Introdução
Mais uma obra-prima da From Software, Elden Ring surpreendeu os gamers ao adicionar um mundo aberto à fórmula do Soulslike, e com um resultado muito melhor do que qualquer um estava esperando.
Desenvolvido pela From Software e publicado pela Bandai-Namco, Elden Ring foi lançado no dia 25 de fevereiro de 2022 para Playstation 4 e 5, Xbox One e Series S|X e PCs, estando disponível pela Nuuvem.
A Fórmula Aperfeiçoada
A desenvolvedora From Software é uma empresa que dispensa apresentações. Ela ganhou notoriedade mundial com Dark Souls em 2011, uma espécie de sucessor espiritual para seu primeiro grande sucesso, Demon’s Souls. Com um mundo sombrio e rico, um combate difícil e estratégico, e uma level design que recompensava a exploração, nascia um gênero novo, batizado de SoulsLike.
Uma década depois, diversos outros desenvolvedores, grandes e pequenos, adicionaram suas próprias ideias à fórmula, com variados graus de sucesso. Por exemplo, temos o indie Hollow Knight, que focou em adicionar um profundo elemento de Metroidvania e exploração, mantendo um combate metódico e mundo melancólico, mas com uma estética 2D. Também podemos citar a série Nioh, em especial o 2, por darem um maior foco na progressão de equipamentos do personagem, sendo quase um Diablo com combate ao estilo SoulsLike.
No entanto, poucos conseguiram inovar no gênero, quanto a mãe do próprio. Enquanto o combate de Dark Souls é metódico e lento, incentivando o uso de escudos e uma atitude defensiva, Bloordorne e Sekiro adotaram uma visão mais agressiva, incentivando o jogador a tomar mais riscos durante a luta. Além disso, mudaram completamente a ambientação, levando a aventura para uma Inglaterra Vitoriana, cheia de lobisomens e Deuses Antigos, e para o Japão Feudal, com monges, demônios e macacos sem cabeça.
Agora, com Elden Ring, a From Software inova mais uma vez sua própria criação, trazendo consigo o mundo aberto.
Igual, Mas Diferente
Acredito que muitos ficaram preocupados quando souberam dessa mudança. Afinal, jogos de mundo aberto são quase onipresentes hoje em dia, com muitos jogos AAA trazendo sua própria interpretação da ideia. Porém, poucos fogem da fórmula criada no começo da década por jogos como Far Cry 3 e Assassin’s Creed 2, com suas torres para abrir mapa, acampamentos, e centenas de ícones no mapa. Apesar disso, jogos como Zelda: Breath Of The Wild já mostraram existir um potencial escondido nessa fórmula. E, assim como BOTW, Elden Ring encontrou mais uma forma de tornar este sub-gênero algo fantástico.

O mundo de Elden Ring é vasto, cheio de perigos e tesouros escondidos. Mas, o que o diferencia de outros mundos, é a confiança em deixar o jogador tomar as próprias decisões sobre aonde ir, e como lidar com este mundo. Isto é, desde o início, não temos nenhum indicador claro de onde devemos ir. Claro, há uma árvore dourada de 10 quilômetros de altura no horizonte, e um castelo assustador no topo de um penhasco. Mas, fora estes marcos óbvios, não precisamos seguir nenhuma direção específica. Dessa forma, o jogador se sente livre para fazer o que quiser, e no ritmo que quiser neste mundo. Ele é seu para descobrir e brincar.
Um Guia Sutil
Apesar da liberdade, Elden Ring ainda guia o jogador de formas sutis. Dentre elas, estão o layout do mundo, e a apresentação do mapa. Neste mapa, não temos nenhum ponto de interesse marcado explicitamente, com ícones e listas de coisas para visitar. Ao invés disso, o mapa mostra de forma natural muitos dos pontos de interesse que podemos visitar. Isto é, ao invés de ter um ícone falando exatamente que tipo de conteúdo teremos naquele lugar, vemos apenas a silhueta do que podem ser ruínas, um vilarejo, um castelo. Até chegarmos lá, não temos certeza de quais inimigos e recompensas encontraremos.
Além disso, a própria construção do mundo te incentiva a prestar atenção para encontrar seus segredos. Lugares importantes podem ser vistos de longe, em posições de vantagem e lugares altos. De lá, podemos ver outros lugares secundários nas terras abaixo. Dessa forma, também aprendemos a olhar em cada canto, pois Catacumbas estão escondidas por todo lado. Se não encontrar uma destas mini-dungeons, certamente encontrará um grupo de inimigos protegendo um item, ou até um mini-boss contendo alguma recompensa.

Independente de onde for neste mundo, há algo inesperado para encontrar, seja um desafio ou um tesouro. Tesouros estes que, mesmo quando não é algo que sirva para seu personagem, ainda são bem-vindos. Pois, a solução para o problema de dar recompensas para o jogador, já foi resolvido pela From Software desde seu primeiro Souslike, Demon’s Souls.
Todo item traz um pedaço da história do mundo. Dessa forma, mesmo quando seu Mago focado em inteligência recebe um Martelo de Guerra, você ainda ficará feliz com este achado, pois este item é mais uma das peças do quebra-cabeça da história. Uma ideia melhor do que quebrar suas armas a cada três ataques…
Combate Refinado
Para enfrentar os perigos das Terra Intermédias, Elden Ring traz o clássico combate de Dark Souls, mas atualizado com tudo aquilo que a From aprendeu com Bloodborne e Sekiro. O ritmo das batalhas é muito mais intenso e agressivo, mas ainda suporta um estilo mais “tanque” de combate, focado em se defender com o escudo. Tanto que, foi adicionado um conta-ataque, executado logo após defender um golpe. Este contra-ataque é bastante poderoso em quebrar as defesas inimigas, podendo abrir o oponente para um golpe crítico.

Inspirado em Sekiro, o personagem agora tem a habilidade de pular, servindo tanto para combate quanto para exploração. No combate, você pode combinar o salto com seu ataque para um poderoso golpe aéreo. Na exploração, isso libera mais formas de se mover pelos cenários, o que dá mais oportunidades aos desenvolvedores de esconder segredos, e criar armadilhas pelo cenário.
Mas a maior adição ao combate de Elden Ring estão nas suas Cinzas da Guerra e os Espíritos. As Cinzas da Guerra são poderosas habilidades que podemos aplicar nas armas, mudando suas características. Estas habilidades consomem FP (pontos de magia do personagem) e tem variados efeitos, como fortalecer seu personagem, causar algum debuff no inimigo, ou simplesmente ser um golpe pesado e poderoso. Mudar as Cinzas também pode alterar o tipo de dano da arma, aplicando dano elemental, e mudar até os atributos, transformando uma espada pesada focada em força, em uma arma mágica focada em inteligência.

Já os espíritos são invocações que podemos chamar durante certos momentos e que batalham ao nosso lado. Estes aliados espectrais mudam completamente o ritmo da batalha, já que o Boss terá mais do que um alvo para se preocupar agora, tirando um pouco da pressão de cima de você.
As Terras Intermédias
Talvez a construção do mundo das Terra Intermédias seja a mais variada que a From Software já criou.
Elden Ring é um jogo com uma forte direção artística. Desde as florestas verdejantes de Limgrave, até o rio de Lava de Monte Gelmir, a direção de arte é fenomenal. Explorar o mundo aberto com os raios de Sol passando por entre as folhas das árvores, e até as catacumbas com seus corredores escuros e sombras longas, é fascinante.

Em todo o meu tempo no jogo, o que mais me marcou foi o quão bom é explorar este mundo. Inicialmente, o mapa revela apenas uma região, que já é enorme por si só, mas conforme exploramos, vamos descobrindo cada vez mais áreas. Cada área é fácil de diferenciar, tanto pela topografia e vegetação, mas também pelo esquema de cores. Se o céu está vermelho, então estamos em Caelid. Se está azul, com a noite mais estrelada que eu já vi, então é Liurnia. Isto ajuda a deixar claro que estamos em um ambiente diferente do anterior, e marca nosso progresso no mundo.
Além de um mundo incrível, Elden Ring também traz algumas das melhores Dungeons da série. Muito dessa qualidade, atribuo ao botão de pular, que abriu muitas oportunidades de design, que incentiva a verticalidade. Na academia de Raya Lucaria, por exemplo, além de explorar o interior do castelo, também pulamos de um telhado para o outro em busca de tesouros escondidos.
Liberdade Para Errar
Porém, muito mais do que apenas deixar um mapa sem ícones, e te soltar no mundo, Elden Ring faz algo que muitos outros mundos abertos, especialmente os focados no RPG, têm medo de fazer. Deixar o jogador “se ferrar”. Isto é, entrar em uma região que ele não estava preparado.
Muitos jogos tentam limitar essa liberdade do jogador ao colocar um level mínimo para ele entrar em tal região. Assassins Creed, ou o recém-lançado Diablo Immortal, literalmente gritam com você ao tentar entrar em uma área cujo level designado é maior que o seu. Mais ainda, o jogo ativamente te enfraquece para te impedir de avançar, impossibilitando uma liberdade completa.
Este não é o caso de Elden Ring, e isso se dá muito ao fato de que a sua habilidade conta mais do que seus equipamentos.

Isso não é novidade nos jogos da From Software. Isso fica claro com tantos vídeos de pessoas enfrentando os chefes no level 1, sem armadura, e sem tomar dano. Porém, fortalecer seu personagem faz parte da fantasia destes jogos. De sentir gradualmente ficando mais forte, e capaz de superar os desafios. E isso inclui encontrar inimigos mais fortes do que você pode enfrentar.
Não se engane, as áreas ainda são divididas em níveis apropriados, mas isso não é exposto ao jogador. Ao invés disso, Elden Ring coloca uma região como Caelid logo ao lado da área inicial. Assim, fica a cargo do jogador decidir se uma região vale à pena ou não explorar com seu nível de força atual.
A Dificuldade
Este é sempre um tópico que gera discussão em todo novo jogo da From Software. Para Elden Ring, essa discussão tomou um curso curioso, já que divide opiniões. Buscando na internet, é fácil achar pessoas defendendo que este é o jogo mais difícil da From Software, e outros que juram ser o mais fácil.
Essa discussão se dá, principalmente, a dois fatores. Um são os chefes finais do jogo, e outro, tem relação à natureza do Open World e às invocações.
A dificuldade dos chefes em Elden Ring é bastante moderada, especialmente dos opcionais. Aqueles importantes para a história são um bom desafio, que exigem mais do jogador, mas ainda são balanceados de forma a dar aquela sensação de “na próxima vai”. Porém, há um punhado de chefes que podem ser considerados os mais difíceis da série. Em especial a Malenia, uma batalha opcional que destruiu a confiança de muitos que chegaram nela com a sensação de “já ganhou”. Podemos citar outros exemplos, como Hoarah Loux e Mohg, de paredes quase intransponíveis para muitos jogadores. Radahn era um desses, mas foi nerfado em um patch pouco depois do lançamento.
Essa dificuldade é equilibrada pela liberdade em explorar o mundo, e chamar companheiros para a batalha. Com exceção de Hoarah Loux, um chefe obrigatório, todos os outros podem ser ignorados, e você seguir para explorar outra região, voltando mais tarde mais forte. Tal tática era bem limitada em outros jogos da From, já que estes chefes difíceis impediam seu avanço. Se mesmo assim o chefe é muito difícil, há outras opções de facilitar a batalha, as invocações.

As Facilidades
A melhor forma de se derrotar um chefe difícil em um Souls Like sempre foi através da “Jolly Cooperation“, com a invocação de outros jogadores ao seu mundo. Em Elden Ring, o papel dessa cooperação também passa a ser desempenhado pelos espíritos, além dos outros jogadores ou NPCs. Há algumas dezenas de espíritos a se colecionar, que vão desde animais fracos que atacam em bando, desviando a atenção do chefe, até guerreiros mais agressivos com alto poder de dano. Estes vão salvar a vida de muitos jogadores.
Porém, um em especial chama atenção pelo seu poder. Estou falando da Mimic Tear, que quando invocada, cria uma cópia exata de seu personagem, com os mesmos equipamentos e habilidades. Este é um espírito que muda totalmente a dinâmica de qualquer batalha.Dependendo de sua build, apenas invocar este espírito já é o suficiente para tornar trivial o mais difícil chefe. Este pode até ser considerado o tão pedido Easy Mode.
No entanto, conseguir este espírito envolve uma quest bastante longa e sofrida, que envolve muita exploração e batalhas difíceis. Assim, para liberar este Easy Mode, o jogador ainda precisa provar sua capacidade, então merece esta colher de chá na pernada final do jogo.
Alguns Problemas
Apesar de tantos acertos em um jogo maravilhoso, algumas coisas não ficaram perfeitas.
Pessoalmente, uma das coisas que não se traduziram bem para o mundo aberto foram as quests dos NPCs. Já é tradição em jogos da From Software, que as histórias dos NPCs que conhecemos avancem de formas misteriosas. São raros os momentos que recebemos alguma direção do que fazer para completá-las, sendo que wikis e afins são a melhor forma de obter estas informações. Com uma estrutura mais linear, no entanto, é quase garantido que vamos completar pelo menos a maioria, trombando com estes NPCs eventualmente.
Já com o mundo aberto, fica mais complicado ter estes acidentes. Especialmente quando o NPC anda por todo o mapa, mas eventualmente volta para regiões que você já explorou completamente a muito tempo.
Também há um problema com a repetição no final. Em especial, nas catacumbas, que apesar de terem um layout e puzzles únicos, sua aparência é sempre igual, o que cansa depois de fazer umas 50 dessas. Sensação que piora quando no final você tem de enfrentar um chefe que você já viu outras 3 ou 4 vezes, como os Cães de Guarda ou os Cavaleiros do Crisol.
Na parte técnica, a versão de PC ainda sofre com pequenas travadas. Joguei em um PC com uma Geforce 3060, e pude jogar com o gráfico no máximo sem nenhum problema. No entanto, muitas vezes o frame caía sem nenhum motivo aparente, durante poucos segundos. Não é algo que acabe com a experiência, mas incomoda quando acontece em uma batalha de chefe.
Conclusão
Elden Ring é um jogo fantástico, e um dos melhores Open World já feitos.
No final das contas, a principal característica de Elden Ring é sua liberdade. Liberdade de explorar e descobrir as coisas no seu ritmo. Liberdade de enfrentar os chefes na ordem que quiser. Em construir o personagem do seu jeito, misturando armas, armaduras, magias e habilidades para deixá-lo do jeito que você quiser. Mas, principalmente, a liberdade de cometer os próprios erros na missão de tentar entender este mundo.
Elden Ring acerta em tudo o que se propôs a fazer, desde a arte do mundo, a ambientação através da trilha sonora, o mistério da história contada em pequenos fragmentos. Ou seja, é o resultado de anos de experiência no refino de uma fórmula inventada pela From Software, que sabe aplicá-la melhor do que ninguém.
Não é exagero dizer que Elden Ring é um divisor de águas, e servirá como régua para medir todos os jogos daqui para frente. Se servir de inspiração para outros estúdios, então todos saem ganhando com o sucesso deste jogo.
*Chave cedida para análise no PC pela Nuuvem