Titane, a obra traz temas polêmicos e estética inquietante
Titane, obra lançada em 2021, dirigida e roteirizada por Julia Ducournau é uma coprodução entre França e Bélgica que traz no elenco Agathe Rousselle e Vincent Lindon. A violência, o desejo e o amor são os elementos que norteiam uma trama subversiva capaz de despertar desconforto. Seja por tratar de assuntos polêmicos, seja por ter a estética um tanto surrealista com o intuito de provocar experiências sensoriais, Titane não tem como passar despercebida.
Além disso, não se limita ao gênero cinematográfico nem a opiniões dominantes. Trata-se de uma obra autoral bem radical que mescla diversas expressões artísticas.
Em Titane, Julia Ducournau apresenta o encontro entre Alexia e Vincent. Ela uma jovem que quando criança sofre um acidente automobilístico que resulta na implantação de uma placa de titânio na cabeça. Ele um homem de meia-idade que vive a espera do filho Adrien desaparecido há anos. O destino de ambos se cruza quando Alexia, não mais uma criança agora uma jovem dançarina que faz performances sensuais sobre um Cadillac tem sua identidade descoberta após realizar diversos assassinatos.
Como meio de evitar a captura iminente a jovem se passa pelo filho desaparecido de Vincent. Desde então inicia-se uma relação de afeto, sentimento até o momento desconhecido por ela. Eis que apenas através do sexo e da violência se vê capaz de demonstrar suas emoções. Sendo assim, ao encontrar Vincent a experiência de troca e empatia entre eles permite que ela compreenda seus próprios sentimentos.
A crítica possui spoilers da obra.
O erotismo presente em Vincent e o surrealismo na mutação sofrida por Alexia
O erotismo, é inicialmente apresentado numa performance erótica com um carro através do contato entre o automóvel e a dançarina. O filme passa a sensação de que há desejo entre máquina e mulher. Entretanto, para causar essa peculiaridade há aspectos que compõem a cena. O figurino que a personagem usa é sensual, além disso o carro possui uma estampa com imagens de fogo, elemento que remete a paixão.
No entanto, com o passar da obra Alexia que esbanja sensualidade e feminidade vai gradativamente se decompondo. Deste modo, se apresenta de forma um tanto primitiva tanto nos momentos de alimentação como nas práticas sexuais. Ou seja, há violência nos gestos e na face de Alexia.
Ademais, quando Alexia e Vincent se encontram o lugar da feminidade passa a ser ocupado por ele. Enquanto tem um semblante de violência Vincent tem gestos afetuosos e sensíveis. O erotismo que até então era representado por cenas de sexo e violência fica presente de maneira implícita na figura do personagem. Isso é demonstrado por meio das cores, roxo, vermelho e rosa que começam a surgir na trama.
Contudo, o elemento visual de grande importância narrativa e que causa inquietação, é a mutação que ocorre no corpo de Alexia. Para tomar o lugar do filho de Vincent a protagonista passou por uma transformação física. Cortou o cabelo, fraturou o nariz entre outros artifícios que a deixou irreconhecível. Entretanto, o elemento subversivo está na barriga. Seus seios jorram óleo diesel e sua barriga cresce incessantemente, como se a personagem estivesse engravidado de um automóvel. Nesse ponto a obra apresenta traços do surrealismo. Eis que mescla a possibilidade real, ela estar grávida, com um fato surreal, ter engravidado de um automóvel.

Misticismo e estranheza
Em Titane,o desejo surge de lugares peculiares que até o ronco do motor de um carro remete ao erotismo. Porém, entre tanto desejo o misticismo também ocupa espaço na trama se dando através da trilha sonora original composta por Jim Williams. Para causar experiências sensoriais apresenta sons metálicos semelhantes a batidas em tambores com vozes de fundo parecidas com ópera, entregando assim, misticidade.
Também existem trilhas sonoras que não foram criadas especialmente para o filme, porém foram inseridas. Titane apresenta tanto músicas com vocais femininos quanto masculinos trazendo diversos gêneros musicais que acabam se complementando durante a obra. Desse modo, até na trilha sonora não há a tentativa de se limitar a um gênero tal qual o conceito total da obra.
Não apenas os ruídos e a música se tornam perceptíveis em Titane como também os diálogos. Eles são responsáveis por colocar intensidade nos traços mais contrastantes dos personagens. Alexia não tem tanta facilidade em falar, então acaba se tornando uma figura construída mais a base de silêncio. Sendo assim, essa característica passa a contrastar com Vincent que se sente solitário, logo tem a necessidade de se expressar. No entanto, ela evita. Além disso, ele é o oposto do pai de Alexia que estabelece distância da filha e escolhe o silêncio.
Por fim, os ruídos marcantes em Titane são os sons que a barriga emite. Tanto barulhos de movimento dentro do corpo da personagem como a fricção das unhas de Alexia coçando incessantemente. Além de emitir sons mecânicos a junção que há entre trilha e ruídos traz a obra uma estranheza, principalmente quando a personagem começa a sofrer com as transformações que a barriga causa.
Da violência ao afeto
Titane se inicia por um momento marcante da infância que muda a vida da protagonista, que é o acidente de carro que acarreta no implante de uma placa de titânio na cabeça.
Posteriormente, traz ela na vida adulta como dançarina e nas horas vagas uma assassina contumaz. Esse momento de apresentação da personagem é o ápice da ação, pois além de ter diversos assassinatos há a expressão dos desejos sexuais. Sendo assim, a linguagem usado nos primeiros minutos da obra é bastante dinâmica, pois apresenta muitas informações sobre a personagem em um espaço de tempo bem curto. Ou seja, o ritmo no início da obra é mais acelerado que a parte final. Porém, em nenhum momento perde a qualidade narrativa.
A rotina frenética de Alexia é interrompida quando tem sua identidade descoberta e precisa se passar por Adrien, filho de Vincent para não ser capturada pela polícia. Até então a personagem só demonstra frieza e raiva e a partir desse ponto há uma transformação de natureza física, gradualmente a barriga vai crescendo, e psíquica, os gestos afetuosos de Vincent vão despertando sentimentos que ela consegue compreender. Ela vai tendo empatia por ele.
Deste modo, a obra que começa extremamente violenta e libidinosa vai perdendo essa carga de erotismo explicito e violência gratuita e adentra em algo menos concreto. Porém, com substância que é o sentimento autêntico que se constrói entre Vincent e Alexia.
Titane aborda o amor de forma visceral
Esse sentimento genuíno construído entre eles, é o amor.
No entanto, Titane aborda o tema visceralmente, de uma forma que pode gerar desconforto. Pois, é apresentado como um elemento destrutivo que corrói os personagens enquanto os transforma. Por exemplo, ao encontrar Alexia, Vincent viu a possibilidade de expressar por ela o amor que não podia expressar pelo filho desaparecido. Enquanto isso, Alexia recebeu o afeto que desconhecia e esse gesto fez compreender qual era a ausência que desencadeava tanta violência.
Deste modo, a obra sem observar barreiras morais apresenta o amor surgindo de lugares inimagináveis, expressado de maneira irrestrita tanto por meio do sexo, como por meio da violência e do afeto. Afastando a ideia de pureza, dando assim lugar a um sentimento primitivo.