A paixão pela música como elo entre os personagens
Apenas uma vez (Once) é um musical irlandês dirigido e roteirizado por John Carney, lançado em 2007. Apresenta o encontro entre um músico de rua (Glen Hansard) e uma imigrante tcheca em Dublin (Markéta Irglová). Ele um artista de rua e ela uma vendedora ambulante que acabam descobrindo como elo a paixão pela música. Glen Hansard e Markéta Irglová são músicos e causam a atmosfera de naturalidade e encantamento durante todo o filme.
A naturalidade tem origem não só na atuação de Glen e Markéta, mas envolve todos os aspectos presentes como cenários, movimentos da câmera, som e narrativa e compõem uma obra muito sensorial que transborda sentimento.
A partir de Apenas uma vez e através de nossas experiências como espectadores percebemos que no cinema não há uma forma correta de se fazer um filme, mas já existem mecanismos estabelecidos. O modo que são utilizados determina o local que o autor ocupará e a importância de sua obra. Apenas uma vez, é um filme que é possível assistir mais de uma vez e continuar se entusiasmando, pois, gera a sensação de ser uma obra que tem como fim a própria obra. Em outras palavras, aparenta ter um fim em si mesmo, não está visando bilheteria e se o público gostar é apenas uma consequência da verdade que eles tentaram transmitir.
Por fim, a obra de John Carney desenvolve a trajetória de um artista de rua as dificuldades enfrentadas ao escolher a profissão, os conflitos pessoais que servem de inspiração e o encontro entre duas pessoas tendo como elo a paixão pela música.
Os personagens passam por diversos cenários
Em Apenas uma vez a questão visual é um pouco variada, pois, os personagens passam por diversos cenários e isso dá mais força ao conceito da obra. Eis que os protagonistas são artistas e o fato de não permanecerem num único ambiente gera a sensação de liberdade e esse elemento é associado a arte. Sendo assim, está presente tanto a iluminação natural do sol nos momentos que estão nas ruas quanto a luz artificial dos ambientes fechados, mas sempre voltados a tons realistas.
Para alcançar a naturalidade e o realismo além dos elementos de iluminação, o uso da câmera na mão traz a impressão de que realmente estamos observando um músico de rua. No entanto, não são os únicos, nesse ponto o cenário e a caracterização contam muito para a apresentação inicial do personagem. Ele está numa calçada no centro de Dublin portando apenas um violão e a capa para pôr as moedas, as pessoas estão num fluxo tão intenso que passam e nem o repara. Esses elementos criam o perfil de um artista solitário que tem como companhia, até então, a música.
Entretanto, esse ar solitário tem fim quando há o encontro entre os personagens de Glen e Markéta ao construir esse vínculo a forma com que são enquadrados na tela é conjunta. Em suma, é bem raro no decorrer do filme vê-los separados quando estão no mesmo ambiente, ou seja, um passa complementar o outro. E quando estão separados os cenários e suas expressões não ficam tão alegres, porém também não significa que há tristeza, eles só estão em seus espaços pessoais.

A música como elemento autêntico
Como se trata de um musical, falar sobre a trilha sonora se torna inevitável. Durante a obra as canções se apresentam de diversas formas sendo elas voz e violão, gravação em estúdio, e, também inseridas no momento da edição. Grande parte das músicas que estão na obra foram compostas por Glen e Markéta e a autoria reflete bastante na interpretação dos personagens.
No início é mostrada mais a atuação individual do personagem, um artista de rua com o violão cantando ao ar livre. Desse modo, a qualidade do som correspondente a essa situação. Com o decorrer do filme, ele já não está só, a personagem de Markéta passa a acompanhá-lo criando-se dueto.
Além de construir um clima que transmite leveza e vivacidade à obra, a trilha sonora também está posta com um caráter narrativo. As músicas refletem os momentos amorosos que estão vivendo, ambos enfrentam cicatrizes de relacionamentos que terminaram. Entretanto, parece serem assuntos mal resolvidos e eles vão expressando seus sentimentos por meio da música.
Apenas uma vez cria uma união muito forte entre diálogo e trilha sonora. A maioria dos diálogos traz informações sobre cada um deles e as músicas são expressões genuínas sobre o que eles dizem. Nesse viés é possível perceber se estão sendo coerentes ou apenas escondendo atrás de palavras o que sentem. Neste contexto, a música se torna o elemento verdadeiro, pois admitem seus sentimentos e expressam o que tanto negam.
A troca entre os personagens
Como foi dito anteriormente Apenas uma vez transmite leveza através de elementos que se assemelham muito ao cotidiano, é uma obra bem espontânea. O ritmo do filme é determinado por essa espontaneidade presente no dia a dia dos personagens. Não tem pressa para acabar e deixa claro que é feito para saborear.
No início apresenta o artista de rua. Posteriormente o encontro entre ele e a garota. A paixão deles pela música. A curiosidade de se conhecer para assim descobrir a inspiração artística de cada um e compreender a arte que estão criando. Isso é importante, porquê essa relação resulta em uma troca artística entre eles e passam a se complementar.
Ademais nos diálogos há mais um aspecto que traz naturalidade à obra, ele está na forma que as informações sobre a vida dos personagens chegam ao público. Há uma sincronia, o público é informado ao mesmo tempo que o personagem. Além disso, as músicas se apresentam na obra de maneira autêntica, os personagens não começam a cantar aleatoriamente, mas sim quando a narrativa permite, ou seja, tem um timing e um feeling.
A profissão artista
Nos subtítulos anteriores não é mencionado o nome dos personagens de Glen e Markéta, isso acontece porquê durante toda a obra ambos não são nomeados. Tal aspecto causa a impressão que na relação construída por eles não importa quem eles dizem ser ou como a sociedade os enxerga, mas sim a expressão artística que os conecta.
O cerne da obra é o encontro. A obra não aborda o amor entre duas pessoas, mas o amor de duas pessoas pelo mesmo objeto, a música. Ou seja, são duas pessoas com a mesma paixão que se encontram, se acolhem, se identificam e decidem construir algo juntas. Passam na vida uma da outra e acrescentam experiências positivas.
O personagem de Glen é um artista de rua que ainda não tem retorno econômico através da música, mas acredita no talento e é persistente. Durante a narrativa ele encontra pessoas que o ajudam, Markéta é uma delas. O que se passa na trama reflete muito a realidade, principalmente quando se fala em fazer da arte profissão. Um artista que pensa em “viver da arte” precisa sair de dentro de si e permitir que sua expressão alcance outras pessoas.
Apenas uma vez não tem como objeto único a música, também acompanha as relações familiares dos personagens, no entanto, a arte está em primeiro plano. São pessoas simples que apesar de ter talento não tem retorno econômico por meio da música, o que os move é a paixão pela arte. Esse sentimento não é transmitido apenas pelos protagonistas, mas também pelos personagens secundários todos estão envolvidos pela música e trazem frescor que a obra pede.
Por fim, Apenas uma vez não apresenta a música ostensivamente e com glamour, traz a música em sua essência.