O homem de gelo, as duas faces de um personagem
O homem de gelo é baseado em fatos reais, é uma obra norte-americana dirigida por Ariel Vromen em 2012. O filme é protagonizado por Michael Shannon (Richard Kuklinski), tem no elenco Winona Rider (Deborah), Ray Liotta (Roy Demeo) e Chris Evans (Sr. Freezy).
Richard Kuklisnki trabalha como assassino de aluguel para a máfia nos EUA, porém mantém uma vida dupla como marido amoroso e um pai dedicado. É casado com Deborah com quem tem duas filhas Anabel (McKaley Miller) e Betsy (Megan Sherril). Assegura uma vida confortável para elas, entretanto nem sequer desconfiam da origem do dinheiro que garante esse conforto.
Trata-se de uma obra biográfica, o personagem realmente existiu e seus crimes causaram um frenesi nos EUA durante o período de atividade. O homem de gelo não desenvolve a vida inteira do assassino apenas alguns fatos entre 1964, início dos assassinatos e momento o qual se casa, e 1986, quando é capturado e preso.
O fato de Kuklinski ser preso não é nenhum spoiler uma vez que o filme já inicia com o personagem cumprindo pena. Resumindo, O homem de gelo apresenta de forma imediata o destino do protagonista e durante a narrativa é desenvolvido o caminho percorrido por ele. E como usual em obras biográficas, nos últimos minutos da trama tira a curiosidade do público sobre que fim levou Richard Kuklinski.
Sendo assim, apesar de se tratar de um assassino a obra não mostra só o lado ardiloso de Kuklinski como também expõe a faceta de um pai afetuoso.
A frieza na composição do personagem
O homem de gelo é marcado por uma fotografia escura com bastante sombras, capaz de trazer mais força à atuação de Michael Shannon. O protagonista é visto como uma pessoa fria que possui uma vida dupla. Essa frieza está presente não só em seu olhar, como também nos gestos e postura. A falta de luz no rosto de Kuklinski de modo uniforme deixa sombras no seu rosto e frisa seu lado sombrio.
Além disso, as imagens são um pouco frias, sendo quentes e calorosas quando ele está em casa junto com a família. Ou seja, quando ele está em ação as cores tendem a ser frias e cinza, quando ele está na sua vida privada elas são amareladas e mais quentes. Em suma através da fotografia, percebe-se sua vida dupla, o lado mais sombrio e o outro mais afetuoso.
Por se tratar de um filme datado e que transcorre décadas, a caracterização é essencial, e O homem de gelo consegue criar a atmosfera das décadas de 60, 70 e 80. Por meio do figurino, penteados e acessórios o público identifica o momento histórico e o passar dos anos, quando Kuklinski está mais velho. Além da composição do personagem os cenários e elementos visuais como TV e carros tem essa mesma função.
Por fim, em O homem de gelo a câmera se posiciona como se fosse um voyeur e em alguns momentos não está fixa. Esse mecanismo é muito marcante durante a obra capaz gerar a impressão de ter alguém observando a ação e afastamento com o protagonista.
A fluidez na trilha sonora remete a versatilidade do protagonista
A trama apresenta o protagonista não só como um assassino frio, mas também como uma pessoa com relações sociais e familiares sólidas. Esse contraste se apresenta na história, na fotografia e na trilha sonora. Uma vez que o som de uma obra audiovisual para causar impacto tem que ser desenvolvida junto com o elemento visual, em O homem de gelo há essa sincronia. A trilha sonora muda de um tom sombrio a um clima mais tranquilo de forma fluída, até mesmo para relembrar suas duas faces.
Além da trilha sonora, os diálogos têm seu peso, mas não são memoráveis, porém ajudam a história caminhar. Em alguns momentos através do diálogo os traços físicos do protagonista são destacados, ele é alto e em diversas vezes um personagem comenta esse fato. Ademais, altura dele fica mais aparente quando ele está próximo dos outros personagem, eles são enquadrados de uma forma que deixa a altura contrastante. No entanto, trazer por mais de uma vez o fato de Kuklinski ser alto se torna um pouco repetitivo.
No mais, em uma determinada cena onde o diálogo é muito expositivo com a intenção de tentar trazer o passado do personagem a tona, o diálogo não é bom, pois no contexto da narrativa ele não se apresenta de forma natural se torna raso. Eis que se for entrar no assunto das determinações do caráter frio e calculista tem que ser de uma maneira mais construída. Além disso, a trama propôs desenvolver o personagem na fase de sua vida entre 1964 e 1986, sendo este um desafio um tanto complexo, desse modo, não é preciso trazer fatos anteriores se eles não são bem abordados.
O trajeto de um assassino
O homem de gelo mostra Kuklinski, um matador de aluguel que vive uma vida dupla com sua mulher e filhas, por esse ponto pode se esperar que a obra passe de momentos de matança a momentos de convívio familiar. Desse modo, a narrativa causa a impressão que os crimes cometidos por ele são justificados pela necessidade de garantir o conforto à família.
Então a trama traz o instante inicial que ele conhece Deborah mãe de suas filhas, começa a trabalhar como assassino de aluguel para a máfia e por fim, termina preso. Sendo assim, o filme não se torna entediante, pois Kuklinski se recusa a parar de matar e garante a ação até o fim da obra. Contudo, os crimes cometidos por ele não se tornam um espetáculo, mas algo “normal”. Em outras palavras, o protagonista é tão frio que durante os crimes não parece que ele sente prazer ou aversão, ele é indiferente.
Em suma, a narrativa segue a trajetória de Kuklinski e não permite que seus crimes tenham mais força que seu caráter.
A frieza impenetrável do homem de gelo
Em O homem de gelo, a história começa pelo destino que ele teve, a prisão, o rosto de Kuklinski iluminado na escuridão e uma voz lhe faz uma pergunta que só será respondida ao fim da trama. Em suma, o filme apresenta a jornada do protagonista e sua personalidade para justificar a resposta, para assim ser coerente com o que foi exposto.
A obra tem uma forma que causa afastamento com a parte subjetiva do personagem. Isto é, o público observa os conflitos externos do assassino não o conflito interno, dando uma sensação que há um vazio absoluto em seus sentimentos. Ademais o personagem é frio e violento e isso se dá pela atuação de Shannon que mantém a voz serena em instantes de tensão e tem reações explosivas em situações banais.
O filme não acontece a partir da perspectiva de Kuklinski e isso fica claro, pois a câmera se comporta como um observador. Tudo isso cria um clima de mistério, e ao chegar ao fim da obra não conhecemos o interior do assassino, ele se torna inacessível e não cria vínculos afetivos com o público. Esse distanciamento ocorre, pois os atos praticados por ele são socialmente reprováveis. Isto é, na visão social uma pessoa comum não teria a coragem de viver como Kuklinski viveu.