O Multiverso da Loucura
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é a sequência do filme de 2016 que contou a origem de um dos personagens mais fortes do MCU. A sequência que estreou no Brasil no dia 04 de maio é dirigida por Sam Raimi. O diretor é conhecido pela primeira trilogia do Spider Man. Além disso, ele é conhecido por filmes de terror como The Evil Dead de 1981 e Evil Dead II, de 1987. Talvez a experiência do diretor com os dois gêneros de filmes tenha sido o principal motivo da sua escolha para Multiverso da Loucura.
O filme traz o retorno de Benedict Cumberbatch como Dr. Strange, Rachel McAdams e Benedict Wong. Além disso, o elenco conta com Elizabeth Olsen como Wanda Maximoff e a estreia da atriz Xochitl Gomez interpretando o papel de Miss América. O filme chega com a promessa de ser o primeiro filme de terror do universo de filmes da Marvel. Mas será que na prática é isso mesmo?
Essa análise contém spoilers do filme.
História
Após os eventos de Vingadores: Ultimato, Dr. Strange está em busca de um novo caminho para seguir. Entretanto, ele é surpreendido por América Chavez, uma adolescente que possui o poder de viajar entre as diferentes realidades do multiverso. Portanto, a nova heroína da Marvel se vê em fuga pois estão tentando matá-la para retirar seu poder. Afinal, o multiverso esconde coisas que nós ainda não entendemos direito.
Após os eventos iniciais do filme, descobrimos que quem está caçando América é Wanda. Ela está atrás desse poder de transitar entre multiversos até chegar em uma realidade onde seus filhos ainda estão vivos. Se as coisas estão meio confusas para entender o plot do filme, recomendo assistir a série WandaVision. Aqui podemos ver os traumas de Wanda após ao arco da Guerra Infinita e o pós Thanos. Entretanto para conseguir essa façanha, Maximoff apela aos Darkhold. Livro de magias extremamente poderoso e maligno. Esse livro de certa forma corrompe a mente da personagem de Elisabeth Olsen e a faz usar seus poderes para o mal.
Apesar de revelar mais do que o necessário, a Marvel conseguiu esconder o verdadeiro plot do filme. Passado uma falsa impressão de que o Doutor Estranho seria o vilão do filme, não Maximoff. Também não é necessário assistir todo o conteúdo da fase 4 do MCU, algo que é bem positivo. Assistir WandaVision, Loki e What If é suficiente para entender o filme. Contudo não tem problema caso não tenha assistido nada antes. O roteiro faz questão de explicar novamente o necessário para entendermos a jornada
Direção e Roteiro
Certamente o roteiro é o maior problema de todo o filme. O longa passou por alguns problemas durante sua produção. Ele teve várias refilmagens, sem contar no seu final que foi escrito durante sua produção. E isso se refletiu claramente no produto final. Ele é pobre e nos entrega uma história clichê mediana para os padrões que a Marvel criou nos últimos anos. Aquela velha história do personagem importante que aparece do nada mas que precisa ser protegida a qualquer custo. É aquela aventura que quando estamos na metade já conseguimos prever o que acontecerá. Entretanto sem algum tipo de desenvolvimento. Mesmo com todos esses problemas, Sam Raimi conseguiu entregar um filme divertido e bem filmado, mesmo com o material limitado que ele tinha em mãos. Talvez se a tivéssemos um diretor menos experiente, teríamos visto um filme ruim.
Dito isso, os atores estão muito bem no filme. O destaque vai para Benedict Cumberbatch e Elisabeth Olsen. Eles entregam várias versões de seus personagens. Uma para cada multiverso apresentado. O que aumenta o grau de dificuldade nas interpretações. Cada interpretação é diferente, umas mais contidas, outras mais caricatas. Os atores conseguem expressar toda a complexidade que os seus personagens adquiriram durante os anos.
Sobre a parte técnica, Sam Raimi fez um bom trabalho em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Em alguns momentos podemos ver planos bem criativos inspiradas em cenas de quadrinhos. Contudo, ele falha em algumas cenas de ação. A maioria delas tem excessivos cortes de câmera, que tiram um pouco da ação que ela tenta nos passar. Quem liga para esses detalhes técnicos sabe que já vimos trabalhos melhores no MCU. Apesar disso, não é algo tão grave assim que estraga a a experiência. Além disso, boa parte do público nem irá perceber esses detalhes.
Filme de terror
Aqui temos mais um deslize em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. A Marvel vendeu o filme como o primeiro terror do MCU, despertando a curiosidade do público. Afinal é um gênero que não estamos acostumados a ver em seus filmes. Entretanto, o filme falha em como ele entrega o horror. Após meia hora fiquei me perguntando, aonde estava o terror que me prometeram? E finalmente quando a primeira cena de terror chega, gera uma certa estranheza sobre o porquê ela ter aparecido de uma forma tão jogada. Essas cenas aparecem em momentos aleatórios, como se não servisse a propósito algum para a narrativa. A cena das perseguição entre a Feiticeira Escarlate envolvendo portas se fechando é uma das coisas mais bregas e mal filmadas em filmes de super-herói.
Fica claro, que o diretor Sam Raimi faz o melhor que consegue com o roteiro que ele recebeu. A maioria das cenas de terror são bem dirigidas e passam um clima assustador. Elas geram um clima assustador pela sua estética e pela parte técnica e autoral do diretor. Além disso temos alguns jump-scares, porém todos bem pontuais, que funcionam bem. Além disso, o longa possui algumas cenas de puro gore, uma marca registrada do diretor em seus filmes. Contudo a maioria delas é totalmente gratuito, impactando apenas pelo choque que ela gera. Por mais que tecnicamente elas divertem, para a história contada não fazem sentido algum. Como por exemplo a Feiticeira aparecer cheia de sangue ou se contorcendo como um demônio. É legal mas não faz sentido muito visto para a narrativa. Se o diretor não tivesse optado pelas cenas de terror, o filme funcionaria da mesma forma.
Fan service
Apesar de maneirar nas piadas, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura exagera no fan service. Não é de hoje que os filmes da Marvel abusam nas referencias. Então o que incomoda é que nunca é sobre a obra que estamos vendo e sim pelo o que vai vir. Seja pelo personagem que vai aparecer ou pelas cenas pós créditos. E aqui o filme nos passa essa impressão em alguns momentos. Em contrapartida pontos que deveriam ser potencializado, é deixado de lado. Como por exemplo, os eventos de Spider Man: Sem Volta para Casa envolvendo o multiverso, que é resumido a um breve diálogo no começo do longa.
Além disso, o fan service está novamente nas cenas pós créditos. Um novo personagem desconhecido aparece rapidamente. Quem entende mais sobre esse universo certamente ficou empolgado. Contudo muitas pessoas ficarão frustradas se não entenderem o que está acontecendo. Isso obriga a pessoa a consumir conteúdo ou explicações para entender o que aconteceu e sua relevância para o futuro do MCU. É mais um exemplo de como há muito fan service, deixando de fora o público casual. Isso pode gerar uma grande frustração em muitas pessoas.
Desenvolvimento de America Chavez
Multiverso da Loucura falha ao não desenvolver a personagem da America Chavez. Ela aparece logo na primeira cena, de uma forma bem interessante. Logo de cara vemos Doutor Estranho e ela fugindo de alguém e Strange morrendo. Isso gera uma certa expectativa no telespectador, mesmo sem entender quem é essa nova personagem. Entretanto isso é estendido para toda a história, America não tem nenhum tipo de desenvolvimento durante boa parte do filme. Ela serve apenas como uma plot device, um instrumento de roteiro que é entregue apenas para que história aconteça em torno dos protagonistas.
Durante o segundo ato temos apenas uma cena de diálogo onde entendemos seu passado. Além pudemos entender o motivo dela ter o seu super-poder. E é apenas isso, as motivações da nova heroína não são bem apresentadas, o roteiro não explica melhor algo que deixa todo mundo curioso e tão importante. Então temos aqui mais um exemplo de o quão problemático é o roteiro que Sam Raimi tinha em mãos.
A Marvel errou na forma que introduziu uma personagem tão forte e com importância para o futuro. Principalmente quando ela tem o poder que os Vingadores demoraram uma fase inteira de filmes para conseguir. Então a Marvel gera uma expectativa no público sobre personagens que queremos ver a algum tempo, como por exemplo os X-Men e o Quarteto Fantástico. Mas não desenvolve a que acabamos de conhecer.
Dualidade de Wanda Maximoff
Talvez a melhor coisa de todo o filme é a forma que a personagem da Wanda abordada. Finalmente vimos a dimensão do poder da Feiticeira e o estrago que ela pode fazer nesse universo. A Marvel acertou em cheio no desenvolvimento da personagem, mesmo quem não assistiu WandaVision consegue entender perfeitamente o que a fez ficar tão poderosa e confusa de sí mesmo. Em Multiverso da Loucura finalmente conseguimos ver o quão poderosa a personagem é.
Multiverso da Loucura funciona como uma segunda temporada de WandaVision. Onde na primeira vimos uma personagem quebrada pós Guerra Infinita, tentando construir uma família, porém através do sofrimento causado para outras pessoas. E aqui teríamos uma segunda temporada, agora com foco no processo de aceitação de não conseguir ter essa família. Vimos também o quão forte ela é e como ela utiliza seus poderes. Claramente temos uma das personagens melhor desenvolvidas de todo o MCU. Outro acerto é como da Marvel é como os heróis que conhecemos nessas 4 fases de MCU podem facilmente mudar de lado e se tornarem vilões.
Stephen Vincent Strange
Se alguém tinha dúvida que o Dr. Estranho seria peça chave para esse novo arco do MCU, essa dúvida não existe mais. Podemos ver como ele de certa forma causou todos os atuais problemas envolvendo multiverso. Durante o filme, o Dr. Strange que conhecemos visita outros universos e conhece outras variantes dele mesmo. E em todos esses mundos ele causou problemas de alguma forma. Seja sendo um vilão, pelos uso excessivo da sua força ou até mesmo por utilizar de poderes desconhecidos que nenhum mago poderia ter acesso. Então sempre de alguma forma ele causou mal em todas os universos que vimos.
Entretanto, a lição que o filme nos passa é que não se trata sobre os problemas que existem no universo. Mas sim como os heróis lidam com ele. Por mais que o Doutor Estranho faça coisas “proibidas” até mesmo para ele, o intuito não é causar o mal ou com segundas intenções. Contudo sim para impedir alguém de fazer coisas piores. Aqui entendemos de certa forma o limite de seus poderes. Não que ele seja fraco, porém as vezes todo o poder de um mago supremo não seja o suficiente para salvar o mundo. O roteiro deixa bem claro que as atitudes tomadas por Strange terão consequências sérias para esse mundo e para ele mesmo. É um ponto interessante que ficará para a próxima fase do MCU.
Uma oportunidade desperdiçada pela Marvel
A Marvel erra ao preferir gerar expectativa no público do que entregar uma boa história. Pois por mais que Doutor Estranho no Multiverso da Loucura seja divertido, o arco narrativo do universo não anda para frente. A fase 4 do MCU está sendo uma gigantesca e repetitiva introdução sobre o multiverso. Contudo, explicando várias vezes os mesmos conceitos, subestimando a inteligência do público. Se fosse explicado apenas uma vez de uma forma clara, parte dessa fase seria desnecessária. Não seria necessário explicar a mesma coisa em WandaVision, Loki, Spider Man, What If e Multiverso da Loucura. Servindo também como uma forma de introduzir ou desenvolver alguns personagens, mas na sua maioria de forma falha.
Outro questionamento é sobre o momento da chegada do multiverso. Será que é o momento correto para a sua chegada? Acabamos de sair de uma fase de ouro dentro da Marvel. Que foi a conclusão do arco do Thanos e todos os problemas que o blip causou. Para quem assistiu The Leftovers sabe o potencial para se explorar. Mas parece que ela não está se importando com isso. É como se ela nos colocasse num novo barco prontos para uma nova aventura. Sem ter tempo de pensar sobre tudo o que acabamos de passar.
Os impactos de Guerra Infinita e Endgame se resumem a pequenas cenas em suas obras mais recentes. Como uma frase solta dizendo que Thanos tinha razão na série do Gavião Arqueiro. Pode ser que a Marvel tenha planos para abordar melhor esse tema durante a fase 5. Entretanto ela desperdiça um enorme potencial aqui. Em trazer temas mais complexos para suas obras. Isso serviria como desenvolvimento de alguns personagens. Talvez muito mais do que algumas séries recentes.
Enfim, o filme é bom?
Doutor Estranho no Multiverso da Loucura tem acertos e erros. Ele tem um ritmo confuso e em alguns momentos não sabe o que quer entregar. O filme foi vendido como uma obra de terror. Entretanto se resumem a algumas cenas no segundo e no terceiro atos. E mesmo impactando o público, é como se tudo aquilo fosse jogado. Isso é culpa de um roteiro pobre que nos entrega uma história sem relevância e mediana para os padrões Marvel e o que ela já nos entregou.
Além disso temos uma nova personagem introduzida que foi praticamente jogada na história. E apesar de seu poderes terem uma grande relevância para o universo ela não é desenvolvida ao ponto de nos importarmos com ela. Ou até mesmo com o que vai acontecer com ela no final. Contudo para piorar as coisas temos um roteiro batido, sabemos que nada irá acontecer no final.
Dito isso, a Marvel acerta em cheio em dar um destaque maior para Wanda e Strange. Dois heróis extremamente fortes que terão uma grande relevância para o futuro do MCU. Logo, podemos ver melhor todo o drama deles dois. Mas isso só é apresentado graças ao brilhante final da fase 3 do MCU com o arco da Guerra Infinita e o começo da fase 4 com WandaVision. É o que queremos com os outros heróis que tiveram foco nessa nova fase. A Marvel entrega uma grande introdução do que podemos esperar nos próximos anos. Eles tem a faca e o queijo na mão para nos entregarem histórias fantásticas. Contudo eles precisam fazer melhor do que o que vimos em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura.