Introdução
Hades é um jogo do estilo roguelike desenvolvido e publicado para PC e Nintendo Switch no ano de 2020 pela Supergiant Games, a mesma empresa responsável por outros sucessos como Bastion, Transistor e Pyre.
Essa experiência que a desenvolvedora adquiriu com seus jogos lançados anteriormente foi de extrema importância para o que se tornou Hades. Uma junção extremamente bem feita de jogabilidade, trilha sonora e direção de arte te fazem imergir na história de Zagreu, filho do Deus dos Mortos, que parte do inferno em busca de respostas.
Estrada Infernal
Zagreu é o protagonista do jogo e suas intenções ficam claras logo no início: sair do inferno e da Casa de Hades. Sua personalidade é forte e cativante, capaz de fazer o jogador realmente querer lutar para realizar o seu desejo. Isso é extremamente importante, visto que o gênero roguelike do jogo te força a repetir a fuga diversas vezes.
O jogo faz questão de apresentar diversos personagens logo no começo e antes da primeira tentativa de sair do inferno, o que causa certo estranhamento mas também instiga a entender o porquê dos desenvolvedores optarem por isso. Cada um desses personagens possui uma personalidade própria e interessante, potencializada ainda mais pelo incrível trabalho de dublagem. Infelizmente, o jogo só possui falas no idioma inglês, porém está com todos os textos traduzidos para o português brasileiro.
Ao caminhar para a saída da Casa de Hades, algumas mecânicas do gênero são apresentadas, como o Espelho da Noite, a opção de escolher alguns amuletos que são obtidos ao decorrer do jogo e também algumas opções de armas. No início, não existem muitas opções além da arma inicial de Zagreu, porém rapidamente alguns aprimoramentos são possíveis no Espelho, armas são liberadas e amuletos são coletados, expandindo bastante seu leque de possibilidades.
Após cada tentativa frustrada, você retorna para a Casa de Hades e terá de partir para outra investida e, é nesse momento que o jogo se destaca dos demais roguelikes do mercado: você não se sente forçado a prosseguir ou somente continuar por conta do gênero do jogo, ele te motiva a fazer isso constantemente.

A Casa de Hades
Quando você não está no meio de sua fuga, é aqui onde você vai passar o resto do tempo. E não pense que isso é ruim, pois a Supergiant sabia disso e fez com maestria. Ela não é aconchegante, afinal, é a casa do Deus dos Mortos e não tinha porque ser, mas ela é viva e provocativa. Todas as vidas que chegam até o reino dos mortos são representadas por uma sombra e vagam pela casa, soltando alguns emotes e com pequenas animações que preenchem espaços que não necessariamente seriam um problema estarem vazios, é apenas um mimo a mais que a desenvolvedora colocou para seus jogadores.
A parte mais importante, portanto, é o relacionamento de Zagreu com os outros personagens do elenco, como, por exemplo, Aquiles, responsável pelo treinamento marcial do filho de Hades. Cada um deles interage com o protagonista e tem seus motivos que são muito bem encaixados na narrativa. Contudo, a história com eles só avança após cada tentativa de fuga, tornando esse elemento muito bem projetado e executado para manter o jogador constantemente motivado para tirar Zagreu do inferno.
A relação mais importante é, obviamente, a de Zagreu com Hades. O pai não atura a petulância do filho e, do outro lado, o protagonista não sabe muito o motivo de estar preso ali pelo próprio pai. É esse relacionamento que constrói a linha narrativa principal do jogo. A história não atribui nada novo à indústria ou surpreende com plot twists mirabolantes, mas ela é consistente o bastante para manter o jogador interessado e ainda mais engajado na missão de tirar Zagreu da casa de seu pai.

Controlando o filho um Deus
Apesar de o gênero roguelike ser um nicho, Hades não se contenta somente com público amante e fiel do estilo. Seus controles são básicos, precisando apenas de 5 a 6 botões para jogar (golpe padrão, golpe especial, tiro, esquiva, chamado superior e mascote). Em minha jornada por mais de 50h de jogo, eu utilizei um controle de xbox 360 e um do playstation 4, sem nenhum problema de adaptação no início. Aliás, antes de fazer essa análise, decidi jogar uma fuga no mouse e teclado, e o resultado foi surpreendente: apesar de estar mais lento por não estar habituado ao PC, fui bem longe auxiliado pela proximidade e facilidade dos comandos.
Para auxiliar o protagonista em sua fuga, alguns deuses do Olimpo invocam suas bênçãos para o ajudar, melhorando seu poder e suas habilidades. A cada encontro com eles você deve optar por uma dentre às três opções dadas. Essas bênçãos adicionam uma camada de variedade e complexidade ao jogo bem interessante, ainda mais quando você lembra que existem seis opções de armas para fugir do inferno e, cada uma dessas armas possui três aspectos que funcionam de maneira distinta em cada um deles. Calma! Pode parecer complexo no início, mas não é! Tudo funciona de maneira bem orgânica e não assusta o jogador, a Supergiant foi bem cuidadosa em guiar o jogador por todas essas mecânicas e como explicá-las da melhor forma.
Para jogadores que não estão familiarizados com o estilo roguelike, que é dado como difícil na maioria das vezes, o jogo é bastante amigável por conta da adição de um “modo Deus” como é descrito na própria obra. Nesse modo, a cada morte que você tem, seu Zagreu fica mais resistente e facilita a jornada do jogador que é novo, que está interessado apenas na história ou por qualquer outro motivo (como também é descrito no game). A dificuldade de Hades em si também não é muito grande se for comparado com outros games do seu estilo, sua curva de aprendizagem e sua diversidade de inimigos não são grandes, facilitando o aprendizado e diminuindo a dificuldade no geral.
Com a junção desses aspectos, a jogabilidade de Hades é muito fluida e simples, abrindo oportunidades para jogadores menos experientes mas também podendo deixar algum fã mais assíduo de roguelikes um pouco frustrado. Sua customização de builds (maneira de jogar) é vasta, simples ou complexa, dependendo do jogador, de fácil ou difícil execução, e por aí vai, tudo depende de como o jogador escolhe jogar.

Aspecto Artístico
Se tem algo que a indústria dos jogos já explorou bastante é a mitologia grega e temos certeza de que surgirão mais e mais jogos com essa proposta. Porém, o que a Supergiant realizou em Hades é algo diferente: ela olhou com outros olhos para a mitologia e resolveu colocá-la no jogo de maneira ainda não explorada. Ela conseguiu humanizar os deuses e fazer o jogador crer que aqueles personagens são tão frágeis quanto um humano comum, colocando em evidência seus lados negativos, seus pecados, suas personalidades fortes e únicas, e suas relações com os outros deuses, além de colocar o jogador como meio para demonstrar o cotidiano dos deles.
A direção de arte do jogo faz um trabalho muito competente, com um estilo artístico único e paleta de cores fortes. Cada desenho dos personagens que aparecem durante as caixas de diálogo cumprem seu papel perfeitamente, não causa estranhamento em nenhum ponto. O level design da obra é muito bom, os estágios são coerentes e bem produzidos, talvez isso reflita na baixa quantidade de mapas de cada região, as masmorras de fuga são geradas aleatoriamente, mas as fases que as compõem, não. É normal você estar jogando e ter a sensação de já ter passado por aquele mapa porque de fato você passou. Cada deus tem sua representação bem feita com cada arte desenhada, as cores sempre muito bem colocadas que ajudam a ditar o ritmo de jogo.
Na parte da trilha sonora, não há do que reclamar. Músicas incríveis para todas as partes do jogo, seja em um momento de descanso com Orfeu cantando para você na Casa de Hades ou então nos embates contra cada um dos chefes do jogo. São orquestradas, com ritmo e instrumentos que te fazem sentir-se na Grécia e mixados com um pouco de música eletrônica dão luz a uma composição fantástica que acompanha o player em sua jogatina.

Conclusão
Hades é um acerto crítico da Supergiant Games no mercado. Ela mostrou que é capaz de masterizar um estilo de jogo que tem se mostrado o mesmo por anos, inovando em como motivar o jogador e mantê-lo curioso sobre o futuro da obra, aplicando features que não se mostram como mecânicas de jogo por si só, elas têm um motivo de estarem ali que são orgânicos e intrínsecos à Hades. Apesar de alguns pontos negativos aqui e ali, eles não têm força suficiente para tirar essa produção da estante das obras-primas dos video games.