Introdução
Segundo o professor Lars Elleström, adaptação é “uma espécie de transmidiação: uma mídia representa de novo, mas de forma diferente, algumas características que já foram representadas por outra categoria de mídia”. Para o autor, uma mídia que adapta a outra não quer representar aquela outra mídia, mas sim representar seus traços de uma nova maneira.
Antes de mais nada, vale perguntar: um filme baseado em um jogo deve ser exatamente igual ao seu material original? Podemos julgar um filme (uma mídia estática, sem interação com o participante) da mesma forma que julgamos um jogo (uma mídia interativa que envolve você profundamente)?
Parece que essas questões assombram todas as adaptações de jogos feitas por Hollywood desde o início dos tempos. Uncharted: Fora do Mapa é mais um que chega para tentar quebrar a maldição das más adaptações de videogames. Teria o filme de Ruben Fleischer aguentado tanta pressão?
É o que vamos descobrir.
Uncharted: Fora do Mapa foi dirigido por Ruben Fleischer e atualmente se encontra em cartaz nos cinemas.
Uma história longa…
Os planos para lançar uma adaptação em filme de Uncharted estão vivos há muitos anos. De antemão, muitos diretores, roteiristas e produtores tiveram o projeto nas mãos, mas nenhum tomou forma ao longo dos anos.
Nathan Fillion, Mark Wahlberg e até Chris Pratt foram cogitados para o papel principal. No entanto, nenhum foi para frente. Apenas em 2019 a produção se iniciou de fato. Para a surpresa de muitos, o atual Homem-Aranha, Tom Holland, encarnaria o papel de Nathan Drake e Wahlberg seria Sully.
Muita gente torceu o nariz para essa abordagem do filme, que seria uma história de introdução ao personagem. Contudo, quem melhor seria para carregar essa franquia nova nas costas do que o queridinho de Hollywood? Holland, apesar da carinha de criança, já tem 25 anos e encarna muito bem os anseios e felicidades dos Millennials mais novos e da Geração Z.
Todavia, como desgraça é pouco, as filmagens do longa sofreram com a pandemia do Coronavírus. A data de lançamento era empurrada para mais distante, até que, finalmente, em 17 de março de 2022, Uncharted: Fora do Mapa lançou exclusivamente nos cinemas de todo o mundo.
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…simplista, mas divertido
Assim como sua contraparte no jogo, Nathan Drake é um órfão “abandonado” pelo irmão em um convento durante sua vida. Ele é apaixonado por história e leva a vida como barman em Nova York, além de realizar furtos pouco elaborados em seus clientes.
A vida de Nate muda quando Victor Sullivan aparece no bar onde trabalha, pedindo ajuda para encontrar o tesouro de Fernão de Magalhães, desaparecido desde o século XVI. A partir daí, somos apresentados aos outros personagens, como o vilão Moncada, Chloe Frazer e outros.
A construção dos mistérios e plot twists do filme é bastante simplória. É possível adivinhar o que acontecerá algum tempo antes das cenas rolarem, ainda mais se você está acostumado com o jogo.
Mesmo assim, a história é amarradinha e bem construída. Tudo acontece por um motivo e você consegue perceber isso claramente em diálogos expositivos – até demais.
Um filme fundado em relações?

Se você jogou qualquer jogo da franquia Uncharted, principalmente o quarto, sabe que ele é pautado em relações interpessoais. São os relacionamentos de Drake com os outros personagens que fazem a história avançar e criar afeição com o jogador.
O filme peca em alguns momentos em relação a isso. O Nate de Holland é carismático e divertido, mas o Sully de Wahlberg é seco, canalha e por vezes chega a ser irritante. O relacionamento entre os dois é uma linha de altos e baixos, com o último se repetindo a cada meia hora de filme.
Ao menor sinal de desenvolvimento de personagem, Sully volta a ser o paspalho do início do filme. O personagem em si, foi o que mais me incomodou no filme. Todo mundo, o tempo inteiro, repete o quão sacana ele é, como se suas atitudes não fizessem jus a isso.
Por outro lado, a relação de Nate com Chloe cresce muito ao longo do filme. A interação entre os atores é divertida e dinâmica, passando por momentos de paixão e traição, como todo relacionamento entre ladrões deve ser.
A falta de personagens inerentes à história de Drake como personagem no jogo faz muita falta. O filme supostamente é uma prequel dos jogos, justificando o sumiço desses personagens. Mesmo assim, é uma pena que não estão ali.
Cenas de ação fazem jus aos jogos

Para Elleström, o autor mencionado mais cedo, a transferências de características entre mídias diferentes é um fenômeno fundamental para a maioria das situações comunicativas.
Quanto a Uncharted: Fora do Mapa, é possível observar essa “transferência de característica” quando acontecem as cenas de ação. A famosa cena do avião, divulgada diversas vezes nos últimos meses, é bem elaborada e coordenada. Nesse momento, vemos o melhor de Tom Holland como Nathan Drake.
Graças ao papel de Homem-Aranha, Holland consegue manejar as lutas e o desespero do personagem nas cenas. Isso sem falar nas piadinhas sem graça características de Nate.
Mais para o final do filme, é possível perceber que o CGI foi mal trabalhado, com takes que poderiam ser melhores. Esse é um filme de alto orçamento lançado em 2022. Coisas assim não deveriam acontecer.
É um típico filme de ação que bebe muito da fonte no qual foi adaptado. Uncharted, os jogos, foi baseado em Tomb Raider e Indiana Jones. Dessa forma, existem também referências a esses dois personagens icônicos.
Dito isto, também existem diversos easter eggs no filme. Alguns são pequenos, outros são escancarados. Todos, no entanto, são colocados com grande carinho pela produção.
Fotografia e trilha sonora
Assim como os jogos, Uncharted: Fora do Mapa trabalha muito com paisagens de tirar o fôlego. Seja em um barco no meio do oceano ou no espaço claustrofóbico de uma tumba, o filme abusa das imagens para convencer o telespectador que está assistindo a uma aventura primorosa.
Como é a primeira aventura de Nate, embarcamos junto conforme ele descobre as maravilhas do submundo dos ladrões. Perseguições nos telhados da Espanha, caminhadas em catacumbas e até a já mencionada cena do avião… Todas são bem bonitas de se assistir.
A trilha sonora é bem acertada, mas comum. Nada é muito impressionante, a não ser quando Nate realmente se transforma no personagem que todos amam. É aí que o tema clássico dos jogos toca lentamente, de pouquinho em pouquinho, para que atice a nossa curiosidade.
Ao tocar o tema por completo, chegamos ao final do filme. Sua proposta, a de mostrar o surgimento da lenda Nathan Drake, é concluída. Os créditos podem subir, acabou! A jornada do personagem está completa. Para quem é fã dos jogos, esse momento é bastante enriquecedor.
Conclusão
Volto à pergunta que fiz no início dessa crítica: é possível que um filme baseado em jogo seja exatamente igual à sua mídia original? Do meu ponto de vista linguístico, jamais.
Não existe a possibilidade de ter uma transmidiação igual, ainda mais quando são mídias diferentes. No caso de Uncharted: Fora do Mapa, a essência, as características principais dos jogos, estão ali.
Falta uma coisa ou outra? Sim, e muitas. O Sully de Wahlberg não convence, e a falta de Elena Fisher é bastante sentida.
Mas o cerne… a personalidade de Nathan Drake… o tesouro absurdamente gigante… a lenda passada de geração em geração… o vilão clichê… está tudo ali. E é isso que importa.