7 Prisioneiros, expõe a problemática do tráfico de pessoas para fins de exploração do trabalho escravo atual
7 Prisioneiros, filme brasileiro dirigido por Alexandre Moratto que em parceria com Thayná Mantesso também é um dos roteiristas. A obra lançada em 2021 conta com as presenças de Christian Malheiros e Rodrigo Santoro no elenco.
De forma explicita aborda um tema bem relevante, o tráfico de pessoas para prover o trabalho análogo à escravidão. Isto é, a comercialização de corpos humanos para a execução de mão-de-obra gratuita que acontece em situações semelhantes à escravidão. Essa prática que viola direitos humanos é bem comum no Brasil e 7 Prisioneiros além de representar o problema social contextualiza a origem.
Matheus (Christian Malheiros) um jovem de classe média baixa do interior de São Paulo, vive em área rural com a família e vê na capital possibilidade de ascensão econômica e social. Sendo assim, ao receber proposta profissional para trabalhar num ferro-velho decide ir para São Paulo com três rapazes, Samuel (Bruno Rocha), Ezequiel (Vitor Julian) e Isaque (Lucas Oranmian).
No entanto, esse clima de recomeço termina quando descobrem que não serão pagos pelo trabalho. Além disso, para subsistência na capital passam a possuir dívidas com Luca (Rodrigo Santoro), administrador do ferro-velho.
Nessa dura realidade, 7 Prisioneiros é uma obra crua capaz de destruir algumas ilusões que o capitalismo vem reproduzindo. Como mérito, traz a perspectiva brasileira sobre a problemática e a cidade de São Paulo como o centro dos acontecimentos na trama. Expondo o tráfico de pessoas com a finalidade de produzir mão-de-obra forçada, o filme serve como alerta. Eis que no imaginário popular esse tipo de violência visa a exploração sexual, contudo não é bem assim, o tráfico de pessoas tem diversas finalidades uma delas é a que a trama expõe.
A degradação humana como meio para o retorno econômico
Em 7 Prisioneiros o protagonista Matheus se transforma no decorrer da narrativa, isso não ocorre de forma voluntária, mas por meio da violência externa que vive. A transformação além de ser visível na postura corporal do personagem, também é nítida na mudança das vestimentas.
Desse modo, ao iniciar o filme Matheus se encontra em casa numa cidade do interior com a família, suas roupas são bem simples. No momento em que chega em São Paulo veste roupas novas, porém ao começar a trabalhar e estar em situação de exploração elas se tornam sujas e maltrapilhas. Por fim, chega o momento que as vestes além de estarem limpas têm um estilo sofisticado. Contextualizando, por meio do figurino é possível observar a mudança de Matheus.
Mais adiante do figurino, o cenário é outro aspecto visual que representa a situação do personagem. No início tinha uma vida humilde na presença da família e ao redor havia a presença da natureza, as cores eram vivas trazendo o sentimento de felicidade. Por outro lado, ao chegar em São Paulo passa a viver num local sujo e cinza, contrastando com a condição anterior.
Matheus junto com os outros três rapazes começam a dormir sobre colchões velhos, num quarto apertado, escuro e sujo semelhante a uma prisão. Além das poucas condições de higiene a solidão, medo e dor a que são submetidos também são intensificados pela escuridão do ambiente.
Finalmente, um aspecto visual que merece atenção é o destaque que se dá ao dinheiro. O modo como é posto os personagens manuseando as cédulas transmite a sensação que quando estão com o dinheiro em mãos têm algum tipo de poder. Deixando claro que a dor daqueles jovens é um meio para atingir um único fim, o retorno econômico.

O diálogo como objeto que expõe as desigualdades sociais
O aspecto sonoro em 7 Prisioneiros apresenta a mudança na vida de Matheus com a escolha que fez ao ir para a capital. Quando ele está no interior o som ao redor é da natureza, traz uma leveza para a história. Chegando ao ferro-velho esse som desaparece e dá lugar aos ruídos que os ferros e caminhões emitem. Ou seja, o barulho dos rapazes trabalhando incessantemente.
Além dos ruídos sonoros, com a mudança do interior para São Paulo a obra passa a ter uma base musical melancólica e sobre esse ritmo soam frequentes batidas trazendo inquietação. Deste modo, ao unir com a imagem dos rapazes trabalhando antes mesmo de ficar explicito que foram aliciados a trilha sonora já anuncia.
No entanto, o aspecto sonoro central de 7 Prisioneiros é o diálogo. Além de expor a forma com que essas pessoas são aliciadas e mantidas como prisioneiras, o diálogo na obra tem a função de apresentar naturalmente a estrutura social que vieram. Isto é, através de diálogos entre os personagens é exposto que eles são de lares desestruturados. Desse modo, antes de serem traficados esses jovens viviam em condições precárias, refletindo a desigualdade social como um elemento determinante para motivá-los a ir para a capital e estarem vulneráveis a esse tipo de violência.
Nessa conjuntura, percebe-se que o diálogo na obra procura a verossimilhança com os fatos que cercam a realidade de pessoas como os personagens. Portanto, através da união entre aspectos visuais e narrativos mostrar os fatores determinantes que fragilizam essas pessoas e as deixam em situação de risco.
A trama se movimenta gradualmente em direção a um final real
A partir do contexto narrativo, o ritmo do filme acompanha a quebra da ilusão dos jovens e a forma com que são submersos gradualmente no mundo da exploração. Deste modo, tendo como meta apresentar o drama mais próximo possível da realidade vivida por muitas vítimas do tráfico de pessoas para a exploração de mão-de-obra. Sendo assim, se utiliza de meios que permitem a evolução constante da obra em um ritmo adequado sem dispersar a atenção ou desinteressar o público. Um desses meios é a transformação do personagem de Matheus e a exposição de um sistema de tráfico maior do que o apresentado no ferro-velho.
Primeiramente, ocorre a apresentação dos personagens, são jovens do interior de São Paulo sendo movidos pelo desejo de uma vida melhor na capital. Até então se encontram iludidos com a perspectiva de recomeço.
Em segundo lugar, traz a origem humilde de todos, por exemplo, um deles comenta que não dormia em cama e também não sabe ler. Neste ponto da narrativa estão eufóricos, pois deram o primeiro passo para uma vida melhor através da chegada na capital e do trabalho no ferro-velho.
Posteriormente, a desilusão total, percebem que o sonho se tornou pesadelo. Trabalham para pagar dívidas irreais e chegaram num ponto pior do que o da partida. Ou seja, antes de começar a trabalhar no ferro-velho passavam por dificuldades econômicas, no entanto, faziam parte de algo se sentiam livres, mesmo sofrendo os males da desigualdade. O trabalho no ferro-velho tirou esses sentimentos deles, passaram a serem tratados como objetos descartáveis pertencentes a uma pessoa.
Por fim, a trama traz a dimensão do problema. Não são só eles que estão sendo traficados, mas milhares de pessoas. 7 Prisioneiros se movimenta em sentido a situações dramáticas que não seguem um final feliz, mas sim um final real.
7 Prisioneiros, uma obra que não traz alento
O conteúdo e a forma de 7 Prisioneiros estão em sincronia, no entanto, é nítido que o primeiro é pungente, isto é, a obra traz um assunto de tamanha importância que se sobressai a estética. Entretanto, isso não atrapalha na evolução da trama, mas fazem as reflexões centrais girarem em torno da situação dramática.
O protagonista de 7 Prisioneiros no início se apresenta como uma pessoa querendo se rebelar contra a situação a qual está, porém, com passar da narrativa se adapta até encontrar um modo de sobreviver. Independentemente das escolhas que Matheus faz, uma parte do público terá empatia por ele, pois é muito difícil se encontrar na mesma condição, passar pelo que passou e mesmo assim ser movido por princípios. Ou seja, as atitudes do personagem podem até não serem aceitáveis, mas são compreensíveis.
Um aspecto que fica bem claro em 7 Prisioneiros é a relação de subserviência semelhante com a época da escravidão, senhor e escravo entre Luca e os jovens. Isto é, através das relações entre os personagens a obra está trazendo construções enraizadas na sociedade brasileira que perduram até hoje. Ademais, a relação entre Luca e o empregado Nando (André Abujamra) lembra a relação entre capataz e senhor. Deixando bem claro que a forma que o trabalho escravo contemporâneo funciona no Brasil tem raízes coloniais. Contudo, na trama essas relações vão se afunilando e por trás de Luca sempre tem outras pessoas com mais poder.
Por fim, 7 Prisioneiros é uma obra com um final pessimista, não traz alento. Está representando a própria disfunção social através de uma obra audiovisual disponível em streaming tendo alcance maior que artigos acadêmicas que abordam o mesmo assunto.