Introdução
Voice of Cards é um novo RPG por turnos, cujo mundo é completamente feito por cartas, e que ainda teve a participação do ilustre Yoko Taro, a mente por trás de Nier. Porém, ter uma estética bem diferente, e um diretor famoso, não salvou este jogo de seus problemas.
Este jogo foi lançado no dia 28 de outubro para Steam, Playstation e Switch. Publicado pela Square Enix, Voice of Cards: The Isle Dragon Roars é desenvolvido pelo estúdio Alim, que já trabalha com a Square no jogo Final Fantasy: Brave Exvius para celulares.
Vítima do Hype
Primeiramente, devo confessar que boa parte da minha decepção pelo jogo é culpa minha. Ao ver o trailer do jogo, sua estética e música me chamaram bastante atenção, e me pareceu um jogo interessante em sua proposta de ser um mundo totalmente feito de cartas. Porém, foram as palavras no final que realmente me convenceram de que eu precisava jogá-lo: Yoko Taro.
Desde que joguei Nier Automata, fico atenta a tudo o que esta pessoa está trabalhando. Pois, quando você gosta muito do trabalho de alguém, fica mais fácil de se animar para saber o que mais esta mente tem a oferecer. Talvez, seja o mesmo efeito que fãs do Hideo Kojima sentem ao ouvir que ele está trabalhando em um novo projeto.
Dessa forma, já liguei Voice of Cards com a expectativa lá nas alturas. Afinal, se este homem foi o responsável por um dos meus jogos favoritos (Nier: Automata), então ele certamente fará algo especial com este jogo de cartas. Certamente terá uma história envolvente, ou reviravoltas surpreendentes, personagens memoráveis e ainda um sistema de combate completamente novo e inédito?!
Assim sendo, após esta introdução bastante negativa, vamos falar sobre o que este jogo fez de bom, o que ele fez de ruim, e o que ele fez de “mé”.
A reduzida jornada do herói
Nossa história começa com o despertar de um dragão. Esta besta feroz está destruindo o reino, então a rainha convoca todos os heróis para combate-la. Quem matar o dragão, será largamente recompensado. Com a chance de ficar podre de rico, nosso protagonista atende ao chamado. Acompanhado de seu fiel parceiro Mar, um monstro que parece com um Ditto disfarçado de peixe-boi terrestre, ele parte nesta perigosa missão.
Porém, os membros da Ordem de Marfim podem atrapalhar seus planos. Pois, estes fazem parte de uma seleta elite de guerreiros, treinados nas artes mágicas e nas armas, que também recebem a missão de perseguir a terrível fera.
Em sua viagem, o protagonista encontrará mais 3 companheiros para adicionar à sua party. Viajando o mundo, enfrentando monstros, visitando vilarejos, e sempre correndo atrás do dragão.

Em relação à história, ela é extremamente básica. Não há nenhuma grande reviravolta, nem surpresas no meio do caminho. Há momentos divertidos, certamente, especialmente os que envolvem o personagem Bruno, e sua obsessão com seu corpo sarado. Fora as cenas engraçadas, o que acontece nesta história é exatamente o que você esperava, e nenhum personagem chega a ser bem desenvolvido.
Depois de uma breve cena expositória sobre quem eles são, os companheiros ficam de lado, aparecendo esporadicamente para tecer algum comentário na história. Nenhum deles realmente cresce ao longo da história, ou aprendem algo importante para sua vida. A exceção, talvez, fique com o protagonista, que começa como um grande idiota, mas no final aprende a colocar sua ganância de lado pelo bem dos outros. O que não é exatamente um arco inédito ou surpreendente.
Mas, há outro fator que não ajudou em nada em deixar esta história melhor.
O Narrador
Logo no começo, somos apresentados ao narrador. Ele explica que será responsável por contar a nossa aventura. Em um primeiro momento, esta ideia parece bem interessante. Como a proposta do jogo é emular um jogo de tabuleiro, combina ter alguém agindo como o “Game Master” de um RPG de mesa. Além disso, explicaria porque todo o mundo é feito de cartas, desde os personagens e monstros, até os itens e o terreno que exploramos. O jogo inteiro é narrado, desde os eventos que estão acontecendo, até as falas dos personagens.
Este ano, analisamos outros dois jogos que usam um narrador para sua história. Um deles, foi o belo, mas falho, Lost in Random, e o outro é o falho e mais falho, Biomutant. No primeiro, o narrador ajuda a criar uma atmosfera fantástica e de contos de fada. Ele é um personagem no mundo, e ajuda a enriquecer o cenário e as situações. Enquanto isso, em Biomutant, o narrador é uma escolha estranha, já que ele tem o papel de narrar também as falas dos personagens, o que remove qualquer personalidade que estas criaturas poderiam ter. No primeiro, o narrador acrescenta ao jogo, no segundo, apenas atrapalha. É neste segundo time que Voice of Cards se encaixa.

É difícil se empolgar com qualquer coisa que está acontecendo, quando o próprio GM parece estar chateado. O problema aqui, é a falta de empolgação na narração. Usando o Lost in Random como bom exemplo, lá o narrador tem personalidade, e você sente as emoções em sua voz, desde a alegria de suas vitórias, até a preocupação quando você está em perigo.
Porém, em Voice of Cards, a empolgação na leitura do narrador rivaliza com o desinteresse de locutores de rodoviária.
O mundo de cartas
Primeiramente, devo esclarecer algo. Apesar de tudo no jogo depender de cartas, ele não é um jogo de cartas. Isto é, o jogo não tem as características comuns a jogos do gênero, como ter de puxar cartas de um baralho personalizado, lidando com o random e criando estratégias de como usá-las. Ao invés disso, este é um RPG por turno clássico, no estilo dos antigos Final Fantasy.
Nas batalhas, você deve montar uma equipe com 3 dos 5 personagens disponíveis. Os personagens vão liberando novas skill conforme sobem de level, e é seu dever escolher quais levar para a batalha. Já no combate, suas skills dependem de um número de joias para serem ativadas. Cada personagem gera uma joia no começo de sua rodada, sendo que podem gerar mais com certas skills. Assim, parte da estratégia das batalhas depende de escolher o momento certo de quando usar golpe poderoso, mas que gastará muitas joias, e guardar algumas para rodadas futuras.
Já a exploração do mundo também é feito pelas cartas. Toda a região que podemos explorar é composta de cartas viradas para baixo. Quando nos aproximamos destas cartas, elas viram, revelando seu conteúdo. Curiosamente, este é um dos pontos que gostei do jogo, da forma como o mundo vai se revelando durante a exploração.
Nestas andanças, também encontramos com NPCs e monstros, eventos randômicos e tesouros. Tudo, em forma de cartas.
Apenas estética
Sinceramente, eu gostei desta estética de cartas. Apesar de por baixo ser um RPG comum, tudo ser governado pelas cartas dá um ar de inovação para isso que seria comum. Porém, tudo fica apenas na parte estética.
O combate, por exemplo, é algo bastante simples, e que não exige muita estratégia. A dificuldade do jogo não colabora, sendo que a única batalha que tive algum risco foi com o boss final. Até lá, derrotar qualquer inimigo significa apenas usar a habilidade com o ataque mais forte. Não é preciso considerar elementos, buffs e debuffs, nem itens ou outras habilidades. Dessa forma, vencer se torna apenas uma questão de bater mais forte.

A exploração também sofre com isso. As cidades, por exemplo, são todas basicamente iguais. As cartas de terreno, e das casinhas, são idênticas em todo lugar que você vai. Assim, uma cidade se diferencia da outra apenas pela posição das cartas, o que não é muito animador.
Pontos positivos
Para encerrar, depois de falar tantos pontos negativos, vamos falar de coisa boa.
Yoko Taro não é o único profissional que trabalhou em Nier que veio apoiar este projeto. Com ele, veio outra pessoa, tão importante quanto para a grandiosidade daquele jogo. Pois, o compositor daquelas obras-primas das músicas de jogos, Keiichi Okabe, fez as músicas de Voice of Cards, e este é o principal ponto positivo que tenho a trazer.
Fica evidente que esta trilha sonora é do mesmo compositor, pois os primeiros acordes da música de abertura já me transportaram de volta para aquele mundo que gostei tanto. Esta música também é responsável por trazer a emoção da história, que o narrador falha em fazer.
Resumindo, é uma triha sonora fantástica e muito gostosa de se ouvir.
Outro ponto que merece elogios está no design das cartas em si. Apesar de serem apenas imagens estáticas, estas cartas ainda trazem vários detalhes que a deixam lindas, e dignas de um conjunto de colecionador de luxo. Em especial, a carta dos personagens vêm com belíssimas ilustrações, e detalhes dourados que brilham quando as cartas são posicionadas da forma correta.
Conclusão
Voice of Cards não é um jogo ruim, mas os nomes de peso atrelados ao projeto me fizeram esperar muito mais. Se este fosse o primeiro jogo de um estúdio indie, eu até o elogiaria por fazer um jogo bem-feito, sem grandes problemas. Porém, como ele foi feito por profissionais de peso da indústria, então acho justo cobrar algo a mais do que apenas o básico.
Voice of Cards tem uma história bem esquecível, com personagens unidimensionais, e um combate que não incentiva estratégia, e nem desafia o jogador. Seu mundo de cartas é bem superficial, em que as cartas são apenas uma forma diferente de apresentar o mundo. Similarmente, o narrador também teria este papel, mas suas falas desanimadas não empolgam, e não convencem em seu papel de Game Master.
Porém, algumas coisas salvam, como a belíssima trilha sonora, e as lindas ilustrações nas cartas.
Dessa forma, Voice of Cards não é um jogo ruim, mas também não tem nada de especial. Infelizmente, é um jogo que traz uma boa ideia na parte estética, mas não faz nada de interessante com esta premissa.