detalhes, Duna está propícia para receber novas adaptações, porém agora em outras mídias. E é aí onde entram os videogames. A indústria dos games é hoje mais valiosa que o mercado do cinema e da música juntas. Assim, Duna seria uma ótima chance dos estúdios em lançar um jogo ou até uma franquia famosa e rentável. Mas é aí que entra um grande dilema. O jogo perfeito de Duna seria um sonho? E como fazer essa adaptação nos jogos nos dias atuais?
Jogos de Duna nos anos 90
Antes de entrarmos na brincadeira e imaginarmos como seria esse jogo perfeito, precisamos falar que Duna já teve jogos lançados. Contudo, semelhantemente aos filmes, os games lançados nos anos 90 também influenciaram a indústria e hoje passam desapercebidos por muita gente. Principalmente quando falamos em jogos RTS (Real-Time Strategy) ou estratégia em tempo real. O jogo Dune 2: The Building of a Dinasty foi lançado em 1992, também conhecido como Battle for Arrakis para o Mega Drive.
Em Dune 2, podemos controlar as casa Harkonnen ou Atreides em busca do Melange, especiaria mais essencial de todas, unicamente encontrada em Arrakis. Além disso, as casas se enfrentam em buscca do poder do planeta de areia, algo que para quem leu o livro é bem familiarizado. Sendo assim, o jogo inovou e trouxe novos conceitos para o gênero. Conceitos foram trazidos para os RTS, como por exemplo a mecânica de produção de recursos, consolidada nos anos 90 e sendo influência para grandes destaques da indústria nos anos seguintes, Em 1994 a Blizzard lançou o primeiro Warcraft, expandindo ainda mais as novas ideias apresentadas. Nos anos seguintes, tivemos os lançamentos de Age of Empires, Starcraft e Command & Conquer, nomes que todos os fãs de estratégia conhecem muito bem.
Porém, com a queda da popularidade dos RTS, adaptar Duna hoje nesse gênero não seria a melhor opção, falando em vendas e relevância para o público. Então, qual o melhor gênero para trazer a história de Paul Atreides para essa nova mídia? Um RPG clássico, com intermináveis diálogos e escolhas? Um jogo cinematográfico, nos moldes dos grandes Triple A da Sony. Além disso, quais as mecânicas de gameplay essa adaptação deveria ter?
A exploração espacial
Indo um pouco mais afundo na história de Duna, a exploração espacial já está avançada a níveis até difíceis de explicar, quando comparamos o que vivemos nos dias atuais. Mas quando levamos para ao mundo dos videogames, temos experiências que podem ser usadas como parâmetro para comparação e para a adaptação ser boa, deve ter um certo foco na exploração interplanetária.
Como por exemplo em Mass Effect, Astroneer e Outer Wilds, onde o foco é na exploração, na coleta de itens e na riqueza de informações sobre o mundo. Esses detalhes seriam essenciais para uma boa adaptação de Duna. Os planetas Arrakis, Caladan e todos os outros planetas conhecidos são ricos em detalhes, e cada um com uma ambientação diferente. Com a parte espacial bem explorada, um game único provavelmente seria feito.
Explorar recursos e oprimir o povo
Em Duna, enquanto as casas disputam e exploram recursos dos planetas incansavelmente, existem pessoas que sofrem vivem na pobreza. No planeta desértico, essa população, chamados de Fremen, a princípio são pobres e vivem a margem da sociedade, praticamente ignorados pelas casas que dominam o planeta. Mas o povo do deserto tem a plena capacidade de viver nos lugares mais remotos do planeta, onde nenhuma outra pessoa chega. Além disso, eles conseguem viver plenamente sem água, graças a trajes feitos por eles próprios, onde toda água produzida é reutilizada. Outro fator primordial para a sobrevivência no planeta é o fato dos Fremem utilizarem regularmente o Melange. A especiaria que é extraída da areia tem efeitos alucinógenos e é essencial para a exploração interplanetária, por isso sua importância.
Em certo ponto da história, esse povo tem bastante importância na participação na retomada do planeta Arrakis junto com a família Atreides. Dessa forma, é aqui onde vemos toda a violência do povo contra a imagem desse governo de certa forma opressor e exploratório. Contudo, existem outros fatores que deixam essa revolta ainda mais interessante, mas para isso, teria que dar grandes spoilers da história e esse não é o foco.
Hoje na indústria, vemos jogos dos mais variados que abordam esse tema. Alguns sem grandes detalhes de história, como por exemplo The Division, Watch Dogs: Legion ou Far Cry 6. Ou outros que entram afundo nesse tema, como Oddworld, Detroit Become Human e até Jett Set Radio. Talvez nenhum desses detalhes seja o melhor para tentar aplicar a Duna. Mas cada um deles tem seu devido crédito e o reconhecimento quando estamos falando em política e a revolta do povo contra o governo.
O exemplo nos games
Em Oddworld, o foco é a grande crítica ao capitalismo e como esse sistema político caminha a passos largos para acabar com os recursos do planeta. Esse detalhe vai de encontro com toda a exploração de Melange que é feita através das décadas no planeta Arrakis e de toda a exploração feita com o povo. Essa revolta vai ao ponto dos Fremen tentarem acordo para que as casas dominadoras apenas retirem a especiaria da terra e os deixe em paz.
Já em Far Cry 6 ou Watch Dogs: Legion por exemplo, o tema é semelhante, porém sem grande aprofundamento. Existe um governo ou organização que oprime o povo ou que tomam o poder. Nós controlamos um ou mais personagens que são responsáveis pela revolução e a retomada do poder, seja usando a tecnologia ou armas. Lembrando que nesses casos não existem heróis. Certamente o personagem principal fará algo que não é de se orgulhar, como por exemplo sujar as mãos com o sangue de pessoas, algumas até inocentes.
Ainda falando sobre liberdade, podemos usar o exemplo do game brasileiro Dandara, onde nós podemos enxergar de dois pontos diferentes. O mais simples, uma personagem lutando contra a opressão de um povo escravizado, afinal, a inspiração veio de Dandara dos Palmares, guerreira brasileira que lutou contra a escravidão.
Podemos trazer vários outros exemplos de jogos em que o elemento político é importante. Trouxe eles para ficar claro o quão importante é esse elemento. Em Duna não é diferente. Certamente precisamos entender a delicadeza e complexidade desse tema para adaptar em um jogo e levando em conta esses detalhes.
A religião e sutileza
Talvez meu fator favorito para o sucesso de uma adaptação de Duna para os videogames é a religião. Embora seja um tema muito polêmico, em Duna a religião não se resume apenas em escolher uma religião e seguir a risca o que ela prega. Na história, existe uma profecia que uma Bene Gesserit (algo semelhante com uma maga), dará luz a um homem que será poderoso e ao mesmo tempo será o equilíbrio entre o bem e o mal, algo semelhante a um messias ou um salvador.
Hoje temos jogos em que a religião também é abordada de forma sutil, mas que quando percebida, se torna impactante. Em Binding of Isaac por exemplo, temos uma mãe extremamente religiosa e capaz de fazer tudo em nome de algo que acredita. Ao chegar ao ponto de tentar matar seu próprio filho. O mais legal nessa história é que isso não é totalmente explícito. Aliás, muitos dos detalhes nós só conseguimos captar se prestarmos muita atenção no cenário, nos objetos coletáveis, nos itens e em pequenos diálogos que podem simplesmente passar rápido demais. Podemos trazer o exemplo de Final Fantasy Tatics e a abordagem da corrupção religiosa. Mas mesmo que não seja exatamente o que acontece em Duna, são nos detalhes onde conseguimos entender o que realmente está acontecendo.
Assim, tanto no livro quanto no filme, a abordagem do escolhido, ou do messias, devem ser cuidadosamente inclusas em um jogo. Dessa forma, não ficará algo forçado ou algo polêmico. Também deve ser levado em conta o grau de relevância que será dado para esse tema, já que ele deve estar presente mas não deve o destaque da história e sim dividir os holofotes com os outros temas primordiais que já foram abordados.
É sonhar demais?
Adaptar Duna não é fácil, ainda mais nos dias atuais. A indústria dos videogames é muito competitiva com um público muito exigente. Para adicionar mais complexidade na equação, os fãs de Duna são extremamente fieis e críticos. Então, além dos fatores já abordados anteriormente, como exploração planetária, política e religião, existem outros importantes para se levantar e debater. Por exemplo, jogos de guerra com mundos imersivos.
Talvez pontos trazidos aqui sirvam como barreiras para um desenvolvimento de Duna. Seria injusto lançar um projeto sem levar em conta tudo o que a obra de 1965 trouxe. Certamente teríamos um clima de que faltou algo, que a experiência estaria incompleta. E pensando a partir desse ponto de vista, provavelmente seria muito caro desenvolver algo desse tamanho. Tanto que o novo filme, dirigido por Denis Villeneuve só foi lançado 37 após ao dirigido pelo David Lynch, em 1984. Acredito que a preocupação em fazer algo grande e ambicioso só pode ser colocada em prática nos dias atuais, com toda a tecnologia disponível e a coragem de um estúdio em colocar muito dinheiro nesse projeto.
Inegavelmente Duna influenciou obras literárias, filmes e séries a partir da sua obra original. Quando chegou nos videogames nos anos 90, influenciou e impulsionou o genero RTS, nos ajudando a ver o gênero da forma que vemos hoje. Esse é o poder de influência que queria ver nos dias atuais, seria interessante ver como um projeto grande seria recebido pelo público e se revolucionária a indústria novamente.