Introdução
Como um fã de videogames, tem poucas coisas que eu amo mais do que um grande evento de games. A E3 sempre estará no meu coração pela felicidade em ver os anúncios, mas em segundo lugar eu coloco o The Game Awards, o nosso famoso Oscar dos videogames. E, assim como o Oscar é uma premiação de cinema, e esse é um texto sobre jogos cinematográficos, acho que dá pra saber onde eu vou chegar.
Bem, goste você do Oscar ou não, é inegável que os dois eventos são extremamente semelhantes, tanto nas coisas ruins quanto nas boas. Por exemplo, uma das coisas que eu mais gosto é fazer minhas apostas com amigos pra ver qual jogo vai levar qual prêmio, ou ver os jogos que eu gosto levando várias premiações. Foi assim que eu me senti quando a equipe de Hellblade levou pra casa quatro prêmios, sendo junto com Cuphead, o jogo mais premiado de 2017. Ou então quando a FROM Software, finalmente levou o prêmio de jogo do ano após uma década de serem esnobados pela premiação.
Mas, ao mesmo tempo, também temos situações como a de 2017, em que Hollow Knight, um dos melhores jogos que eu já joguei na vida e de uma qualidade absolutamente inegável, só foi indicado PARA UMA CATEGORIA. UMA. APENAS. Ele nem sequer concorreu pra melhor jogo indie!
Entrando nesse assunto, vamos falar da distinção bizarra entre a categoria de Jogo de Ação e Jogo de Ação e Aventura? Ou do fato que existe uma categoria chamada MELHOR JOGO PARA A FAMÍLIA… e indicaram SONIC MANIA?? Sabe, aquele lá que foi feito para os fãs nostálgicos do Sonic, que em sua maioria são tiozões? É, claramente a categoria só existe pra jogar qualquer jogo que tenha uma aparência mais fofinha e bonitinha, já que eles colocam até jogos que não tem multiplayer.
Mas olha, eu podia passar o texto todo falando desses probleminhas com cada categoria. No fundo, o que todo mundo quer ver no evento é o grande prêmio, o jogo do ano. Qual será escolhido, entre os milhares de games lançados anualmente, como o melhor? Pra chegar no meu ponto, acho que vale a pena dar uma olhada em quais foram os últimos vencedores do prêmio. E bem, o The Game Awards pode ter começado oficialmente em 2014, mas a verdade é que ele é um remanescente de um evento anterior, o Spike Game Awards. E esse aí começou faz um BOM tempo. Então pra facilitar minha vida analisando tudo aqui, eu decidi voltar apenas nos jogos depois de 2007. Mas por que essa data específica? Bem, vocês vão já saber. E os vencedores de cada ano foram…
Os jogos premiados
2007: Bioshock
2008: GTA IV
2009: Uncharted 2
2010: Red Dead Redemption
2011: The Elder Scrolls V: Skyrim
2012: The Walking Dead
2013: GTA V
2014: Dragon Age Inquisition
2015: The Witcher 3
2016: Overwatch
2017: The Legend of Zelda: Breath of the Wild
2018: God of War
2019: Sekiro: Shadows Dice Twice
Bem, vocês notaram um padrão aqui? Não? Deixa que eu ajudo vocês então. De 13 jogos premiados… GTA IV, Uncharted, RDR, TWD, GTA V, Dragon Age, TW3, God of War e Sekiro… são todos jogos que se encaixam em um critério: Eles são cinematográficos. E isso porque eu não to contando Skyrim, cuja intenção claramente é ter uma apresentação próxima ao cinema, mas como ele tem uma abordagem em primeira pessoa buscando a imersão, isso já o diferencia o bastante.
Agora você pode estar pensando… “ah, você é fresco demais, esses jogos não são ruins”
NÃO! Não me levem a mal, porque eu não acho que esses jogos são ruins de jeito nenhum. Muito pelo contrário: Todos eles são jogos excelentes. O que importa é que parece que depois de 2007, houve uma certa padronização nos jogos, especialmente os exclusivos da Sony, para se adaptar á um formato que então virou o padrão: Os jogos cinematográficos com combate em terceira pessoa. E porque 2007? Muito simples, foi o ano que lançou esse monstro aqui:
O pai dos jogos cinematográficos
Óbvio que os jogos cinematográficos não começaram com Uncharted. Lá no PS1, Final Fantasy 7 já tava fazendo uma história cheia de cutscenes, e cenas dignas de um blockbuster… Pelo menos com o que dava com a tecnologia da época, né? Porém, não parece que esse estilo realmente explodiu até a sétima geração, que foi quando o gênero realmente se popularizou e começamos a ver várias franquias o adotando cada vez mais. E, a partir daí, todos os exclusivos do Playstation começaram a trilhar os passos de Uncharted, cada um com suas diferenciações: Horizon aplica a fórmula para a exploração de um vasto mundo aberto, The Last of Us a aplica em uma genial mistura com survival horror, e God of War (que puxou inspiração também de The Last of Us) a combina com elementos de RPG em um universo nórdico.
A própria Microsoft também adotou o estilo, visto que ano passado eles já estavam lançando Gears 5 que também segue esse formato. Os grandes jogos multiplataforma dos últimos anos também são TODOS repletos de cutscenes: The Witcher 3, GTA V, o reboot de Tomb Raider, a saga Assassins Creed, Call of Duty, Battlefield… A lista é infinita. E acho que finalmente chegamos no tema central: essa, meus amigos, é a fórmula do sucesso dos videogames.
Quanto mais próximo do cinema o seu jogo é, mais prestígio ele tem.
Porque isso é um problema?
Claro que essa noção não funciona por si só né. Não vou desmerecer o trabalho de todos esses jogos e simplesmente falar que eles são ruins. Mas o fato é: por quê? Por que jogos próximos do cinema são vistos como a fórmula definitiva? Por que a maioria dos jogos indicados a Game do Ano nos últimos anos são todos assim? O meu objetivo aqui não é demonizar o formato e dizer que “NOSSA MEU DEUS TODO JOGO QUE SEGUE ESSA FÓRMULA É UM LIXO!!!”, mas sim entender o porquê de ser assim, e porque não deveria ser.
Primeiro, vamos voltar um pouco no tempo. Durante muito tempo, games foram tratados como uma forma de mídia inferior: em resumo, visto como entretenimento rápido e barato, primordialmente infantil. Levou um tempinho para eles terem um certo reconhecimento (que eles ainda não tem ao todo), e qual o motivo pra isso?
Videogames, na sua essência, não se assemelham a nenhuma outra forma de arte.
Se você pegar um God of War, tirar toda a história e deixar só a gameplay, com o que ele parece? Com as cenas de ação de um filme, claro. Mas com a vantagem da interatividade. Não tem nada IGUAL á isso, assim como não tem nada igual á imaginação propiciada pelas palavras de um livro. Esse estranhamento do videogame como apenas uma forma de diversão, por conta da sua essência no gameplay, faz com que o mesmo pareça um entretenimento barato.
Lembram que eu falei do Oscar? A mesma noção se aplica lá. Existe também um certo apelo pelo cinema de prestígio, que faz com que filmes autorais e artísticos tenham mais valor do que o vigésimo filme de super-herói que sai todo ano, mesmo eles sendo muito bons e extremamente divertidos. Logo, existe um sentimento comum que espera que certas obras sejam validadas como A MELHOR, para assim seus fãs se sentirem acima dos outros por gostar de certa coisa. Afinal, é por isso que existem os cinéfilos.
Videogames são arte?
Mas o que diabos isso tem a ver com videogame?
Bem, é simples. Na busca para legitimar o videogame como uma obra de arte, a solução encontrada pela indústria foi se aproximar o máximo possível de outro tipo de entretenimento audiovisual: o cinema. É por isso que os grandes debates se games são arte normalmente se encerram rapidinho hoje em dia, basta você perguntar pro cara que diz o contrário se ele considera cinema arte, ele vai dizer que sim, e ai você mostra um The Last of Us pra ele, e pronto, fim de conversa.
Mas por que não deve ser assim? Bem, o que eu tenho pra dizer é que os videogames vão MUITO, mas MUITO além de copiar o cinema. Na verdade, o grande mérito dos videogames, a sua grande força como forma de arte única, é na verdade a sua INTERATIVIDADE.
A padronização desse formato LIMITA o potencial dos videogames.
The Last of Us Part II e a diferença entre gameplay e cutscene
The Last of Us Part II saiu ano passado e com certeza é um dos jogos mais polêmicos lançados. Fazia muito tempo que eu não via um divisor de águas nesse nível. Parecia que ninguém tinha uma opinião média sobre o jogo: ou você o ama, ou você o odeia. Na época do hype do lançamento, eu fui atrás de várias reviews e sempre caia nesse mesmo padrão. Eu não vou entrar em muitos detalhes sobre o seu enredo, mas um pouco sobre os temas que ele aborda, que dá pra resumir em uma única frase, na verdade: A vingança nunca é plena, mata a alma e envenena.
Ok, brincadeira, não só isso, porque tem outros também. A ideia é criar uma sensação de culpa no jogador diante das ações que as duas protagonistas, Abby e Ellie, tomam em suas respectivas jornadas por vingança. Enquanto uma se afunda cada vez mais no ódio, a outra se distancia do mesmo sentimento. Essas temas são entregues através de horas e horas de cutscenes mostrando interações entre os personagens e algumas mortes bem brutais no processo. Mas talvez as cinemáticas não precisassem reforçar esse tema com tanto vigor, já que ele poderia ser passado de outra maneira bem mais interessante…
Gameplay.
Em um filme ou qualquer outra das mídias cinematográficas, para fazer o espectador se sentir mal sobre a morte de um personagem, você normalmente precisa fazer com que ele se importe com aquele personagem. Isso costuma ser construído através de cenas com o personagem que façam a audiência gostar dele. Em um videogame, você tem algo que o cinema não pode fazer: você pode fazer o jogador sentir culpa. Como é o jogador que está no comando das ações, a partir do momento que você faz ele questionar as próprias ações, isso pode gerar um impacto emocional enorme no jogador, sem ele sequer saber nada do NPC que acaba de morrer.
Você não precisa saber de toda a história do inimigo aleatório que você acabou de matar em TLOU2, mas ver o cachorro dele chorando ao lado do cadáver faz você sentir algo. Porque foi VOCÊ que fez isso. Não um personagem, foi VOCÊ, o jogador, que tomou a decisão de matar aquele inimigo. Você pode até não sentir culpa de matar os amigos da Abby em TLOU2 mesmo depois de horas e horas de backstory dado á eles, mas com certeza você sentiu ao matar o cachorro de um inimigo aleatório. Isso é um recurso genial, e palmas para a equipe da Naughty Dog por isso. Ideia e execução extremamente bem feitas.
O poder do silêncio
Quando você reduz a única forma com a qual o jogo pode contar uma história aos moldes cinematográficos, você limita recursos de narrativa como esses. Recursos exclusivos dos videogames que não podem ser encontrados em nenhuma outra forma de arte.
Shadow of the Colossus, por exemplo, é uma história incrível e emocionante, contada através de basicamente só duas cutscenes grandes ao longo do jogo inteiro. Tudo o que basta para fazer o jogador sentir algo é uma cena curta de um colosso majestoso, que não fez mal algum a ninguém, sendo brutalmente assassinado por um personagem tão egoísta que está disposto á libertar um mal sobre a Terra para reviver a sua amada. Ou então o relacionamento entre Wander e Agro, construído apenas com uma palavra, tão simples quando o dono chamando sua égua.
Na solidão das Terras Proibidas, no silêncio que temos durante a maior parte do jogo, a única voz humana que escutamos é a do Wander, chamando por sua égua. O design de mundo do SoTC faz o mapa parecer tão vasto e tão vazio, que basta a presença da Agro como sua única companheira, e apenas uma palavra, para você se apegar emocionalmente a ela. Um apego que culmina em uma das experiências mais impactantes que eu já tive em qualquer mídia.
E nada, absolutamente nada disso, teria sido tão efetivo em nenhum filme. Com certeza, esse é um jogo verdadeiramente inadaptável, mas existem outros exemplos. Em Dark Souls, o posicionamento de itens e de inimigos pelo cenário pode ser a chave que falta pra desvendar os quebra-cabeças da história. Em Portal, os laboratórios abertos da primeira metade do jogo dão a ilusão de segurança, e quando a Glados decide te matar e tudo vai pra merda, as salas de teste grandes e limpinhas dão lugar á um cenário industrial sujo, claustrofóbico e opressor. Cheio de desenhos nas paredes, sangue e itens usados, o cenário conta a história dos outros ratos de laboratório mortos pela Glados até então, e o jogo não precisa te falar isso por meio de um diálogo.
Como a indústria pode melhorar
Felizmente, para cada um dos jogos cinematográficos estilo cinema genérico que sai, temos um mercado imenso de indies com ideias revolucionárias. E de vez em quando, de vez em quando mesmo, você tem jogos no estilo experimental mas que de algum modo ganharam um orçamento grande. E é nessa brincadeira que saem jogos com ideias novas e incríveis, como por exemplo o polêmico Death Stranding, que mesmo não fazendo o meu estilo, sou obrigado a admitir que é um projeto extremamente ousado.
No fim, a falta de inovação é responsável pela estagnação de um formato. O que eu quero, é que desenvolvedores sejam incentivados a descobrir novas formas de entreter, sem se prender a padrões. Imagine se a Microsoft não tivesse investido em Halo, que foi o primeiro jogo a popularizar o formato de dois analógicos (um pra mirar, outro pra atirar), como estariam os FPS hoje em dia? E se a Blizzard nunca tivesse investido em um RPG de ação em tempo real, com Diablo? Nós teríamos perdido um gênero todo. E se a Sony não tivesse investido em Demon’s Souls? Também não teríamos todo o gênero Soulslike, e talvez Assassin’s Creed até ainda estivesse usando o mesmo combate antigo. Quem sabe o que teria acontecido? Quantas outras revoluções na indústria são sufocadas pela padronização dos jogos?
Mas pelo amor de deus, não entendam isso como um “todo jogo precisa ser revolucionário, caso contrário é lixo”. Não. O que eu quero passar com esse pensamento, é que, quanto mais a indústria se padroniza nos moldes cinematográficos, menos criatividade vemos expressada nessa forma de arte maravilhosa que são os jogos. No fim das contas, videogames em sua base são entretenimento. E se o que você está jogando te entretém, parabéns. Ele funciona. Ele é um bom jogo.
Achei do caralho esse novo formato, além de parecer técnico, tem uma pegada humorística mas ainda sim bem informativo. Parabéns !
TLOU2 fez seu papel de jogo e mexeu com todas as emoções possíveis não só as com propósito de entreter, mas também, de ódio, vingança e a própria reflexão de valer a pena ou não, é uma pena os nerdboomers terem acabado com o jogo no metacritic
SOTC um dos jogos mais incríveis que eu joguei na vida. Ótimo Artigo!