Nos últimos duzentos anos, a narrativa de ficção científica tornou-se uma das mais importantes da história humana. O que aconteceria se os robôs dominassem a Terra? E se pessoas utilizassem peças mecânicas para viver mais? Como viveríamos no espaço? Todas essas questões tiveram inúmeras respostas em diversos livros, filmes e videogames. Por fim, agora é a hora de Citizen Sleeper, novo jogo da Fellow Traveler, nos dar sua interpretação dos fatos.
Citizen Sleeper é inspirado na liberdade dos RPGs de mesa. Ele coloca você nas ruínas do capitalismo interplanetário, como um trabalhador nem humano, nem totalmente robô. O jogo está disponível para PC, Xbox One, Xbox Series S|X e Nintendo Switch.
Onde eu fui parar?
Citizen Sleeper é algo totalmente diferente do que eu estou acostumada a jogar. À primeira vista, me deparei com uma escolha difícil: eu seria uma operadora, uma extratora ou uma maquinista? Cada uma dessas classes oferece diferentes benefícios nas habilidades do jogo.
Sem saber absolutamente nada sobre o game, decidi ir de operadora. Teria mais saúde e saberia mais sobre a interface do mundo de Citizen, seja lá o que isso significasse. Ainda assim, contrariando o nome do jogo, acordei.
E não entendi muita coisa do que acontecia.
Era um universo novo, fortemente baseado na estética cyberpunk. Eu estava presa em uma estação espacial, com diversas informações jogadas na tela. Não tive tempo suficiente para absorver tudo o que precisava. Portanto, mergulhei no jogo com a cara e a coragem.
Não me arrependi dessa escolha. Nesse ínterim, fui descobrindo como Citizen Sleeper funcionava. E, minha nossa, como adorei investigar cada canto do Olho, a estação espacial onde se passa a história.
RPG de mesa digital

Eu vou ser sincera: RPG, para mim, remete muito mais a jogos de ação como The Witcher 3, Skyrim, Final Fantasy e Mass Effect. Nunca tive a cultura de sentar com amigos e jogar 36 horas diretas de algum RPG de mesa.
Então, Citizen foi um grande baque para mim. Afinal, ele se baseia bastante em RPGs de mesa. Ao passo que a jogabilidade é muito influenciada em elementos desse gênero.
O game utiliza de mecânicas como dados, relógios e anseios para nos guiar para dentro dessa distopia futurística. A cada ciclo (ou seja, um dia inteiro no jogo), dados são rolados e temos diversas ações que podem ser feitas na estação.
Você escolhe suas prioridades, desde missões que te beneficiam até ajudar seus amigos. Do mesmo modo, os relógios também são importantes. Com eles, você pode observar seu próprio progresso e a influência que você tem no mundo ao seu redor.
Os anseios são as “missões” do jogo. Você escolhe o que é prioridade e faz delas algo que pode mudar sua história. Ou seja, o jogo deixa você moldar as habilidades (que mencionei acima) e desbloquear vantagens e bônus. Nesse sentido, os anseios refletem e mudam como você vive no mundo.
A vida no Olho

Ao acordar no universo de Citizen Sleeper, você descobre que é um Sleeper. Porém, vem a pergunta: o que diabos é isso? É uma consciência humana digitalizada em um corpo artificial. Ou seja: você não é totalmente humano, muito menos máquina.
Preso entre os dois mundos, você precisa viver no Olho. Essa estação especial está à beira do universo conhecido, preso no fracasso do capitalismo interplanetário. Em outras palavras, todo mundo no Olho quer escapar desse controle corporativo.
Inicialmente, imaginei que o game seria mais um point-and-click baseado fortemente na narrativa. No entanto, Citizen vai um pouco além.
O universo cyberpunk construído pela Jump Over The Age te engole rapidamente. Primeiramente, admito que fiquei confusa com a jogabilidade e a quantidade enorme de textos que apareciam na tela.
Ainda assim, avancei lentamente pelas telas paralisadas, a leitura instigante e os dadinhos de RPG. No Olho, é possível construir amizades, trabalhar para me sustentar na estação e até participar de facções desse mundo em colapso.
Os personagens são grande parte de Citizen. De maneira idêntica aos anseios, eles moldam como você é e como a sua jornada seguirá. Todos estão ali como você: apenas querem sobreviver.
Similarmente, eles são muito bem escritos e carismáticos. O suposto vilão do início da trama chama a atenção por suas várias camadas de desenvolvimento.
Uma dica? Aceite a missão de um pai solteiro e sua filha fofíssima. Para mim, são os melhores personagens do jogo. A história deles é muito concisa e apaixonante.
Arte de encher os olhos
Citizen Sleeper conta com dois elementos fortíssimos: sua narrativa e sua arte. Ambas são excelentes.
Primordialmente, cada personagem tem uma característica que o destaca dos demais. É impossível esquecê-los ao vê-los pela primeira vez. São bastante diversos, em questão de representatividade.
Da mesma forma, outro ponto que é importante mencionar é a quantidade de personagens LGBTQIAP+ no jogo. Gostei muito de ver personagens com pronomes they/them (algo como elu/elus em tradução adaptada) e histórias que puxam mais para esse lado. Representatividade importa!
Voltando à arte, a estação espacial também é um brilho aos olhos. É muito detalhada e traz aquela aura cyberpunk que muita gente gosta.
Igualmente, os menus e onde as ações são feitas também possuem esse sentimento de corporação futurística que enfrenta o colapso. Tudo é primoroso e muito bonito.
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Vale a pena?

Citizen Sleeper é um jogo que pode parecer estranho no começo. Inchado de textos e com a jogabilidade de um RPG tradicional, o game te carrega para um mundo em colapso. Em contrapartida, esse mundo é instigante, maravilhoso e belo. A cada ciclo, você está aberto a possibilidades infinitas. Assim como um bom RPG de mesa deve ser.
Apesar de não possuir localização em português, acredito que Citizen Sleeper é um jogo indispensável para quem ama a atmosfera cyberpunk e é apaixonado por narrativas.
*Chave cedida para análise no PC