No espaço de tempo entre a terceira e a quarta temporada de Stranger Things, os fãs discutiram muito sobre a sexualidade de Will Byers. Antes de tudo, Will é uma criança traumatizada pela experiência que teve no Mundo Invertido. Ele é um garoto quieto, tranquilo, que ama seus amigos e família. Por não ter interesse romântico, ao contrário de seus amigos, isso chamou a atenção de fãs.
A quarta temporada, contudo, deveria trazer uma resposta sobre a sexualidade de Will. Os irmãos Duffer, junto com Noah Schnapp, comentaram muito sobre isso nas últimas semanas. No entanto, como o título desse artigo mostra, a suposta revelação da sexualidade de Will não é a melhor já feita.
Ao invés de tradicionalmente analisar o volume 2 da quarta temporada de Stranger Things, resolvi escrever dois artigos sobre alguns pontos importantes da série. Esse é o primeiro. Ah, e cuidado! Spoilers de toda a série estão ao longo do caminho!
O desaparecimento de Will Byers
A primeira temporada de Stranger Things é focada em duas linhas de história: a primeira é sobre Eleven, garota misteriosa com poderes que foge do Laboratório de Hawkins e acha em Mike Wheeler um guia para o mundo normal. Nesse meio tempo, Will Byers desparece, capturado pelo Demogorgon, e sendo forçado a viver no Mundo Invertido à espera de um resgate.
Imediatamente, essas histórias se entrelaçam quando os personagens percebem que, para resgatar Will, precisam de Eleven. A primeira temporada se passa em novembro de 1983 e as crianças têm entre 11 e 12 anos de idade. Ou seja, nenhuma delas entende o que é romance. À exceção de Mike, que tem sua primeira paixonite em Eleven.
Logo no primeiro episódio, Joyce Byers, mãe de Will, assume para o Delegado Jim Hopper que o pai do garoto imaginava que ele era “veado”. De acordo com Lonnie, o menino era muito “delicado e quieto” para ser “homem de verdade”.
Em uma cena de flashback, Jonathan, irmão de Will, pede para que o garoto não faça mais coisas que se sente obrigado a fazer apenas para satisfazer o pai. Fica claro durante a primeira temporada que Will sofreu muito nos anos em que viveu com o pai. Ele foi ridicularizado por gostar de desenhar e diminuído por ser mais “sensível” que outros meninos.
Contudo, ao morar somente com Joyce e Jonathan, seus talentos voltam a ser apreciados e seus sentimentos são entendidos novamente. Will é amado não só pela família, mas também pelos amigos, que fazem de tudo para encontrá-lo.
Porém, nas próximas temporadas, vemos que a quietude de Will é sentido muito mais por ele mesmo do que pelas outras pessoas.
Crítica de Stranger Things 4 – Volume 1
Gostosuras ou Travessuras, Aberração
Não tem nenhum personagem nessa série que sofreu mais na segunda temporada do que Will. Ele foi possuído pelo Devorador de Mentes, “torturado” por sua própria família e, ainda por cima, teve que ir sozinho ao Baile de Inverno. Dessa forma, pode-se dizer que meninas, beijos, romance e essas coisas não estavam na lista de prioridade do garoto.
É na terceira temporada, contudo, que os olhares mais atentos se voltam à sexualidade de Will. Enquanto Mike, Lucas e Dustin dividem o tempo com suas namoradas, Will quer apenas passar mais um verão tranquilo com seus amigos. Depois de uma partida sem vontade de D&D, Will discute com Mike sobre como as coisas mudaram. Sobre como todos os amigos agora só pensam em meninas. Então, Mike retruca “Não é minha culpa se você não gosta de garotas!”.
A frase é encontrada com indignação por Will. Apesar de Mike logo se desculpar, Will assume as dores e foge para casa. A frase e a reação de Will foram o estopim para que muitos começassem a olhar mais atentamente para a sexualidade do garoto. Será que Will realmente não gosta de meninas? Ele tem ciúmes de Mike com Eleven? Por que diabos ele não tem uma namorada?
Todos esses levantamentos chegaram aos ouvidos dos irmãos Duffer, criadores da série, e do ator que interpreta Will. Tanto um como o outro deram a entender que essas dúvidas seriam respondidas na quarta temporada de Stranger Things. Que a sexualidade do garoto seria trabalhada extensivamente nos anos seguintes. Será mesmo?
Will, o Sábio
Três anos se passaram e a quarta temporada finalmente está entre nós. No início do primeiro episódio, Eleven diz que Will está pintando algo muito importante para ele, provavelmente para “uma garota”. Algumas cenas depois, enquanto Eleven apresenta seu trabalho sobre Hopper, Will é acariciado na perna por uma menina do seu lado. Ele a rejeita sem ao menos pestanejar.
Outro ponto a se prestar atenção nesse episódio é que o trabalho de Will é sobre Alan Turing, inglês homossexual, considerado o pai da ciência da computação. Will pode ter criado um novo interesse por computadores na Califórnia, mas obviamente esse não seria o caso.
Durante os episódios, Noah Schnapp entrega uma de suas melhores atuações na série. Will claramente tem ciúmes de Mike com Eleven, a ponto de questionar o afastamento dos dois. Todas as palavras que Will diz ser sobre Eleven, na verdade, parecem sobre ele próprio. No volume 2, ao dizer que Eleven precisa de Mike, os olhos dele marejam.
Em outras palavras, seu discurso sobre a necessidade de Eleven, e sobre Mike ser o coração do grupo, são claramente uma declaração de amor. Mike, tonto como é, não percebe. Ao prepararem o tanque para Eleven ajudar Max, Jonathan afirma para Will que o ama independente de qualquer coisa. É tudo muito implícito, muito nas entrelinhas. Você entende sobre o que estão discutindo, mas nada é explicitamente apresentado à audiência.
E por que isso é ruim? Vamos discutir em seguida.
O Caso dos Ratos
Se você é heterossexual, provavelmente nunca precisou procurar nas entrelinhas por um personagem que poderia ser LGBTQIA+. Nunca teve a necessidade de ler cada linha de diálogo, cada expressão dos atores, para descobrir se existia uma relação LGBT+ em uma série ou filme. Por isso, a “revelação” da sexualidade de Will parece tão boba e fraca para mim.
Você se lembra que, em 2020, os produtores de Supernatural colocaram aquela revelação tosca de que Castiel amava Dean no último episódio da temporada? Enquanto o personagem era jogado no inferno? As implicações disso foram dissecadas e crucificadas nos dias seguintes ao final da série.
Em Stranger Things, por outro lado, os portais e os fãs estão em polvorosa pela afirmação de que Will Byers é gay. Porém, nada foi dito explicitamente. Entendo que o contexto da série é totalmente diferente. A quarta temporada se passa em 1986, a crise da AIDS já está em alta nos EUA, e ser gay não é “legal”. Junta-se isso ao fato de que Will ainda sente a presença de Vecna, sendo atormentado pelos traumas do passado… Bom, talvez não seja um bom momento para se assumir.
Todavia, é importante ressaltar que o implícito deve ficar explícito quando o assunto é a comunidade LGBTQIA+. Afinal, tem gente que não lê nas entrelinhas ou não tem o “faro” que alguns possuem para identificar algo diferente na forma que o roteiro é escrito.
Na última temporada, quando Robin se assumiu lésbica para Steve, ainda teve espectador que queria que os dois ficassem juntos! Diziam que Robin não tinha dito com todas as palavras que era lésbica e, portanto, poderia ser bissexual. Como devemos esperar que a sexualidade de Will seja respeitada quando o garoto sequer se assumiu completamente?
Queridos irmãos Duffer
Fazer com que o personagem gay da sua série sofra não é nada revolucionário, ainda mais quando ela se passa nos anos 1980. Quando Robin se assumiu, imaginei que a trajetória de Will seria igualmente incrível.
Mas o que vimos na quarta temporada foi o oposto disso. Além de ser a próxima vítima provável de Vecna, Will Byers deve sofrer ainda mais para se entender enquanto homossexual. Mike não compreende pelo que o melhor amigo está passando, muito menos Eleven. Apesar de Jonathan demonstrar apoio ao irmão, isso não deve ser o bastante.
Resta esperar o que os irmãos Duffer têm em mãos para a última temporada de Stranger Things. Minha esperança é que a confirmação da sexualidade de Will venha de sua própria boca, e não de uma entrevista dos criadores ou de seu intérprete.