Você já ouviu falar em Bildungsroman?
Bildungsroman é um gênero literário alemão caracterizado por romances de formação, ou seja, histórias que não refletem nenhuma grande aventura heroica ou de superação. Ao invés disso, o gênero foca nos pequenos detalhes da vida e na evolução psicológica dos personagens, criando histórias contemplativas e onde a ação não é o foco principal… Isso soa familiar não é? Muitos jogos independentes como Gris e Journey possuem essas características.
O primeiro grande expoente desse gênero foi o escritor alemão Johann Goethe no livro “Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister”, seguido por autores como Tolstói (Anna Karenina) e Charlotte Bronte (Jane Eyre). Em meados do século XX com a chegada das ideias pós-modernas, o gênero também passou a abranger histórias consideradas mais subversivas, que versavam sobre direitos lgbtqia+, movimentos sociais etc.
Mas o que isso tem a ver com jogos?
Hoje muitos jogos têm se apropriado dessa estética para a construção de personagens e ambientação, alcançando grande sucesso principalmente no meio indie. Entre eles, podemos citar alguns como Journey (That game company, 2012), Gris (Nomada Studio, 2018) e Limbo (Playdead, 2010). Uma das características importantes do gênero é o fato de o protagonista não representar um personagem com atributos bem definidos. Isso gera uma identificação do mesmo com o jogador, onde ambos completam juntos uma jornada “espiritual” em busca da sua identidade. Outro detalhe é o objetivo da história, que pode ser a superação de algum trauma ou algum aprendizado. Além disso, o personagem deve enfrentar desafios causados pela sociedade ou por seu próprio emocional, sempre evoluindo internamente no decorrer da narrativa.
Também é importante perceber, como diz Astrid Ensslin (2016), que:
“nestes jogos, o movimento físico pelo espaço é usado metaforicamente para demonstrar a evolução espiritual e cognitiva com passar do tempo.”
O que isso significa? À medida que o jogo vai sendo explorado ou completado, tanto o personagem quanto o jogador passam por uma “evolução”, compreendendo melhor a si mesmos e ao ambiente ao seu redor.
Um olhar sobre Journey e Gris
Segundo os criadores de Journey, o jogo foi feito para ser “uma jornada pelo exílio e pela solidão” (Kellee Santiago, 2012). O jogo não apenas ganhou diversos prêmios e foi um dos mais vendidos na PSN no ano de seu lançamento, mas também recebeu críticas positivas da mídia especializada. Escrita por Patrick Shaw (Wired), uma delas declara que o jogo o fez sentir “uma ampla gama de emoções … admiração, medo, e até tristeza“. Já a de Christian Donlan (Eurogamer) diz “emociona além de qualquer metáfora e se torna uma “peregrinação” para o jogador”. Além disso, importantes jornais como o The Guardian o classificaram como uma verdadeira obra de arte interativa.
Gris, por sua vez, ganhou prêmios como o “Games for Change” (destinado a jogos que promovem algum tipo de impacto social) e o de “Jogo mais impactante” (The game awards). Até o momento, o jogo também ultrapassou 1 milhão de cópias vendidas, uma marca surpreendente para um jogo independente.
Mas afinal, o que esperar de jogos do gênero?
Se você jogar jogos como Journey ou Gris esperando por uma grande aventura épica pode se decepcionar. Como expoentes desse gênero tão emblemático, os jogos cumprem seu objetivo como “aventuras” contemplativas. Neles, você navega pelo luto, tristeza ou solidão, e tenta se enxergar como apenas mais um ser humano tentando seguir em frente e superar obstáculos. São obras artísticas belíssimas, com trilhas sonoras dignas dos maiores prêmios, mas não são feitos para qualquer um.
Assim como em uma poesia, a subjetividade nesses jogos tem um papel muito importante. Sendo assim, o jogador pode se sentir meio “perdido”(acreditem, eu passei por isso!), seja pela liberdade nas possibilidades de exploração ou pela falta de diálogos. Contudo, a arte e a trilha sonora fazem com que eles sejam uma experiência a parte, podendo arrancar risos (e lágrimas!) até dos jogadores mais sérios.
Não são jogos que agradam a todos, mas eles exploram sentimentos que nos são comuns em alguma etapa da vida e nos ajudam a lidar com eles da melhor forma possível. Afinal, tudo flui e estamos sempre em constante mudança, como dizia o filósofo Heráclito:
“Ninguém entra em um mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim como as águas que já serão outras.”
E você, conhece algum livro ou jogo que se encaixe nesse gênero? Gostou de saber um pouco mais sobre esses jogos? Conta aí pra gente nos comentários!
E se você se interessa por Gris, não deixe de ver nossa análise sobre o jogo!
Que texto incrível! Me deu até vontade de jogar! 😊