Introdução
Doki Doki Literature Club é uma Visual Novel bastante diferente. Apesar de sua aparência fofinha, e seu começo seguir todos os clichês de romance colegial, sua história e mecânicas escondem algo muito mais sombrio e perturbador do que você poderia imaginar.
Lançado originalmente como um jogo gratuito na Steam em 2017, Doki Doki fez tanto sucesso que chegará para os consoles em uma versão Plus. Foi desenvolvido pelo estúdio Team Salvato, e publicado pela Serenity Forge no dia 30 de junho de 2021 para PC, Playstation, Switch e Xbox.
É preciso antes avisar que este jogo tem uma história bem pesada, com imagens que podem ser perturbadoras. Temas como suicídio, mutilação e depressão são abordados de forma bastante gráfica e realista. Também precisarei abordar alguns spoilers do jogo, então já fica um aviso.
Entre para o Clube
O jogo começa como uma típica visual novel. Você é um jovem rapaz colegial, que vai normalmente para a escola, mas que recebe um pedido de sua amiga de infância Sayori. Sempre animada e sorridente, ela lhe convida para participar de um clube de literatura na escola, onde ela é a vice-presidente. Chegando lá, você conhece as outras personagens desta história. Natsuki, baixinha e marrenta, apaixonada por culinária e mangás. Yuri é tímida bastante tímida, mas se abre quando o assunto é falar dos livros que gostam. Por último, mas não menos importante, Monika é a presidente do clube, e uma das garotas populares da escola.
Sendo o único rapaz neste clube, e esta sendo uma visual novel, logo sua atenção se volta a conquistar o coração de uma das garotas. Para isso, você deve conversar com elas e escrever poemas. Afinal, este é um clube de literatura. Cada garota gosta de uma temática diferente. Quando for sua vez de escrever, você deve escolher 20 palavras para escrever seu poema. Escolha as que agradem a sua “Crush”, e tome as decisões certas para alcançar o seu final feliz.
Porém, alcançar este final feliz pode ser muito mais difícil do que o esperado. Na verdade, é impossível de consegui-lo. Nada em Doki Doki acabará bem. Esta história clichê de romance é construída apenas para te deixar despreparado para o que vem a seguir.
Nada é o que parece
Pessoalmente, não gosto de visual novels, especialmente das focadas em romance. Sendo bem sincera, se não fosse a fama deste jogo, teria posto ele de lado com pouco mais de uma hora de jogo. Seu início é bastante lento, com uma história boba e diálogos pouco interessantes. Porém, há um ponto em que a história finalmente deslancha, e começa a ficar muito mais interessante. Além de sombria e perturbadora.
Pois, no meio das conversas melosas com as garotas, e das trocas de poemas com aparência meiga, há dicas de que há algo errado. E quando as coisas começam a dar errado, tudo começa a ficar errado, incluindo o jogo.
Em determinado momento do jogo, quando parecia que tudo ia ficar bem, uma das personagens se mata enforcada. A cena é marcante, já que nada até agora apontava que isso seria possível de acontecer nesse tipo de jogo. Porém, tudo fica ainda mais estranho quando você é forçado a iniciar um novo jogo, apenas para a história começar do zero, mas sem esta personagem. Além disso, as outras garotas parecem ignorar a existência de qualquer outra pessoa além de você.
Antes que você se dê conta, distorções começam a acontecer. São imagens que piscam, textos com fontes diferentes, menus que não obedecem. Embora tudo pareça estar acontecendo normalmente, fica bem claro que nada mais será normal nesta experiência.
Temas surreais, e muito reais
Apesar de ser um jogo de terror surreal, Doki Doki também traz alguns pontos bastante reais. Enquanto não segue para a área de terror absoluto, as interações com as garotas revelam que cada uma enfrenta um problema diferente. Uma delas revela ter depressão. A outra tem a tendência de se cortar. Já uma terceira dá a entender que tem uma relação conturbada com o pai. Estes problemas são tratados de forma relativamente realista no começo da história.
A garota com depressão, por exemplo, não segue aquele padrão que vemos em posts de instagram, de alguém com uma lágrima no rosto olhando para a chuva. Não, ela é a mais sorridente, alegre e animada de todas. Aquela que está sempre animando os amigos e fazendo todo mundo rir. Tudo, com o fim de esconder a sua tristeza interior, e não preocupar os outros com ela.
Porém, a partir de certo ponto, o jogo abandona este realismo e parte para o surreal, apostando em acontecimentos cada vez mais chocantes e bizarros.
Eu diria que o terror do jogo começa de uma forma bem forte, mas que te deixa anestesiado bem rápido. Depois do choque inicial com uma cena de suicídio, os acontecimentos “aterrorizantes” seguintes, acabam perdendo o efeito com o tempo. Pois, a primeira morte vem de uma forma inesperada e trágica, enquanto você ainda acreditava estar numa Visual Novel de romance. Porém, as outras cenas de terror que vêm depois, já são esperadas, já que agora você sabe se tratar de uma história de terror, mesmo que algumas te peguem de surpresa.
Subversão e quarta parede
Mas, além de um jogo de terror, Doki Doki também tem um componente que considero mais interessante. Ele é um jogo que brinca com a própria noção do que é um jogo.
Como dito anteriormente, a interface e os personagens começam a falhar ao decorrer da história. Isso, pois há uma segunda história acontecendo por baixo dos panos, escondido nos arquivos da pasta de instalação do jogo. Assim, enquanto você joga, arquivos são modificados e deletados, e o jogo começa a funcionar de forma diferente de antes.
Em certo ponto, fica claro que o jogo é mais que aparenta ser. Isso mesmo considerando que é uma Visual Novel fofa que vira um conto de terror psicológico. É mais ainda do que isso. Se quiser saber mais sobre as teorias do que tem escondido aqui no meio, sugiro a leitura da Teoria Final, escrita por um dos colaboradores do site.
Na versão de PC, essa experiência é um pouco mais impactante, já que você verá arquivos sendo modificados direto no seu computador. Já na versão de console, temos um terminal de computador virtual onde podemos acessar estes arquivos. Entretanto, a experiência não é a mesma, já que temos a sensação de ainda estar dentro do jogo. Então, um pouco da magia desta quebra de paradigma se perde nos consoles.
Mesmo assim, o fato de o Doki Doki brincar com o seu entendimento de como um jogo deve funcionar, te deixa curioso para saber o que ele aprontará em seguida. Eventualmente, você ficará paranoico até para tentar fechar o jogo, um ato inofensivo em outros jogos, mas que aqui faz parte do gameplay.
A versão Plus
Além de chegar para os consoles, esta versão traz algumas melhorias em relação à original.
Primeiramente, as ilustrações estão em uma qualidade e resolução bem melhores. Além das que normalmente encontramos no jogo, também é possível desbloquear diversas ilustrações extras e rascunhos do desenvolvimento do jogo.
A trilha sonora, que já era bastante boa, é complementada com 13 músicas inéditas. Por último, esta versão vem com 6 histórias extras envolvendo as personagens, desta vez focadas apenas no aspecto Visual Novel.
Conclusão
Doki Doki é para as Visual Novel o que Undertale é para os RPGs e Spec Ops: The Line para os Shooter militares. É uma obra que começa prometendo te entregar aquilo que você espera de um jogo do gênero, mas que logo subverte esta promessa e apresenta uma experiência marcante. Uma experiência que te faz pensar no que faz esses gêneros serem interessantes, e os desconstrói.
Apesar de seu início lento, e do terror perder o impacto perto do final, Doki Doki ainda apresenta muitas coisas bizarras e interessantes, que prenderão sua atenção.
Com ilustrações muito detalhadas, e uma trilha sonora memorável, é um pacote completo para aqueles que gostam de uma boa história ao estilo Creepypasta, de subversão do que entendemos como jogo, e de buscar por teorias de fãs na internet para tentar compreender tudo o que aconteceu.
* Chave cedida para análise