Introdução
Certa vez escrevi que Stranger Things era uma colcha de retalhos que aconchegava o telespectador em nostalgia. Afinal, as histórias da primeira temporada começavam separadas, só para, nos episódios finais, se entrelaçarem e dar resolução a tudo. Isso, é claro, com a ambientação do início dos anos 1980, recheada de músicas e referências a filmes da época.
As próximas temporadas seguiram a mesma estrutura, mas com a intenção de deixar tudo maior e grandioso. A quarta temporada não poderia ser diferente. Mais ambiciosa e assustadora, Stranger Things 4 é um cobertor que me acolhe com a nostalgia de algo que não vivi.
Stranger Things 4, com 7 episódios, estreou na Netflix no dia 27 de maio. A continuação da temporada, com apenas 2 episódios, estreará no dia 1° de julho.
Atenção, a crítica apresenta spoilers das temporadas anteriores de Stranger Things.
Uma temporada de mudanças
Depois da batalha do Starcourt, os Byers se mudam para a Califórnia, levando Eleven. Os outros jovens permanecem em Hawkins, mas isso não significa que a vida deles é a mesma de antes. Agora, é a hora do ensino médio, e isso pode ser mais assustador do que qualquer Demogorgon.
Na Califórnia, Eleven e Will não conseguem se adaptar ao novo colégio. Agora sem poderes, ela ainda não sabe lidar muito bem com a “vida normal”. É alvo de risadas dos mais populares da turma e sofre bullying constantemente. É triste e revoltante vê-la dessa forma, afinal, nós sabemos seu potencial.
No entanto, é incrível ver como Eleven cresceu. Millie Bobby Brown mostra uma personagem mais tagarela, sendo uma adolescente que esconde sua dor através das falas. Embora, não esteja mais madura. Principalmente quando Mike chega à cidade para passar o Spring Break.
Will, por outro lado, mantém sua faceta silenciosa e dolorosa. É como se estivesse escondendo algo, emocionalmente falando. Desde o início, é possível perceber que Will está com ciúmes de Mike e Eleven. Apesar da sexualidade de Will estar “aberta a interpretação”, seria interessante ver esse triângulo amoroso.
Em Hawkins, tudo também está diferente. Lucas se afasta de Mike e Dustin por conta do basquete, Max ainda sofre pela perda do irmão, e Nancy lidera o jornal da escola. São nesses momentos em que os novos personagens da temporada são introduzidos. Todos eles são integrados na história de forma natural.
Como resultado dessa mistura, os primeiros dois episódios da série são utilizados para nos acostumar com as transformações que as crianças (que não são mais crianças) estão passando.
Episódios longos, mas cheios de histórias
Vivemos em uma época em que o conteúdo está cada vez menor. Consumimos vídeos com menos de 1 minuto, pois não temos paciência para raciocinar mais. Tudo está praticamente entregue para nós de mãos beijadas. Então, ter uma série com episódios de mais de uma hora parece algo arriscado.
Contudo, assim como Adele, que se recusou a diminuir o tamanho de suas canções para virarem trend no TikTok, Stranger Things 4 também não se permite ser “fácil” de assistir.
É preciso tempo e dedicação para acompanhar a quarta temporada. Cada episódio tem mais de uma hora e, segundo os irmãos Duffer, o segundo volume terá quase 4 horas de duração. Ser o maior carro-chefe da Netflix atualmente permite que eles tenham essa liberdade. No entanto, nada é desperdiçado. Todos os minutos são bem utilizados.
Apesar de existirem linhas de histórias que sejam menos interessantes que outras, nenhuma é cansativa. Argyle traz leveza aos já comumente estressados Mike, Will e Jonathan. Eddie é a pitada de surto completo que a série precisava. Enquanto isso, o casal típico colegial, Chrissy e Jason, é exatamente o contrário do que clamam ser.
A estrutura de roteiro segue a mesma das temporadas anteriores: uma colcha de retalhos ainda em construção. Quando ela está completa, conseguimos compreender a grandiosidade de tudo.
Momentos musicais memoráveis
Neste momento, você deve saber que os irmãos Duffer conseguem unir músicas e um roteiro afiado como ninguém. Portanto, isso não fica diferente em Stranger Things 4.
Logo no primeiro episódio, temos uma montagem maravilhosa de uma campanha de D&D com a final do basquete da escola ao som de Detroit Rock City, da banda Kiss. É muito impressionante como a tensão cresce durante a cena, começando lentamente e terminando de maneira explosiva para os dois lados.
Psycho Killer, da banda Talking Heads, foi lançada em 1977 e também embala uma cena de perseguição. Se você conhece a música, sabe que as batidas seguem qualquer pessoa que a escuta. Logo, é de se imaginar que a perseguição seja igualmente tensa.
E, claro, não podemos deixar de falar sobre Running Up That Hill, que já é considerada a “canção da Max”. Originalmente lançada em 1985 por Kate Bush, a música atingiu o topo das paradas do Spotify, provando-se um sucesso eterno.
Além disso, a trilha sonora instrumental também acompanha o clima tenso e assustador que a série assumiu nessa temporada. Em determinados momentos, a música está tão intrínseca à cena que a acompanha, que é difícil se desfazer de algum desses elementos.
Crítica de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura
A colcha de retalhos que continua a dar certo
Para mim, não existe uma pessoa neste mundo que não tenha sido impactada pela influência de Stranger Things desde o seu lançamento. Seja apenas uma criança que gosta de histórias de terror, um produtor que viu que a nostalgia dá certo ou apenas uma pessoa que gosta de assistir séries. O fato é que a obra parece realmente feita para atingir qualquer pessoa.
Contudo, ao contrário de outras obras por aí, que atiram em todos e não acertam ninguém, os irmãos Duffer possuem uma mira certeira. Chega quase a ser íntimo. É como se estivesse assistindo algo da minha infância, ou como se tivesse vivenciado algo do tipo (crianças são imaginativas, não é?).
De qualquer forma, toca na alma e impressiona. Pode ser pelos efeitos maestrais dessa temporada ou o carisma de cada personagem, novo ou antigo. É, realmente, aquela colcha velha escondida no baú da sua vó, mas que te aquece e te faz lembrar de dias mais felizes.